Conselho da Cidade critica gestão da Câmara no Orçamento Participativo

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1-AnaCostaLealIMG_0576-1Tendo em conta os baixos níveis de participação dos caldenses no Orçamento Participativo, os atrasos na execução dos projectos de anos anteriores e o “fraco empenho da autarquia”, o Conselho da Cidade organizou um debate acerca desta forma inovadora de gerir os dinheiros autárquicos. Ana Costa Leal, daquela associação cívica, fez uma análise crítica do Orçamento Participativo, apontando vários erros à Câmara caldense, a qual respondeu através do seu vice-presidente, Hugo Oliveira.
O debate teve lugar na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro na tarde de 27 de Junho.

“Os principais argumentos do atraso – a ausência de meios humanos e regras de administração pública – serão transversais a muitos municípios, mas sempre ultrapassáveis desde que haja boa vontade e empenho”, afirmou Ana Costa Leal na sua intervenção. É que, segundo o Conselho da Cidade, “desenvolver uma ideia que, depois de aprovada, fica esquecida em banho-maria, só pode contribuir para a descredibilização dos mais crentes e potenciar a desconfiança no sistema político”.
Este foi o culminar das críticas de Ana Costa Leal à autarquia caldense. É que “o regulamento é vago, os critérios não são esclarecedores, não estão convenientemente definidos, suscitando dúvidas até para os responsáveis pela própria avaliação técnica”, apontou, fazendo notar que este não define a área em que devem incidir os projectos, nem um limite máximo de projectos por proponente, assim como não estabelece um valor máximo por cada um e não limita as ideias por freguesia.
A divulgação e mobilização das pessoas tem sido “manifestamente insuficiente. Não chega um site, dois outdoors, uma notícias nos jornais locais”, disse, traçando as diferenças para municípios com elevados valores de participação, onde foram providenciadas sessões de esclarecimento nas diferentes freguesias e onde existiu um veículo que, durante um mês, percorreu todas as freguesias levando informação e mais tarde as urnas para votação. Nessas autarquias o processo de votação decorreu durante um mês nos vários locais do concelho: Juntas, escolas, colectividades e com a carrinha.
Nas Caldas a votação é presencial e é feita apenas num dia. “Em 2015 foi apenas durante uma hora, das 10 às 11 da noite, na noite do Dia de Reis, na CMCR, num dia gelado”. Para além disso, apontou o facto de as regras de votações on-line no último ano terem mudado a meio do período de votação.
Quanto aos técnicos da Câmara, fez notar que “nas Caldas a envolvência entre os proponentes e os responsáveis da vereação e da análise técnica das propostas é pequena”, afirmando que os proponentes são confrontados com respostas em segunda mão, já depois de ser conhecido o resultado público.
Os votos terem de incidir sobre diferentes freguesias seria outra questão pertinente a regulamentar, lembrou Ana Leal Costa, que fez ainda notar que o Orçamento Participativo representa apenas 1% do valor do Orçamento Municipal e que os técnicos da Câmara não conseguem responder às dúvidas que lhes são postas. “Já aconteceu responderem fora do prazo de recorrer”, afirmou.
Por fim, expôs as falhas no sistema informático, que levaram a que houvesse quem não conseguisse votar, referindo ainda que este não foi devidamente testado. “Ultrapassadas todas estas dificuldades era expectável que os projectos fossem executados com entusiasmo. Mas o prazo de execução fala por si…” atirou.

“Não é agradável não ver as obras feitas”

Hugo Oliveira, vice-presidente da autarquia caldense, afirmou aos presentes que “o executivo vê o Orçamento Participativo como fundamental”, assumindo, ainda assim, que estes processos “têm demorado muito na sua execução”. Confessando que, “como responsável desta área, não é agradável não ver as obras feitas”, disse perceber as críticas, aceitá-las e até concordar com algumas.
Em relação aos projectos de 2013, afirmou que a Câmara tem neste momento 50% de execução financeira e 65% de execução física. “Estão atrasados, mas têm esta taxa de execução”.
Explicando a mudança do Orçamento Participativo de anual para bienal, disse que tal se tornou necessário, uma vez que desde o primeiro ano que este se tem vindo a atrasar e a ultrapassar prazos. Este interregno é visto pela autarquia como a forma de conseguir o tempo necessário para resolver as questões pendentes de outros anos.
Acresce que a Assembleia Municipal aprovou um OPJovem que se irá realizar com uma parte da verba [150 mil euros] do Orçamento Participativo. Desta forma, em 2017 as Caldas irá ter os dois orçamentos apesar de ainda não se saber quais serão as verbas para cada um, que apenas serão anunciadas em Dezembro.
Hugo Oliveira afirmou que espera nessa altura “ter normalizado todos os projectos de 2013, 2014 e 2015” e então decidir se o Orçamento Participativo deve continuar de dois em dois anos ou normalizar com uma frequência anual.
Em relação ao valor máximo, limite de ideias por proponentes e número de intentos por freguesia, referiu que não foram fixados tectos “porque não quisemos balizar e dizer que só podem apresentar projectos até este valor ou nesta área”.

Um Orçamento Participativo que não é participado

Todos estes factores foram apontados como causas e consequências da baixa taxa de participação dos caldenses numa (das poucas) ferramentas democráticas de que dispõem. O orçamento participativo, em três anos na cidade caldense, teve participações entre os 0,1 e 1%.
Em 2013, no primeiro ano de Orçamento Participativo, os votos foram apenas presenciais, tendo 68 pessoas votado. Em 2014 registaram-se 444 votos de 148 cidadãos (presencialmente contaram-se 102 votos e on-line mais 342). Este ano registou-se um total de 1050 votos, de 335 caldenses (252 escolheram os projectos pela internet e 83 de forma presencial).
Nelson Dias fez uma análise dos OP em Portugal, estabelecendo as diferenças entre os processos consultivos (em que os cidadãos consultam mas não decidem) e os deliberativos (em que estes decidem).
Lembrando que, segundo dados da Eurostat, estamos no país onde os cidadãos mais desconfiam da classe política e da própria sociedade, e que “as pessoas sentem que o voto é um falso poder que não influencia a vida quotidiana”, é necessário o Orçamento Participativo enquanto elemento de “reconstrução da confiança”.
Já antes, no primeiro painel, João Paulo Batalha lembrou que, em Portugal, “perguntar ofende”, e falou de “um Estado que cobra, mas não sabe gerir de forma limpa e transparente” e que nos leva a sentir que “vivemos numa democracia que não nos ouve”.
António Eloy apresentou a história dos Orçamentos Participativos desde a sua criação no Brasil e afirmou que “ou a autarquia assume o Orçamento Participativo como um elemento de política de fundo, ou aprovou-o porque alguns cidadãos quiseram, mas não tem o mínimo interesse nele e, na prática, não empenha meios, recursos e vontade política”.
A apresentação do evento esteve a cargo de António Curado, do Conselho da Cidade, e o primeiro painel foi constituído por António Eloy e por João Paulo Batalha, da Transparência e Integridade na Actividade Cívica. Este painel foi moderado por José Luíz Almeida e Silva, também director da Gazeta das Caldas, que acrescentou a ideia do crowdfunding ao debate, de forma a combater a baixa taxa de participação. “A grande vantagem destes modelos é que, para além de serem interessadas, as pessoas investem o seu próprio dinheiro e, portanto, não abandonam os projectos”, disse, salientando que uma gestão inteligente e partilhada poderia melhorar os resultados, exemplificando com a entrada de Washington, onde não se paga para entrar de carro, desde que o automóvel vá cheio, mas se pagam os lugares vagos ou, por outras palavras, paga-se a utilização não sustentável dos meios. Outro dos exemplos foi a troca de casas de férias ou a partilha de redes wi-fi.
Já o segundo painel apresentou Ana Costa Leal, do Conselho da Cidade e Nélson Dias, da Associação In Loco, tendo a moderação de Francisco Gomes, jornalista do Jornal das Caldas.