Dezassete contemporâneos aceitaram o desafio do Crate Records e reinterpretaram quatro cançoes da Zeca Afonso com ilustrações e músicas. “fAbril” é o nome exposição que resulta do conjunto das obras e que esteve em exibição no Silos – Contentor Criativo no passado fim de semana. A mostra integrava as comemorações do 25 do Abril nas Caldas.
Texto e fotos: Isaque Vicente
Fim de tarde de 28 de Abril, quinta-feira. O sol quente que se fez sentir nas comemorações do Dia da Liberdade permaneceu pela região. Nos Silos – Contentor Criativo ouve-se Zeca Afonso, mas não só. Há música de intervenção mais contemporânea, portuguesa e estrangeira. Entramos e vemos várias ilustrações penduradas na parede. São interpretações contemporâneas de quatro canções de Zeca Afonso: “Grândola Vila Morena”, “Os Vampiros, “Os Índios da Meia Praia” e “A Morte Saiu à Rua”. Numa parede, uma tela branca pendurada. Logo ao lado, no chão, um banco e, por cima deste, umas luvas de boxe. Há “sangue” a escorrer da tela. O espectador é “convidado” a calçar as luvas e a esmurrar a parede. À medida que é esmurrada, a parede “sangra” e a tela tinge-se de vermelho. Esta foi a reinterpretação de “A Morte Saiu à Rua”, de Ana Martins (Ane Neah). “É um título muito apelativo e visual, quis retratar um cenário: a morte”, explicou. Por outro lado, “queria representar a liberdade de as pessoas poderem agir sobre uma obra de arte, que faz todo o sentido nas comemorações desta data”, acrescentou. Com a sua instalação “quis testar as pessoas e dar-lhes a possibilidade de terem a sua mão na exposição”. A criativa, que tem um atelier nos Silos, salientou que aquele é “um espaço de libertação e de liberdade”. Relativamente à exposição disse que “mostra, ao mesmo tempo, como estamos longe do 25 de Abril e que referências temos do mesmo”.
Andamos mais um pouco e vemos a interpretação de Telmo Racha (Kamp) da “Grândola Vila Morena”. Vemos um soldado com um cravo na espingarda, os operários nas ruas e, ao fundo, na sombra, uma azinheira “que já não sabia a idade”. Todos têm caras iguais, “em cada rosto igualdade”. Em volta uma corrente que é quebrada pelo som de uma telefonia e pelo apertar de mãos “que representa o laço criado”, explicou. Telmo Racha veio de Arruda dos Vinhos e foi a primeira vez que expôs nas Caldas, apesar de frequentemente visitar a cidade. “Gostei de ver as várias interpretações das músicas e de conhecer o trabalho dos artistas locais”, afirmou. A organização do evento foi da Crate Records. Baltasar Gallego, um dos fundadores da produtora, explicou à Gazeta das Caldas que este projecto surge por considerarem que “a música de intervenção é importante e tem sido um pouco posta de parte”. E justifica: “não se vêem canções de intervenção nos tops como se via antigamente”. A terminar explicou que o nome “fAbril” surge porque celebraram Abril numa antiga fábrica. Baltasar Gallego chamou a atenção para a produção feita por Stereossauro (co-fundador da produtora) para o Dia da Liberdade e disse que vão publicar um EP com as produções musicais que foram feitas para a exposição. Em representação da União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório, esteve José Cardoso. “Os tempos mudam, mas o 25 de Abril está cá, nesta juventude que reconhece a data e a sua história à sua maneira”, disse, antes de defender que “é uma exposição que deve ser visitada e divulgada porque está extraordinária”. A terminar acrescentou ainda que “é fantástico como estes jovens estão a reinterpretar o 25 de Abril”.
ReSeclar – o nome diz tudo
À margem do evento Nicola Henriques, mentor dos Silos – Contentor Criativo, apresentou o ReSeclar, um evento que irá “invadir” as instalações da antiga Secla 2 com arte contemporânea durante três fins de semana de Maio (12 a 14, 19 a 21 e 25 a 28). “É um programa de actividades que pretende interrogar a relação do nosso território com a história daquela ex-unidade de produção”, explicou Nicola Henriques. Haverá festas (reggae, música electrónica, rock, bandas populares e hip-hop), entre as quais se destaca a noite “Remember Green Hill”. Está também prevista a realização de workshops de serigrafi a e arte de rua, conversas entre criativos e a apresentação da Preguiça Magazine. Na calha está a organização de um almoço com antigos funcionários da ex-unidade fabril. “Não temos ligação aos factores negativos da Secla”, notou, explicando que pretendem desafi á-los “a reconhecer naquele património o potencial de futuro”. Também em Maio será lançada a edição zero do Caldas Design Week (24 a 27). I.V.