Luaty Beirão, o activista que não quer ser rotulado de herói

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Luaty Beirão
Em cada livro que autografou, Luaty Beirão conversou com os seus leitores e admiradores

Não gosta de títulos, de ser considerado revolucionário ou herói, referindo que a sua luta pela liberdade de expressão foi um acto de cidadania e entende que toda a gente que está privada da sua liberdade deve resistir. É assim Luaty Beirão, o rapper e activista luso-angolano de 35 anos, que esteve preso acusado de actos preparatórios de rebelião contra o presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
Em Óbidos, no passado domingo (11 de Dezembro) falou sobre liberdade.

Sem querer entrar em clichés sobre a definição de liberdade, Luaty Beirão referiu que esta é tudo o que não têm em Angola, pois a simples produção de uma ideia e a tentativa de a difundir é confrontada com violência e ameaças de prisão e morte. Foi o que aconteceu consigo e mais 16 companheiros activistas, detidos em Junho do ano passado e condenados pela justiça angolana a penas de prisão por “rebelião e associação de malfeitores”, provisoriamente libertados em Junho e depois abrangidos por uma amnistia geral.
Embora preso, o activista teve momentos em que chegou a sentir-se mais livre do que quando estava fora da cela pois assim as pessoas saberiam quem lhe fez mal. Durante parte do tempo em que esteve preso numa cela de dois metros por três na prisão de Calomboloca, escreveu um diário que fez sair da cadeia pelas mãos do irmão. “Sou eu mais livre, então – diário de um preso político angolano” foi editado pela Tinta da China e a sua responsável, Bárbara Bulhosa, também marcou presença em Óbidos e acompanhou a conversa na Livraria da Adega.
Luaty considera que sempre foi um privilegiado porque, ao contrário dos seus concidadãos, teve a oportunidade de estudar na Europa e ter acesso à educação e cultura. “Eles [cidadãos angolanos] são privados da cultura para se manterem na ignorância e serem mais fáceis de manipular e intimidar”, diz, referindo-se à pressão do governo. Também foi privilegiado depois de preso porque conseguiram uma atenção mediática que outros presos políticos não tiveram. “Tivemos a atenção da sociedade angolana, da comunidade internacional e em Portugal foi incrível a ajuda para chamar a atenção para o que estava a acontecer em Angola”, disse. Apoio que, considera, pressionou as autoridades e angolanas e “teve um grande peso para que eu possa estar aqui hoje”.
“Despertar de consciências”

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O activista diz que o próprio regime de José Eduardo dos Santos ao prendê-los acabou por os ajudar, pois deu visibilidade aos problemas de falta de liberdade de expressão naquele país. “Eles fizeram-me importante e eu não o devia ser”, disse o rapper, que apenas queria seguir o seu caminho de “despertar de consciências” e que agora sente-se “tão maior e mais legitimado” para continuar a sua luta.
Apesar de confessar que tem medo, porque tem família, diz que decidiu ficar em Angola e lutar a cada dia pela liberdade do seu povo.
De plateia alguém lhe diz que é um símbolo e que não deve ter receio de o ser, pois estes são necessários. Mas Luaty responde que não se vê como um revolucionário ou herói, que não gosta de títulos, mas reconhece liberdade às pessoas para o considerarem desta forma. Encara a sua luta como um acto de cidadania e acha que toda a gente que é privada de liberdade deve resistir.
Inicialmente convidado para falar para uma plateia de crianças, Luaty Beirão encontrou, na tarde de domingo, poucos meninos, mas uma sala cheia de adultos que o queriam conhecer pessoalmente, depois de defenderem a sua causa em manifestações e acções junto da Embaixada de Angola. Ainda assim, a conversa teve como ponto de partida os testemunhos feitos por alguns alunos das escolas de Óbidos sobre esta temática.
A vinda de Luaty Beirão assinalou o primeiro aniversário da distinção da Unesco de Óbidos como Vila Criativa da Literatura.

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