Mais de mil espectadores no Ofélia

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Untitleds-2 copy Assume-se como um festival de alunos, cem por cento organizado pela turma de 2º ano do curso de Teatro da ESAD. O Ofélia celebrou a chegada à sexta edição com 80 participantes, 15 espectáculos, duas conferências e dois workshops. Quatro dias (5 a 8 de Abril) em que as salas da escola superior, o auditório do CCC e o Parque D. Carlos I tiveram lotação esgotada, atraindo no total cerca de 1300 espectadores. Ex-alunos convidados, actuais profissionais de teatro, também participaram, deixando o seu testemunho numa palestra onde foram postas a nu as dificuldades de quem vive das artes cénicas.

Quarta-feira, segundo dia do festival, e “Reflexão Sobre Édipo” está prestes a começar na sala 17. Junto à bilheteira concentram-se mais de 30 espectadores que aguardam a chegada das 21h10, hora marcada para o início da peça. A maioria do público é estudante de artes, mas há também quem não tenha ligações à ESAD e aproveite o baixo custo do bilhete (50 cêntimos) para ir ao teatro.
Em palco está António Silva e Carolina Faias, alunos do 1º ano do curso de Teatro da ESAD. O rapaz representa Édipo e a colega a sua consciência. Ele surge apenas em boxers, de olhos vendados, mãos e pés atados; ela contracena completamente nua, só com uma capa negra a cobrir-lhe as costas.
É notório como Édipo se encontra em sofrimento e em constante conflito com a sua consciência. Matara o pai, casara-se com a mãe (que acabaria por enfocar-se ao saber da tragédia) e furara os seus próprios olhos. Tal é a mágoa, que acabou por fugir de Tebas, cidade que governava.
Depois de Carolina Faias (a consciência) lhe rapar todo o cabelo com uma máquina de barbear, António Silva surge pendurado de braços no ar, seguro apenas por um fio que está preso ao tecto. Ouvem-se agora as vozes dos cidadãos de Tebas, que não perdoam os recentes acontecimentos. “Outrora um grande rei, agora a vergonha da cidade” é uma das frases que ecoa na sala.
De repente começam a levantar-se alguns espectadores – antes do espectáculo foi dito que o público podia interagir com os actores – que sujam os dedos de tinta preta e vermelha e pintam o corpo de Édipo: representam a sociedade de Tebas, que quer ver o personagem sofrer na pele. A actuação termina com a sala às escuras.
“O vermelho simboliza o sangue do pai e o envolvimento sexual com a mãe, o negro ilustra a consciência de Édipo, que está completamente corrompida” conta o protagonista, que fez algumas alterações ao texto original, como a introdução do corte de cabelo. “Supostamente Édipo aparecia no final com uma aparência diferente, mais velha, mas eu quis dar a minha interpretação e decidi cortar o cabelo em plena cena”. Na opinião do aluno, que nunca tinha feito uma transformação de visual tão radical, um bom actor deve (se necessário) entregar o corpo à personagem.
Um grito de guerra
Há seis anos, ainda antes de nascer o Festival Ofélia, um conjunto de alunos de teatro criou o Grupo Pandã, com o objectivo de angariar dinheiro para frequentar workshops externos à escola. Queriam colmatar falhas na sua formação e, como não tinham o apoio da direcção da ESAD, organizavam actuações no recinto escolar, Parque D. Carlos ou Praça da Fruta.
Desta vontade surgiu um sonho maior: deixar um legado, mostrando à comunidade o trabalho que desenvolviam e recebendo o trabalho de estudantes de outras faculdades. Assim nasceu o Festival Ofélia, que adoptou a designação de uma das personagens de Shakespeare porque o nome soava bem aos ouvidos e era provido de alguma carga dramática (em Hamlet, a jovem morre afogada).
Roger Madureira, 24 anos, fez parte deste leque de alunos que organizou a primeira edição (em 2010, além da ESAD participou apenas a Universidade de Évora). “O Ofélia nasce pela mão dos alunos e apenas deles. É uma conquista nossa, um grito de guerra, pois na altura não existiam eventos de teatro na escola”. “Mercúrio” tinha sido o último festival realizado e que se extinguiu anos antes do Ofélia.
Mais uma vez, sem grande auxílio da direcção, os ofelianos desenrascaram-se sozinhos. “Fomos nós que falámos com o CCC para receber algumas das peças e contactámos o IPJ para angariar apoios”, recorda Roger Madureira, que chegou a receber alguns alunos de Évora em sua casa naquele ano. Agora, e desde 2011, os participantes pernoitam no Pavilhão da Mata, cedido pela Câmara para esse efeito. Valem à organização os colchões cedidos pela ESE.
Anabela Monteiro, juntamente com Daniel Coimbra, é a única profissional envolvida no festival, também desde o primeiro ano. “O impacto do Ofélia foi muito bom porque na altura o teatro estava demasiado fechado entre quatro paredes e a encenações não eram abertas ao público. A comunidade passou a conhecer-nos”, diz a  técnica responsável pela gestão de eventos. Hoje assistem às actuações do festival alunos de todos os cursos da ESAD.
Nesta sexta edição integram a organização 11 alunos, dos quais são selecionados anfitriões para receber os participantes. É sua função orientar os estudantes pelas instalações da escola e ruas da cidade e acompanhar os ensaios, apurando o que é necessário disponibilizar.
Ao longo dos quatro dias são montados e desmontados 15 espectáculos. Peças que diferem tanto no cenário como na disposição da plateia: há actores que querem o público sentado em cadeiras, outros no chão, outros em pé. Às vezes as actuações decorrem em salas, outras na rua.
E depois aparecem problemas e requisitos de todos os lados, seja uma coluna que deixou de funcionar, um projector que não dá luz ou o pedido por uma ventoinha. “Temos que estar em todo o lado ao mesmo tempo, o que nos dá uma noção de como funcionam as coisas no mundo real.”, conta Rita Gonçalves, acrescentando que as obras apresentadas são extra-curriculares.
Desde o início do ano lectivo a organização contactou cerca de 500 profissionais para as conferências e workshops. Respondeu metade e a maioria pediu dinheiro que os alunos não têm para oferecer.
Actualmente os organizadores têm dispensa das aulas, mas no primeiro ano os ofelianos conciliavam o horário escolar com o festival. Todos concordam que aprendem mais numa edição deste evento do que nas aulas.
Xux de La Crue, que veio de Madrid, revela-se surpreendida com o nível da organização. “Ao princípio nem queria acreditar que tudo era da responsabilidade dos alunos. Considero-os um exemplo e uma inspiração para as outras faculdades”, afirma a jovem actriz, que também vê no Ofélia uma oportunidade – enquanto dramaturga – para apresentar a sua peça (que aborda a cultura espanhola) a um público estrangeiro.

Este Ofélia foi a edição mais concorrida de sempre com sete estabelecimentos de ensino: Real Escuela Superior de Arte Dramático de Madrid, Escola Superior d’Art Dramàtic de les Illes Balears, Escola Profissional de Teatro de Cascais, Escola Superior de Música Artes de Espetáculo, Escola Superior de Educação de Coimbra, Universidade de Évora,  Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro, além da ESAD.

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