O Condestável venerado através de Sto. Amaro

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2-IMG_7994Sabia que durante os 60 anos em que Portugal esteve sob domínio espanhol, a veneração ao Santo Condestável foi proibida, obrigando a que os populares a escondessem sob a capa do Santo Amaro? No dia 15 de Janeiro (dia de Santo Amaro), no arranque das “Conversas no Museu Malhoa”, Conceição Colaço, técnica superior do museu, explicou a relação entre estes santos, numa perigrinação pelo espaço museulógico, até à sala onde Vítor dos Santos apresentou o guerreiro e o santo, Nuno Álvares Pereira.

“A relação mais directa entre o Santo Amaro e o Santo Condestável deu-se quando Portugal perdeu a independência para os Espanha (1580-1640)”, defendeu Conceição Colaço.

À época havia um movimento de frades no Convento do Carmo, em Lisboa (que Nuno Álvares Pereira havia mandado construir, fundando a Ordem dos Carmelitas em Portugal) que se opunha aos espanhóis.
Ainda com a imagem de Nuno Álvares Pereira bem viva passados 200 anos das suas batalhas, os espanhóis tiveram medo que nascesse ali uma revolução que questionasse o domínio filipino. Assim, decidiram proibir a veneração a este santo.
Esta imposição não foi bem recebida pelos populares que decidiram preservar a memória “sob a capa e o nome de Santo Amaro”. Assim, durante 60 anos, o Santo Condestável era lembrado na festa do Santo Amaro, com a população a dedicar-lhe um dos dias.
Mais para o final das seis décadas de domínio filipino, em algumas localidades colocavam-se os elementos do Santo Condestável (como a espada, o elmo ou o livro) por baixo do hábito preto do Santo Amaro.
O Santo Condestável era venerado por todo o país, mas em particular pela Rainha Dona Leonor, uma vez que este santo terá estado na origem da Casa de Bragança (de onde a rainha provém). Assim, localmente a veneração por Nuno Álvares Pereira era grande.
Mas porquê escolher o Santo Amaro para camuflar o Santo Condestável? Porque este é um santo ibérico e a tradição diz que nasceu no território ocupado por França no século XII, mas que se deslocou para Espanha ficando extremamente ligado ao caminho de Santiago. À data da fundação do Hospital Termal, perto do local onde este foi construído, passava o caminho para Santiago de Compostela, tendo a rainha D. Leonor mandado construir casas para os peregrinos.
Assim, o disfarce não levantou a mínima suspeita, uma vez que a veneração a este santo era grande, tal como acontecia com São Silvestre. Ambos são santos que já eram venerados pela altura da fundação do Hospital Termal e consequente fixação da população, segundo Conceição Colaço. Prova disso são as suas imagens nos altares laterais da igreja de Nossa Senhora do Pópulo.

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Da riqueza de um nobre à riqueza de um monge

Vítor dos Santos, mestre em História Regional e Local pela Universidade de Lisboa, apresentou o lado guerreiro e o lado religioso de Nuno Álvares Pereira. Assim, recordou que Frei Álvares Gonçalo Pereira, pai de Nuno Álvares Pereira solicitou a predição da sorte do filho a Tomás Guedelha, leitor de horóscopos de então, que a resumiu em três palavras: guerreiro, invencível e santidade.
Legitimado por decreto real, Nuno Álvares Pereira recebeu educação própria da nobreza e aos 13 anos foi aceite como pajem da rainha, conquistando depois o estatuto de cavaleiro.
Travou várias batalhas em nome da independência portuguesa, nunca perdendo uma batalha a pé contra a cavalaria. Mas fê-lo “com uma conduta invulgar”, afirmou Vítor dos Santos. Cuidando de prisioneiros e feridos, não permitindo que aldeias e searas fossem destruídas, protegendo mulheres, crianças, idosos e pobres, despertou o interesse até da juventude castelhana. Ao contrário da maioria dos soldados, depois de uma batalha, não festejava a vitória das armas, mas seguia em peregrinação.
Depois de participar na tomada de Ceuta, com 63 anos, professou e tornou-se carmelita, abdicando dos seus títulos e bens e vivendo a humilde vida de monge, no Convento do Carmo, que mandara erigir em Lisboa. Faleceu em 1431, com 71 anos.
A beatificação ocorreu em 1918 (pelo Papa Bento XV), mas a canonização apenas teve lugar em 2009 (pelo Papa Bento XVI), já depois de ter sido adiada por estar envolta em jogos políticos (Salazar quereria usar este acto como parte da propaganda do Estado Novo).
Carlos Coutinho, director do Museu Malhoa, explicou que estas conversas sobre o património artístico e as obras do museu como lugares da memória da identidade cultural portuguesa são uma iniciativa proposta por Conceição Colaço.

 

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