Dez anos depois do último encontro, os Sons do Bairro regressaram ao palco com um concerto que foi a estreia absoluta de 15 temas e ao mesmo tempo uma espécie de espectáculo autobiográfico do vocalista Francisco Carrilho. O caldense dedicou músicas à cadela Luna, a ex-colegas do Colégio Ramalho Ortigão e a vários familiares. Sempre num tom informal e descontraído.
O concerto realizou-se no Centro Cultural e Congressos, no dia 27 de Maio, e quase encheu o grande auditório.
António Botto, Miguel Torga, Mário Cesariny, João de Deus, Fernando Pessoa e Luís de Camões. Estes foram alguns dos autores de quem os Sons do Bairro escolheram poemas para adaptarem a novas versões com arranjos originais. Ao todo foram 15 temas em estreia absoluta que foram apresentados num concerto que marcou o regresso do grupo, dez anos depois do último encontro em palco.
O Prémio Nobel da Literatura Bob Dylan e o poeta moçambicano José Craveirinha também entraram no repertório, onde se incluíram músicas escritas pela voz da banda, Francisco Carrilho. Foi também sobre o vocalista dos Sons do Bairro que se centrou parte do concerto, que por várias vezes assumiu um tom pessoal.
“Tinha o desejo que isto fosse quase um espectáculo autobiográfico”, disse ‘Chico’ à Gazeta das Caldas, revelando que o regresso do grupo se proporcionou no seguimento do reencontro de outra banda da qual ele próprio também fez parte – os Charanga.
Isto porque foi na sala de ensaios do Centro da Juventude onde os Charanga prepararam um concerto de comemoração dos 33 anos do lançamento do primeiro disco que nasceram alguns temas para os Sons do Bairro.
“Comecei a entrar no ritmo e aproveitei para recuperar músicas que estavam na gaveta há alguns anos como ‘A fraternidade das palavras’ e ‘Em todas as ruas te encontro’”, contou Francisco Carrilho, que dedicou “Sweet Luna” à sua velha amiga de quatro patas, “Alentejo” à tia mais velha e “Fontañera” à sua mãe. Estes dois últimos temas foram ilustrados com imagens captadas pelo filho André Carrilho, o que tornou a sua interpretação ainda mais pessoal.
Já “O Jaime” foi escrito a pensar nos Verões passados na Foz do Arelho e dedicado aos seus colegas do Colégio Ramalho Ortigão. “Tínhamos 15 anos e andávamos o ano inteiro a ver as raparigas vestidas de bata na escola, a imaginá-las nas nossas cabeças, por isso quando chegava o tempo da praia era uma felicidade”, disse Chico, explicando que nesta música “o Jaime” (um nome puramente ficcional) representa aquele rapaz que se sentia quase um super-herói quando se arriscava a dizer “i love you” à rapariga que queria conquistar.
GEOMETRIA VARIÁVEL
Dos elementos originais dos Sons do Bairro regressaram Francisco Carrilho, Fernando Lopes (guitarra), Luís Agostinho (teclados e acordeão) e Ivo Santos (bateria).
Foram também convidados a participar António Macedo (baixo), José António Lopes (saxofone), Ana Rita Inácio e Inês Silva (vozes secundárias). Já para interpretar o tema “Alentejo”, o grupo convidou nove elementos do Coral das Caldas da Rainha para subir ao palco.
Digamos que os Sons do Bairro têm uma geometria variável cuja formação depende (e se adapta) consoante o conceito do próprio espectáculo. “É por isso que costumo dizer que não somos bem um grupo, mas sim um projecto em que há espaço para incluirmos tantos músicos quanto a especificidade do tema implicar”, afirma Francisco Carrilho.
O projecto nasceu em 2004 a convite dos Pimpões e os Sons do Bairro (implicitamente Sons do “Bairro da Ponte”) estrearam-se com um primeiro espectáculo – “Utopia” – em homenagem a Zeca Afonso. Um ano depois apresentavam “Travessia”, um concerto dedicado à música popular brasileira e em 2006 despediam-se com “Cantigas de Portugueses”, uma actuação só com temas do cancioneiro popular português.
Dez anos depois os Sons do Bairro regressam com “Outra Vida”. “Escolhemos esta designação porque nos identificamos com um tema que tem o mesmo nome e que fala da oportunidade de viver outra vida – mas para valer! – e também porque assim passamos a mensagem que nós como grupo também renascemos”, explicou Francisco Carrilho, adiantando que em princípio este concerto não se voltará a repetir.
O vocalista disse também que “sabia que este espectáculo seria um pouco ingrato, pois a maior parte das pessoas prefere um concerto em que já conhece as músicas e neste caso todos os temas foram uma estreia”. Apesar disso, a verdade é que o público acompanhou-o em vários temas, principalmente na recta final do espectáculo, em “Se me deixares, eu digo” e “Passei o dia ouvindo o que o mar dizia”. M.B.R.