A Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro recebeu no passado dia 2 de Março uma conferência do programa Move-te por Valores, sobre ética no desporto. O atleta recordista mundial dos 10 mil metros Fernando Mamede e o árbitro internacional João Capela foram os prelectores. Falaram das suas experiências de vida e da importância de respeitar as regras e os adversários para ter sucesso na vida e no desporto.
“A ética é o fundamento do nosso carácter”, disse José Lima, coordenador deste programa do IPDJ no início da conferência que lotou o auditório da escola.
Aproveitando o mau exemplo que o futebol e os seus dirigentes têm dado, José Lima disse que não se deve olhar o adversário como um inimigo, mas como “alguém que me ajuda a valorizar”.
O desporto não deve ser visto só como a competição, porque ele transmite valores como a verdade, o respeito e o fair-play “e isso é que dá valor ao desporto”.
Depois da introdução de José Lima, toda a gente esperaria que João Capela falasse da sua experiência como árbitro, mas a intervenção foi bastante diferente, já que incidiu mais sobre o percurso de vida do árbitro internacional.
Começou por falar de uma infância difícil, marcada pela violência doméstica e vivida, durante seis anos, num bairro degradado. A ligação ao desporto começou na baliza, “queria ser o CR7 das redes e achei que ia ser o guarda-redes da selecção”, contou. Chegou a titular da equipa de juniores do Alverca, mas as más escolhas traíram o futuro na baliza. Na véspera de um jogo foi apanhado pelo treinador numa noitada às 3h00 da manhã. Não recebeu bem a punição que recebeu e de titular da equipa de juniores principal passou a suplente nas reservas.
“Só podemos ser o que queremos com compromisso, não percebi que o treinador me tinha ensinado isso. Continuei a ser um jogador frustrado, fui emprestado a clubes do distrital e dei por mim a trabalhar na noite a passar música, com comportamentos desviantes que só não foram mais graves porque tive medo. Não tinha objectivos, era um zombie”, afirmou João Capela.
Isso mudou quando um dia, no café, viu num jornal um anúncio de um curso de arbitragem. Por ter sido um jogador de relacionamento com os homens do apito, achou que podia ser uma solução para o seu futuro. O primeiro jogo correu bem…. ironizou. Foi um Belenenses-Benfica em escolinhas que acabou ao fim de 10 minutos “porque me atiravam pedras. Finalmente importante para alguém”, exclamou.
A carreira na arbitragem começou ao mesmo tempo em que a EMEL foi criada, empresa onde fez também carreira. Se até esse passo não tinha perspectivas de vida, ano e meio depois era chefe de grupo, “pelas competências que adquiri no desporto, como liderança e assertividade”.
Como árbitro chegou à primeira categoria e viveu um segundo “episódio negro”, afirmou. “Achei que era o melhor do mundo e desci de divisão”. Podia ter recebido a despromoção como o castigo do treinador quando jogava, “mas aceitei que não tinha sido tão bom como os outros. Desci ao distrital e voltei a subir”.
Disse que ainda hoje continua a realizar objectivos, que passam por estar nos grandes palcos do futebol mundial, e só lhe falta actuar no Campo Nou.
João Capela é ainda autarca, porque gosta de trabalhar com as pessoas, o que o faz ser também voluntário numa associação que apoia a inclusão social.
A sua apresentação ficou ainda marcada pela passagem de um vídeo de Nick Vujicic, um homem que nasceu sem braços nem pernas mas que não desistiu de viver. “Quando falhas volta a tentar outra vez, e outra, e outra”, diz durante o vídeo.
Depois do vídeo, João Capela sublinhou que os jovens devem “ter perspectiva de ser alguém na vida, querer ser melhor”. No entanto, isso não deve ser conseguido a qualquer preço. “Devemos respeitar as regras da sociedade, porque a minha liberdade termina onde começa a do outro”.
RECORDISTA DO MUNDO
Fernando Mamede, campeão e recordista mundial aos 10 mil metros na década de 1980, falou sobretudo da sua experiência pessoal como atleta. Disse que o que conseguiu foi fruto de muito trabalho e sacrifício, não só pessoal como do treinador – e grande referência do treino desportivo – prof. Moniz Pereira. Lembrou que na sua altura poucos tinham televisão e a Internet era realidade muito longínqua, pelo que o que os jovens faziam era brincar na rua e na escola.
E é a união da falta de prática de actividade física e de espírito de sacrifício que acredita faltar hoje em dia para que mais talentos surjam em disciplinas tão duras como a que praticou.
A excelência dos resultados que obteve – e que seriam desconhecidas de boa parte dos jovens presentes – assim como a emoção com que contou a sua vivência prendeu a atenção da audiência.
O que também não ficou por abordar foi o episódio do abandono da prova nos Jogos Olímpicos, como exemplo de que as pessoas não devem deixar-se influenciar por críticas negativas. “As pessoas já não falavam do meu recorde, falavam que ficaram levantadas e eu desisti. Voltei à pista passados três dias e fiz o melhor treino da minha vida, e passados 15 dias fui ao melhor meeting do mundo, em Zurique, e ganhei os 5 mil metros aos medalhados todos. Tinha que me levantar, não podia desistir, e isso é uma lição de vida”.
Outro aspecto que Fernando Mamede focou foi o espírito que existia na altura entre adversários, ao contrário do que se vê hoje em dia, sobretudo em redor do fenómeno do futebol onde se tem fomentado o ódio e a rivalidade em vez dos princípios do desporto.
Os alunos de desporto da escola Rafael Bordalo Pinheiro ficaram ainda a conhecer dois concursos que estão a ser promovidos pelo programa Move-te por Valores. Um é promovido em conjunto com o jornal “A Bola”, em que os alunos do secundário são convidados a escolher sobre ética e valores no desporto. Os melhores textos serão publicados naquele diário desportivo e o vencedor ganha uma viagem à Grécia.
O outro concurso é promovido pela Universidade Europeia e tem como tema Reeducando os Pais no Desporto. Equipas de três alunos são convidados a submeter um projecto, que pode ser financiado. O vencedor tem como prémio um desconto de 50% de do valor das propinas ao longo de toda a duração do curso. Os trabalhos podem ser submetidos, respectivamente, até aos dias 23 e 27 deste mês.