Correm por paixão, mas quais os limites do corpo humano? A pergunta, difícil, foi colocada a quem todos os dias mostra que a superação é possível, tendo uma mente forte. Os ultramaratonistas João Colaço, Jorge Serrazina e Sara Brito foram convidados a dar o seu testemunho, no passado dia 17 Novembro no CCC, numa conferência integrada na iniciativa Corrida pela Vida.
Uma mulher de 46 anos a cortar a meta de gatas, depois de 85 quilómetros de corrida pelo Parque Nacional Peneda-Gerês. Sara Brito ainda hoje não sabe como conseguiu chegar ao fim pois perto do final previu mal a distância que ainda faltava para a meta e, como tinha gasto “todo o combustível” até ali, o corpo não lhe respondia para continuar.
A mente ordenava-lhe que continuasse a correr a curta distância que a separava da meta e lhe permitiria o apuramento também para o Campeonato do Mundo de 2017, em Itália. As colegas de equipa deram-lhe a bandeira nacional, mas as mãos não a conseguiam agarrar e a atleta teve que a colocar debaixo do braço.
“O meu limite era desconhecido até aquele dia”, contou Sara Brito a uma plateia de mais de uma centena de pessoas que a ouvia atentamente no CCC.
A residir actualmente em Leiria, a atleta do Clube de Atletismo da Barreira iniciou-se nas corridas em 2010. Das provas curtas de estrada, foi aumentando o número de quilómetros e o grau de dificuldade, chegando ao trail, onde agora se tornou a melhor portuguesa em competição.
Ao seu lado na mesa estava o ultramaratonista Jorge Serrazina, residente na Salgueirinha (Óbidos), que em inícios de Agosto correu a Transpyrenea 2016, a grande rota que atravessa os Pirinéus, desde o mar Mediterrâneo até ao oceano Atlântico. Fez os 866 quilómetros da prova em 366 horas, o que equivale a 15 dias e seis horas. O padrinho desta edição da Corrida pela Vida gosta de desafios e adora o desconhecido. De outra forma seria difícil alcançar a meta nestas provas que envolvem vários dias, percursos adversos e temperaturas díspares.
A experiência foi partilhada pelo também ultramaratonista, e seu amigo, João Colaço, da Marinha Grande. Este atleta, que fez a sua primeira prova em 2005, conta já no seu palmarés com 18 ultramaratonas, cada uma com mais de 100 quilómetros.
O foco nos objectivos é o segredo do sucesso, disse o atleta que tenta sempre superar-se.
Questionado pelo moderador (o jornalista da Gazeta das Caldas, Joel Ribeiro) sobre o limite do corpo humano, o médico Diogo Silva disse que este não é possível medir pois depende de muitas variáveis, sendo que a parte psicológica é muito importante. No entanto, e dirigindo-se às pessoas que começam a fazer exercício físico, destaca que é importante que o esforço seja progressivo e que a sua realização é sempre boa para a saúde. Benefícios que foram logo atestados por Jorge Serrazina que, antes de correr se queixava de dores de cabeça e que passaram com a prática desportiva.
“Correr por gosto não cansa, mas dá algum trabalho”
As corridas de longa distância são também um “exercício mental espectacular”, refere Jorge Serrazina, destacando que é um verdadeiro exercício de paciência saber que a meta está a 800 quilómetros.
O céu é o limite para estes desportistas, que partilham da opinião que a mente acaba por ser mais forte do que a parte física. “Temos que formatar a mente para chegar ao fim e nas 366 horas de prova nunca pensei em desistir”, contou Jorge Serrazina.
Essa força passa também para a vida profissional, como revelou Sara Brito, que é professora de Educação Física: “acabo por ser um exemplo como professora e tenho operado transformações nos meus alunos”.
Estas provas longas que fazem acabam também por ter uma componente lúdica. “São umas férias”, remata João Colaço, corroborado por Jorge Serrazina que quer voltar aos Pirinéus, com a família, para poder apreciar as paisagens onde passou durante a noite e apenas ouvia o som da água a cair nas cascatas.
E o que se preparam para fazer agora estes atletas? Sara Brito está focada no Mundial de 2017, em Itália, onde irá representar Portugal. João Colaço e Jorge Serrazina preparam-se para no próximo ano participar numa prova nova em Andorra. Mas antes, Jorge Serrazina ainda quer participar nos 265 quilómetros da Transcanária.
“Quem corre por gosto não cansa, mas dá algum trabalho”, conclui João Colaço, com provas dadas nesta matéria.
A conferência integra o evento solidário Corrida P’la Vida, que se realiza a 3 de Dezembro e que esta ano irá beneficiar a delegação Litoral Oeste Norte da Cruz Vermelha Portuguesa. A organização espera atingir este ano 800 inscrições, na combinação da corrida de 10 quilómetros, da corrida jovem e da caminhada.
A União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório é a promotora desta iniciativa que já vai para a sétima edição.