Zangas, livros apreendidos, prisão e ajuda de alguns amigos. A vida de Luiz Pacheco, nas Caldas foi atribulada, como conta o biógrafo António Franco
O escritor e editor Luiz Pacheco (1925-2008) viveu nas Caldas entre o final de dezembro de 1964 até agosto de 1968 e, segundo António Franco, o autor da última biografia sobre o escritor, “O Firmamento é negro e não azul” (Quetzal) foi um período “importantíssimo para Luiz Pacheco”. Na altura “nasceu-lhe o último filho, que é caldense de gema e nasceu em casa”, contou o biógrafo, acrescentando que o escritor vivia nas traseiras do Parque, num rés-do-chão do início da Rua Rafael Bordalo Pinheiro. Nesses anos, salientou ainda que Pacheco “escreveu ou iniciou a escrita de textos autobiográficos marcantes”. Foi nas Caldas que teve o convite de Vitor Silva Tavares, da editora Ulisseia, para publicar o seu primeiro livro comercial – “e nas Caldas o preparou”. Veio a ser “Crítica de Circunstância” (1966), e que, segundo António Franco, “foi imediatamente apreendido pela polícia política”.
Nas Caldas, Pacheco também se ligou ao editor Fernando Ribeiro de Mello, para quem escreveu, ainda na casa do centro das Caldas, o prefácio à primeira edição comercial do Marquês de Sade em português, “A Filosofia na Alcova” (1966), “que lhe valeu um processo judicial muito penoso e por tabela a prisão”. Na cadeia da, que ficava ao cimo da Praça, (onde hoje está o Posto de Turismo) Pacheco esteve por duas vezes preso – “primeiro na Primavera de 1967 e depois no Verão de 1968, sendo então transferido para o Limoeiro, em Lisboa”.
Pacheco teve uma vida familiar atribulada. Foi ainda nas Caldas, depois da partida de Maria Irene e dos filhos, o que aconteceu em Agosto de 1967, que agravou um duro e trágico período de alcoolismo, que durou 20 anos. E foi nas Caldas, por um texto escrito e publicado em edição de autor, “Comunicado ou Intervenção da Província”, que o poeta Mário Cesariny se afastou de Pacheco. A quezília entre os dois teve a ver com a prisão de Cesariny em Paris, no Outono de 1964, testemunhada só por Cruzeiro Seixas e Isabel Meyrelles. “A primeira referência pública a esta prisão está no “comunicado” de Luiz Pacheco, o que muito desagradou a Cesariny”, revelou o biógrafo.
António Cândido destaca que a novidade da biografia é a relação de Pacheco com o pai. “Algumas datas cruciais desta relação andavam equivocadas. Coube-me restabelecer a verdade de alguns factos cruciais”, afirmou, recordando que foi o pai que levou Luiz Pacheco pela primeira vez às Caldas nos primeiros anos de infância. Essa recordação infantil “teve com certeza o seu peso na decisão que ele tomou no final de 1964 de se mudar para as Caldas – embora quem lhe desse o “empurrão” inicial, falando-lhe das facilidades que podia encontrar na urbe de então, tenha sido Mário Cesariny, com quem se zangaria em 1966”.
Os anos vividos na cidade tiveram “altos e baixos muito fundos”. O primeiro período – do final de 1964 até Maio de 1966 – e o segundo que vai daí até à sua prisão em Junho de 1968. O primeiro é de alguma estabilidade. “Nasce-lhe um filho, tem muitos trabalhos de escrita em andamento, prepara a publicação do seu primeiro grande livro, Crítica de Circunstância, pelo qual recebeu uma importante soma de dinheiro”, disse o biógrafo. O segundo foi mais difícil, com a mudança para uma casa menos cómoda, na periferia, o Casal da Rochida, na estrada do Coto.
“Tem vários processos judiciais às costas, falta de trabalho, problemas graves em casa com os filhos e a miúda com quem vive, Maria Irene Matias, que acabou por se ir embora no Verão de 1967 para a casa dos pais na Sertã”,disse António Franco. Embora não o tenham salvo do alcoolismo e da prisão, foi nesta altura “que os irmãos Maldonado de Freitas se tornaram um apoio estratégico, e para bem dizer vital, de Luiz Pacheco”, disse o biógrafo
“Bons amigos e muitas ajudas”
O biógrafo destacou o ceramista Ferreira da Silva, que viveu muitos anos nas Caldas, Vasco Luís, que lhe financiou a publicação de um livro em 1967, “Textos Locais”, e a família Maldonado Freitas, “que nunca lhe faltou com apoio”. E salientou António Maldonado Freitas que, além de mecenas, “lhe serviu gratuitamente de advogado particular em vários processos judiciais”. No Conjunto Cénico Caldense, Pacheco fez amigos próximos (Paniágua, Velhinho e Fonseca Lopes). Na cidade termal também criou alguns inimigos célebres, que ficaram para a vida, como Figueiredo Sobral, “com quem se meteu em vários textos e a quem chamou o Picasso das Caldas”, disse António Franco.
De qualquer modo, o escritor “fazia um balanço positivo da sua passagem pelas Caldas em adulto”. Segundo o biógrafo, Pacheco chegou a encarar, no final da vida, mudar-se de novo para a cidade termal onde mantinha amigos e admiradores. O livro “O Firmamento é negro e não azul”, de António Franco, será apresentado nas Caldas, em junho, a convite do ciclo de poesia, Diga 33.■
António Cândido Franco
Autor
Nasceu em Lisboa em 1956 e é autor de vários estudos sobre literatura e cultura portuguesa. Escreve romances, poesia e peças de teatro. António Cândido é professor na Universidade de Évora e é autor de várias obras entre as quais as biografias de Agostinho da Silva e de Mário Cesariny. Ainda falta estudar melhor Pacheco e, na sua opinião, este autor “está longe de ter o reconhecimento que merece”. A sua literatura “é uma das mais originais e valiosas da segunda metade do séc. XX português”.