Lâmina, cabo e mola são os três elementos comuns a todas as navalhas e canivetes, mas depois há coisas que as distinguem. A unidade produtiva artesanal Lombo do Ferreiro editou em 2016 um livro com apontamentos para a história do canivete português. À boleia dessa obra, partimos à descoberta desta ferramenta. Da navalha de enxertia à de marinheiro, passando pela cabriteira, existem dez diferentes modelos, cada qual com os seus usos. A pesquisa foi resumida nesta página para dar a conhecer as diferentes navalhas, permitindo perceber também a história da cutelariaNavalha Caneças
“Apelidada também por Navalha do Caldas, de Caldas da Rainha, na zona onde existiam mais artesãos a fabricá-la”.
“É conhecido como o modelo mais português de todos, porque é fabricado exclusivamente no nosso país e mais concretamente na zona Oeste”.
“Fala-se que esteve ligada às antigas lutas de navalha, que se terá cruzado nos duelos com as navalhas sevilhanas há alguns séculos atrás”
“A segurança que é conferida pela sua tranca característica, que proporciona o seu uso seguro quando a lâmina está aberta, faz com que ela seja usada em muitas outras artes e ofícios, já no séc.XX, sendo por exemplo na indústria cerâmica utilizada para limpar os moldes e as aparas das peças. É popular também junto dos caçadores”.

Navalha Cabriteira
“Um modelo fabricado em vários países da Europa, embora com algumas diferenças estéticas e que, como o nome indica, era frequentemente utilizada em muitos trabalhos de quinta relacionados com a pastorícia e a criação de animais”.
“Os pastores utilizavam-nas em actividades como o remate e o desmanche dos cabritos e borregos, para cortar o pão, o queijo ou o chouriço da sua refeição. Nas suas horas de lazer era com ela que a partir de um pedaço de madeiro faziam belos trabalhos de escultura, colheres, trabalhos em cortiça e em couro, como coleiras para cães, etc…”.

Navalha Bandido
“A navalha Bandido, a ‘bandoleira’ portuguesa, é um modelo típico da região Oeste e de Lisboa”.
“É um tipo de lâmina historicamente associado ao crime com arma branca, tal como era narrado em alguns livros antigos. Diz-se por exemplo que era a arma do estripador de Lisboa”.

Canivete de Marinheiro
“Como o nome indica destina-se às artes da marinhagem”
“Constituído por quatro peças: argola para prender, punção para atar e desatar nós, cunha para desencravar e a característica lâmina sem ponta, com grande poder de corte, embora com menos poder de penetração, para evitar acidentes”.
“Trata-se do resultado de uma adaptação do canivete “Marlin Spike” (que equipava a Marinha de vários países e era fabricado em vários centros cuteleiros, nomeadamente os de Sheffield em Inglaterra), realizada provavelmente ainda nos tempos da Real Fábrica de Cutelarias de Lisboa”
“Faz, ainda nos dias de hoje, parte da indumentária imprescindível de qualquer marinheiro”.

Navalha Cuchila
“O nome desta navalha deriva do espanhol, pois sempre foi comparada às navalhas de cavalheiro espanholas e francesas”.
“Forma curva, elegante e distinta, típica aliás das navalhas de cavalheiro”
“Tinham quase sempre um trinco de argola, resistentes para serem utilizadas como facas”
Também esta era muito utilizada na cerâmica do Oeste
“Depois de na 1ª guerra mundial terem estado milhares de portugueses em França, as chamadas cuchilas passaram a aparecer mais trabalhadas devido à influência das Laguiole, modelo típico francês”.

Canivete de Enxertia
“Modelo utilizado na arte de enxertar, técnica de melhoramento genético que consiste na união dos tecidos de duas plantas, geralmente de espécies diferentes”.
“Com a forte presença e enorme variedade de hortos, frutos e vinhas em Portugal é fácil perceber a importância deste canivete nos últimos três milénios, bem como o facto de serem canivetes fáceis de encontrar um pouco por todo o país”.
“As lâminas são sempre feitas no melhor aço carbono que se encontra, e desbastadas muito finas para um corte limpo e preciso, como uma lâmina de barbear”.

Navalha Direita
“É o modelo português de navalha mais conhecido e vulgarizado, existente em diversos tamanhos e materiais”.
“É uma ferramenta multiusos, com bico ao centro, ponta de espada, o que lhe confere uma capacidade perfurante, facilitando a sua utilização em actividades como caça ou pesca ou simplesmente como ferramenta válida para todo o serviço”
“A única variação estética é o cabo em forma de B, onde encaixa bem a mão, que foi muito fabricado em Relvas e Santa Catarina”.

Canivete Foiçado
“O canivete de podar ou Foiçado é um canivete singular e com uma forma bastante antiga”.
“Utilizado na arte da poda, que consiste na realização de um conjunto de cortes executados numa planta, com o fim de lhe regularizar a produção e favorecer o crescimento”
“Utilizado sobretudo na vinha e na ceifa, bem como para produção de artesanato, como a cestaria, entre outras aplicações”.
“Curiosamente alguns paraquedistas portugueses utilizavam-na como recurso para, no caso de ficarem presos, poderem cortar os cabos do paraquedas”.

Canivete
Capa-grilos
“Apelidada já no início deste século com o nome “Relvas”, em homenagem à localidade que ainda mantém a sua produção”
“Designação de capa-grilos é atribuída pela forma muito característica da lâmina, larga e com um bico característico, que permite cortar com muita precisão”.
“O fio extremamente afiado, associado à forma particular do cabo, com uma curvatura suave e que permite que se apoie o dedo nas costas da lâmina, fazem deste canivete um instrumento versátil, adequado ao corte de tecidos e peles, entre outros materiais”
“Ainda hoje é uma peça para trabalhos de precisão”.

Canivete Corneto
“O nome deriva do formato do seu cabo, por ser pequeno e em corno”
“É o canivete mais popular nos bolsos dos portugueses, sobretudo no Centro e Sul de Portugal”.
“A forma do Corneto faz dele um canivete para cortar com a lâmina contra o polegar, eficaz nas demais tarefas da lida diária e com bom poder de penetração e corte”.
No Alentejo, onde ainda é extremamente popular, “é comum, sobretudo nos cafés e tabernas frequentados pelos mais velhos, mas até mesmo em ocasiões como casamentos e baptizados, ver canivetes deste tipo sob as mesas. Fiéis companheiros do petisco, prontos para serem utilizados sem pudor no corte de um pedaço de pão, para fatiar o belo de um chouriço ou para tirar as teimas a um bife mais difícil de cortar”.