A Empresa das Águas do Areeiro, S.A., que tem sede nas Caldas da Rainha, é uma das poucas sobreviventes de um tempo em que o mercado era partilhado por uma série de pequenos fabricantes regionais de gasosas e refrigerantes. A empresa dá trabalho a 200 pessoas, 70 das quais nas Caldas onde tem uma fábrica de engarrafamento de água e de produção e engarrafamento de refrigerantes. Com os seus 55 anos resiste ao domínio das grandes multinacionais e está em crescimento desde 2014. No ano passado teve um volume de negócios de 22 milhões de euros, com mais de 75 milhões de litros de água e refrigerantes comercializados.
A fachada antiga e discreta do edifício azul claro que se avista da N360, logo à saída das Caldas em direcção ao Coto, em nada faz justiça ao interior da fábrica das Águas do Areeiro. Lá dentro encontra-se uma unidade moderna, bem organizada, que acompanha as exigências do rigoroso sector alimentar. E há muita gente que ali trabalha todos os dias para que não faltem águas gaseificadas e refrigerantes em muitos estabelecimentos e nos lares de todo o país.
“Costumamos dizer que temos uma fábrica com 55 anos, mas que não é velha, é nova, porque temos tido o cuidado de manter o nosso equipamento atualizado e os colaboradores também”, refere José Luís Perez, administrador da empresa.
A fábrica dá trabalho a cerca de 70 pessoas, entre a unidade de produção e o centro de distribuição. No total, incluindo a unidade onde é engarrafada a água do Fastio e as centrais de distribuição do Porto, Lisboa e Braga, a empresa emprega 200 pessoas.
Voltando às Caldas, a água é extraída de vários furos existentes na Quinta do Areeiro, – uma das primeiras captações legalizadas no país e onde se localiza a fábrica – , e com ela se faz a água gaseificada Areeiro, mais algumas águas gaseificadas de marca branca, natural ou com sabores, que a empresa produz para grandes distribuidoras.
A água de nascente dá origem à gasosa Trevo, a marca mais antiga do grupo, aos refrigerantes Frutol e a todos os outros que a Águas do Areeiro produz para outros clientes. Entre eles estão vários supermercados, como o Continente, o Pingo Doce, o Intermarché, o E. Leclerc e o Dia. Há ainda clientes em Angola e outros nacionais que têm as suas próprias marcas, mas cujo processo de enchimento é feito nas Caldas.
“Especializámo-nos nesta vertente, beneficiando de termos a Água do Areeiro, porque produzimos refrigerantes com água de nascente, o que nos diferencia em termos de qualidade e de sabor”, realça José Luís Perez, acrescentando que essa já foi a génese da empresa. “Já nessa altura se valorizava isso e hoje em dia volta a valorizar-se”.
Os refrigerantes são feitos de raiz nas Caldas. Em diferentes secções, são feitos os xaropes, acrescentada a água e feito o enchimento nos diversos formatos de garrafa.
Há linhas de enchimento separadas para água e sumos, e também para plástico e vidro. As garrafas de plástico (PET) também são produzidas naquela unidade, onde chegam com uma forma idêntica a uma cápsula, na qual é injectado ar quente para formar a garrafa dentro de um molde.
FASTIO, UMA ÁGUA LÍDER
Os refrigerantes representam, no entanto, apenas uma pequena parte do negócio da Empresa Águas do Areeiro. Dos mais de 75 milhões de litros comercializados pela empresa no ano passado, 65 milhões correspondem ao segmento das águas. E grande parte destes 65 milhões de litros foram responsabilidade da Fastio, uma das marcas líder no mercado das águas e que pertence à empresa com sede nas Caldas.
Porém, a exploração e engarrafamento da Água do Fastio não passa pelas Caldas. Tanto a captação como o engarrafamento são feitos numa unidade na Serra do Gerês, no concelho de Terras do Bouro.
E há duas razões para que esta marca tenha uma implantação tão forte no mercado nacional: “as suas características e o efeito de antecipação em relação a outras marcas em termos de embalagens”, refere Domingo Perez, fundador e administrador da empresa.
Um exemplo disso foi a decisão de introduzir na marca Fastio as taras perdidas, bem como os formatos 0,25 litros de tara retornável e 1,5 litros PVC. “Essas embalagens tornaram-se mais tarde referências no mercado”, sublinha Domingo Perez.
O caminho de inovação da Fastio continuou com os formatos de 6 litros, 2,5 litros e um litro em PET e 0,33 litros de vidro, tara retornável, quase todos exclusivos no mercado.
E a última aposta foi no segmento dos 5 aos 12 anos, aliando a marca a licenças da Barbie e Hot Wheels, da Mattel, cujas imagens aparecem nas garrafas. Esta aposta vai de encontro à necessidade de adopção de estilos de vida saudável e pretende “ajudar os pais a incentivar os filhos a beberem mais água mineral”, diz José Luís Perez.
A constante inovação em formatos tem sido a aposta da empresa para a marca Fastio, fugindo à tendência dos concorrentes em enveredar pelas águas com sabores. “Entendemos que no Gerês só nasce Água do Fastio pura e natural, não nasce água com qualquer coisa, por isso não acrescentamos sabores”, sustenta José Luís Perez.
Além das marcas que produz, a Empresa das Águas do Areeiro é responsável pela introdução no mercado da água gaseificada Campilho, e de outras marcas através da empresa filiada Bebidis – Distribuição De Bebidas, S.A. Aos sumos e águas juntam-se ainda as cervejas Estrella Galicia e 1906, os produtos Shweppes e algumas marcas de vinhos, uma por cada região demarcada.
Em fase de lançamento está uma nova marca de refrigerante com sabor a cola, a Green Cola. Trata-se de uma bebida natural, sem corantes, conservantes, adoçantes sintéticos, nem açúcar. “Estamos com esta cola no mercado há dois meses, é um produto que tem tido muito sucesso na Grécia e Espanha, porque responde à procura por opções de alimentação saudável. Temos exclusividade no mercado nacional e é algo em que temos bastante esperança”, refere José Luís Perez. A introdução deste produto começou no mercado HORECA (hotelaria e restaurantes), mas vai ser alargado às grandes superfícies.
Em 2017 a empresa facturou no seu conjunto 22 milhões de euros, quase tudo no mercado nacional. A presença no estrangeiro é sobretudo em África (São Tomé e Príncipe e Cabo Verde), e também no chamado mercado da saudade, nos países com mais emigração portuguesa.
A crise foi forte, mas a recuperação foi firme
A Empresa Águas do Areeiro, S.A. vai cumprir no próximo mês de Outubro 55 anos de implementação no mercado e está, nesta fase, num trajecto ascendente, desde 2014, depois de ter passado um dos momentos mais difíceis da sua existência. A crise que afectou fortemente o país não poupou também a empresa, principalmente entre 2011 e 2013, mas a recuperação foi firme.
“As vendas caíram muito e tínhamos uma estrutura, na altura com mais de 400 pessoas, e uma organização diferente daquelas que temos hoje, por isso também sentimos a crise e para nós foi muito forte”, recorda José Luís Perez.
A resposta da empresa passou pela reestruturação do modelo de negócio e no estabelecimento de parcerias para melhorar a implantação no mercado nacional.
Os administradores da empresa realçam o papel que todos os trabalhadores tiveram na altura, “tanto os que infelizmente saíram – praticamente todos através de reforma ou por acordos com a empresa – como aqueles que lutaram continuando a trabalhar connosco”. José Luís Perez acrescenta que “tivemos também ajuda bancária, dos fornecedores, mas do Estado nada”.
Os centros de distribuição directa, que chegaram a ser 12 espalhados por praticamente todo o país, passaram a quatro, limitando-se à faixa costeira (e onde está concentrada a população). A distribuição no resto do país é feita por parceiros e distribuidores.
Nessa fase a empresa perdeu quase um terço do seu volume de negócios, mas encetou o que José Luís Perez apelida de uma “fuga em frente”. Uma das apostas de maior risco foi a introdução do garrafão da Fastio de seis litros, substituindo por completo o formato de cinco litros, que era o que mais vendia. “Foi um grande risco, mas tínhamos esperança que corresse bem e acabou por correr muito melhor. De tal forma que todas as marcas foram atrás”, refere José Luís Perez.
A partir de 2014 a empresa voltou a crescer em vendas e em resultados contabilísticos “e é isso que permite pagar uma crise que não foi provocada nem pelas empresas nem pelas pessoas, mas que são elas que a estão a pagar”, acrescenta.
Em 2017 a empresa voltou a aproximar-se das vendas pré-crise e a perspectiva é que continue numa rota ascendente.
Hoje, José Luís Perez acredita que esta é uma empresa “que é possível, num mundo que é das grandes empresas. E tudo isto se deve à gestão diária da família, ao legado do meu pai e do meu tio José Perez, que começaram, e a todos os que passaram e que estão cá”.
UMA MÁQUINA MANUAL DE GASEIFICAR
Foi no início da década de 1960 que Domingo Perez fundou a Empresa das Águas do Areeiro, mas as raízes da empresa são ainda mais antigas.
Em 1930 Serafin Perez, pai de Domingo Perez, iniciou a actividade na indústria de refrescos num restaurante que explorava em Alcântara (Lisboa). Aí instalou uma máquina manual de gaseificar e encher os chamados “pirolitos”, ou gasosas. A entrega era feita com um carrinho de mão para clientes num raio até quatro quilómetros.
Oito anos depois Serafin Perez fundou a fábrica de pirolitos Diamante e a frota de distribuição aumentou para três camiões. A expansão continuou pelas décadas de 40 e 50, quando fundou mais três fábricas: a Trevo, a Frutina e a Aliança.
A chegada às Caldas dá-se então na década de 60. Foi um leilão de maquinaria que trouxe Domingo Perez à cidade e à Quinta do Areeiro. “Combinei com o proprietário, o senhor Eduardo Mendonça, que era na altura o caixa do Banco Totta & Açores, em vir cá falar com ele, acabamos por acertar o negócio. Como eu ia passar o Natal com a família, acertámos fazer o contrato no dia 7 Janeiro de 1961”, recorda Domingo Perez. O negócio destinava-se apenas à exploração da água.
Nessa mesma altura estava a ser criado no país a Cirel – Consórcio Industrial de Refrigerantes Portugueses, S.A. que englobava 96 fabricantes do país que se viam forçados a modernizar as suas fábricas, por força de uma lei de 1959. Domingo Perez fazia parte desse consórcio, mas viu pouco futuro naquela sociedade. “Havia um certo desentendimento, talvez por ser muita gente, não me senti bem com o princípio daquela organização e então resolvi fazer aqui a fábrica dos refrigerantes”, acrescenta.
A Empresa das Águas do Areeiro, Lda. foi, então, criada em Maio de 1962. Ano e meio depois chegava ao mercado com os seus produtos. O lançamento foi coordenado com a Cirel, da qual Domingo Perez continuava a ser associado. Mas os seus receios viriam a confirmar-se e a Cirel acabou por fechar.
Nas Caldas nasciam então a Água de Mesa Areeiro, assim como a gasosa e a laranjada com a mesma marca. A Frutol, que ainda hoje se mantém no mercado, foi lançada no ano seguinte. “Um dos aspectos que diferenciava os nossos produtos era a qualidade, pela vantagem de serem feitos com a água de nascente”, realça Domingo Perez.
É na década de 70 que se dá o investimento na Serra do Gerês, com a captação e engarrafamento da água do Fastio. O processo iniciou-se em 1972, mas viria a sofrer com a conjuntura difícil posterior à revolução do 25 de Abril. A construção da fábrica começou em 1976 e no final de 1979 iniciou-se a comercialização da Água do Fastio.
MULTINACIONAIS MUDARAM O MERCADO
A envergadura do projecto Fastio não fez, contudo, esmorecer a aposta nas instalações caldenses. O mercado de refrigerantes estava a sofrer na década de 80 uma mudança drástica com a entrada das grandes multinacionais e a Águas do Areeiro não perdeu esse comboio. Aliou-se à espanhola KAS, que entrou inclusivamente na estrutura societária da empresa, em 1983. A fábrica caldense sofreu grandes remodelações para dar resposta a este projecto, que envolvia a produção dos refrigerantes na fábrica da Quinta do Areeiro.
“As coisas foram correndo bem, mas com a morte de um dos donos da KAS houve uma alteração societária e entrámos em acordo com os novos accionistas para acabar com a parceria”, recorda Domingo Perez. Esta reversão aconteceu já no início da década de 1990.
Para manter a produção com a saída da KAS, a Águas do Areeiro passou a produzir marcas brancas para as diversas cadeias de supermercados e para outros clientes, mantendo ainda os seus produtos.
Hoje a empresa mantém a sede nas Caldas, apesar de ter a administração repartida com escritórios em Lisboa. José Luís Perez afirma que a empresa tem orgulho em “levar o nome das Caldas, e da Serra do Gerês, nos nossos produtos, porque nos identificamos sempre com as origens”.
Apesar da dimensão que a empresa atingiu, Domingo Perez afirma que continua a ser uma empresa familiar, não só porque a estrutura accionista se mantém na família, como pelo espírito que existe com os seus trabalhadores. Dos 200 colaboradores, 54 estão na empresa há mais de 30 anos, e outros 93 já contam com mais de 10 anos de casa.
“Nos momentos mais difíceis que a empresa teve que ultrapassar, a força maior foram os trabalhadores e por isso digo que é uma empresa familiar”, termina Domingo Perez.