O início das obras do Resort Falésia D’El Rey – um investimento de 200 milhões de euros numa zona junto ao mar e à Lagoa de Óbidos – começou com a desmatação de vários hectares de terreno que destruiu o coberto vegetal, aumentando a erosão, e cortando acessos a praias. Esta destruição é absolutamente legal porque foi aprovada pela Câmara de Óbidos no âmbito de um projecto PIN (Projecto de Interesse Nacional) apesar dos pareceres desfavoráveis das estruturas técnicas intermédias. Uma recém-criada Plataforma de Defesa do Bom Sucesso tem procurado contestar o empreendimento.
Foram vários os leitores que contactaram o nosso jornal, em mails indignados, denunciando aquilo que consideram um crime ambiental. Como a Gazeta das Caldas teve oportunidade de confirmar, na zona do Bom Sucesso assiste-se ao trabalho de dezenas de máquinas pesadas que têm destruído extensas áreas de vegetação. Onde antes havia mata atlântica, há agora grandes clareiras na paisagem com terrenos arenosos.
Estas obras são o início da construção de um grande projecto imobiliário, designado Resort Falésia D’El Rey, que ali pretende construir 475 moradias e apartamentos de luxo, um hotel de cinco estrelas, um boutique hotel, piscinas e o inevitável campo de golfe, neste caso com 18 buracos.
A dimensão, quase dantesca, das obras e o seu impacto negativo no ambiente levou à criação de uma Plataforma de Defesa do Bom Sucesso que procura opôr-se a este projecto.
Contactada pela Gazeta das Caldas, a Câmara de Óbidos disse o óbvio – o projecto é legal e o promotor “tem direitos de construção constituídos pelo PDM de Óbidos desde 1997”. A autarquia diz ainda que inicialmente o projecto previa uma área de construção de 15% dos 240 hectares, mas que em 2007 conseguiu reduzir essa área para apenas 5%.
Nas respostas enviadas ao nosso jornal, o município diz que “é natural que no período de qualquer intervenção, sobretudo numa obra de grande dimensão, ocorram impactos e alterações que não sejam do agrado de todas as pessoas”. Mas mostra-se “empenhado em colaborar no esclarecimento da população”, não deixando de recordar que o projecto já esteve em consulta pública.
Quanto ao corte nos acessos às praias do Rio Cortiço e Olhos de Água, a Câmara de Óbidos diz que estes serão repostos na fase de infraestruturação da propriedade.
O autarca sublinha que tem pautado a sua actuação “por uma atitude de estrito cumprimento da lei, reduzindo a carga de construção junto ao litoral” mantendo intocável uma faixa de 500 metros junto ao mar. Mais: o município conseguiu ainda, durante as negociações com os promotores, que estes não só reduzissem a área de construção, como cedessem áreas, a título definitivo, ao domínio público municipal e ao domínio público marítimo.
PROJECTOS APROVADOS “POR CIMA”
Uma visão diferente têm os elementos da Plataforma de Defesa do Bom Sucesso, que reúne 700 pessoas no Facebook, embora pouco mais de 20 sejam verdadeiramente activas. Maria João Mello, que representa este movimento cívico, não tem dúvidas de que tudo o que está a ser feito é legal. E também não se queixa de falta de diálogo da Câmara de Óbidos, uma vez que até já foram recebidos pelo presidente da Câmara, Humberto Marques.
“Está tudo na legalidade. Estas coisas dos PINs põem tudo legal”, disse à Gazeta das Caldas. O problema é que estes projectos são aprovados “por cima” e contra a vontade das próprias estruturas técnicas que sobre eles deram pareceres desfavoráreis.
“A sensação que nós temos é que a Câmara não tem grande poder de manobra neste processo e que quem se está a portar mal é a Agência Portuguesa do Ambiente [APA]”.
Enquanto moradora no Bom Sucesso, Maria João Melo reconhece que ela própria, bem como ecologistas, comunicação social e muitos cidadãos activos, estiveram a dormir. “O aviso do empreendimento estava lá, mas deu-se a crise, os outros resorts foram à falência e nunca pensámos que de repente este fosse avançar. Os outros empreendimentos na zona não deram certo e nós achamos que esta área ficaria protegida”.
A verdade é que os outros resorts (Bom Sucesso-Design Resort, Quintas de Óbidos, Royal Óbidos e Praia D’El Rey Marriot) foram construídos mais para o interior, em zonas em que o solo e a vegetação eram mais pobres. Mas o Falésia D’el Rey representa uma zona “que era o último reduto porque está mais perto do mar”. Maria João Mello diz que foi destruída mata atlântica com vários séculos e que isso agora aumenta a erosão da costa por via dos ventos e das chuvas que “atacam” zonas dunares desprotegidas.
A Plataforma de Defesa do Bom Sucesso já tem um escritório de advogados que está a estudar a melhor forma de contestar estas obras que começaram há poucas semanas. Será um combate duro, de David contra Golias, mas Maria João Melo diz que “é uma questão de espírito da época” porque “até a Grécia está a lutar contra coisas que pareciam irreversíveis”.
A contestação passa também por questionar a racionalidade económica de uma estratégia que infesta de resorts toda a margem sul da lagoa de Óbidos. Resorts que estão semi-falidos ou inacabados. A activista diz que receia que tudo não passe de mais um campo de golfe sem as infraestruturas adjacentes e que tem receios muito fundados acerca da gestão da água para aquela zona no futuro.
A história ameaça repetir-se
O alarme foi dado quando caminhos foram cortados, árvores começaram a ser abatidas e enormes clareiras apareceram onde antes havia sombras mas, sobretudo, meios de fixação das dunas e barreiras de protecção contra os ventos marítimos. Foi nessa altura que se tornou evidente que a história ameaçava repetir-se e novo empreendimento se anunciava, provavelmente para seguir o caminho dos anteriores: muita destruição seguida de abandono, devido à declaração de insolvência da empresa. Das empresas, porque o folhetim vai longo e são vários os protagonistas.
Foi assim que surgiu a Plataforma de Defesa do Bom Sucesso. Moradores, utilizadores, amigos, decidiram unir esforços para tentar perceber qual a legitimidade desta forma abusiva de uso do território e pressionarem a criação de uma política global de ordenamento para a Lagoa de Óbidos e toda a área costeira envolvente. Cada um dá o que tem: advogados, arquitectos, engenheiros e, sobretudo, cidadãos. Têm mantido um diálogo fácil com a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, mas, até agora, foram ignorados pela CCDR e pela Agência Portuguesa do Ambiente.
Desde que nos idos de 70 foi abandonado o projecto inicial de capitais belgas, o Bom Sucesso tem alternado entre o abandono e os projectos megalómanos, normalmente associados ao golfe, mas de justificação duvidosa quanto a áreas de implantação, índices de ocupação, consumo de água, erosão das falésias. São projectos que trazem consigo nomes de governantes nacionais, mas que raramente convenceram as autoridades locais. Para muitos, é mais uma história “à portuguesa”. Mas os membros da Plataforma recusam que se transforme numa fatalidade.
Gil Campos
Plataforma de Defesa do Bom Sucesso