Joaquim Tavares – o empresário que não gostava da escola

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Empresário
O empresário nas instalações da Mundial Rocha, na Delgada

Joaquim Tavares foi um dos distinguidos, no passado dia 10 de Novembro, na XIX Cerimónia da Pêra Rocha do Oeste, organizada pela Associação Nacional de Produtores de Pêra Rocha (ANP). Dono de mais de 200 hectares de pêra rocha, recebeu pela 11ª vez consecutiva o prémio de melhor produtor da empresa Mundial Rocha.

Susana Sobreiro

Nunca estudou para um teste e apenas frequentou a escola até ao 9º ano. Era no armazém de fruta dos seus pais que se sentia feliz. Assim que chegava da escola, largava os livros na primeira caixa vazia que encontrava no armazém e juntava-se aos trabalhadores. No dia seguinte, nunca sabia onde tinha deixado os livros e os pais ralhavam muito com ele. No entanto, foi este gosto de infância pela agricultura que levou Joaquim Tavares a ser o maior produtor de pêra rocha a nível nacional.
Nasceu em 1967 nas Caldas da Rainha e sempre morou na Delgada, Bombarral. Foi esta terra que viu florescer a paixão de Joaquim pela agricultura. “Uma vez, tinha ele ainda uns quatro ou cinco anitos, pôs um tractor a trabalhar e fê-lo andar”, refere Amélia Tavares, tia de Joaquim. Era um menino muito reguila e foram vários os episódios que o levaram ao hospital, ora com um braço, ora com um pé partido. “Aqui em casa tiveram que pôr arame farpado para eu não saltar o gradeamento e uma vez fiquei com as mãos cheias de sangue por causa disso”, recorda, entre risos, Joaquim.
O produtor diz que, em boa parte, o gosto pela agricultura foi suscitado pelo facto de os seus pais terem trabalhado toda a vida neste sector. “Se não fosse o meu gosto por isto, provavelmente, o meu pai nem tinha investido tanto na agricultura, fê-lo porque eu gostava muito desta área e não gostava nada estudar”. Foi na Delgada que fez a escola primária. “A primeira vez que fui para a escola, o meu pai foi a correr com uma vide atrás de mim porque eu só chorava e não queria ir”, relembra Joaquim. Continuou os estudos no Bombarral e não havia disciplina que lhe agradasse, a não ser Matemática. “Era sempre à conta que passava, até chumbar no 7º e no 8º ano. Depois o meu pai disse que se eu não queria estudar tinha que fazer o 9º ano… e foi o que eu fiz”, diz Joaquim.
“Na vida, temos que fazer aquilo de que gostamos, seja bom ou mau. Se sou feliz assim e gosto de ser assim, não me preocupo com o resto”. Foi com este espírito que Joaquim Tavares apostou com todas as suas forças na actividade que, realmente, o preenche. Se tem sucesso? “A obra fala por si”, afirma o amigo de adolescência e engenheiro agrónomo, Carlos Cunha.

O início do sonho e do sucesso

Começou a trabalhar no armazém de família assim que saiu da escola. Mais tarde, em conjunto com o pai, decidiu tornar-se sócio de centrais fruteiras, primeiro na Ecofrutas, na Delgada, e depois na Central de Frutas do Painho. No entanto, apercebeu-se que não auferia o lucro que pretendia, pelo que vendeu as suas participações para criar a empresa Mundial Rocha, em 2005. Tem vindo a expandir-se cada vez mais e, hoje, detém cerca de 240 hectares de pomares de pereiras e macieiras. “Quanto mais ele expandir melhor é, antes trabalhávamos ali dez pessoas e hoje na sala de embalamento às vezes temos 30”, refere Maria de Jesus Silva, chefe de armazém, que trabalha há 34 anos para a família de Joaquim Tavares.
“O senhor Joaquim é um patrão exemplar, sempre disponível e muito humano”, garante Carla Germano, técnica agrícola da empresa Mundial Rocha. “Já trabalhei noutras empresas e, na maior parte, não estamos terra a terra com a entidade patronal, não conseguimos dialogar. Neste caso é quase como se fosse uma família”. Ana Cunha, engenheira alimentar que também trabalha para Joaquim Tavares, concorda com a colega: “é um patrão que defende os trabalhadores e tem uma relação informal com todos.”
A empresa exporta de 85 a 90% da produção, tendo como principais mercados França, Brasil, Marrocos, Alemanha, Polónia e Irlanda. “Normalmente todas as empresas de mercado internacional, ou pelo menos as grandes empresas, têm um comercial que fala português ou espanhol”, informa Joaquim. É dessa forma que o produtor consegue comunicar com as empresas estrangeiras, já que não está muito à vontade com outras línguas. “A universidade nunca fez parte dos meus planos, mas gostava de saber falar outras línguas, acho que faz falta”, confessa o empresário. Apesar de nunca ter considerado entrar na universidade, mantém-se sempre informado e actualizado no que diz respeito à sua área de actividade, frequentando, com regularidade, formações, colóquios e simpósios.
De facto, Joaquim tenta sempre fazer face às situações que vão surgindo, seja com novas tecnologias, seja com novas técnicas de trabalho. “É pena os anos serem tão ruins. Este ano então…”, lamenta Maria de Jesus Silva. Actualmente, um dos problemas que afecta este sector de actividade, a nível geral, é a estenfiliose, doença provocada por um fungo de difícil combate. Ainda assim, a empresa só tem progredido, pois Joaquim preocupa-se em dar assistência a todos os trabalhadores. “Sempre que precisamos de alguma coisa, de um investimento ou uma melhoria, ouve-nos e tenta sempre cumprir”, afirma Ana Cunha. “Têm-se recolocado as novas questões e novos desafios e o senhor Joaquim tem tido abertura para isso”, nota Carla Germano.
“O Quim Zé tem demonstrado grande competência na actividade que exerce e é uma pessoa muito ambiciosa”, diz o amigo Carlos. Além da fruticultura, Joaquim também se dedica a outros sectores. É sócio de empresas de agroquímicos, medicina do trabalho e construção civil. “Quis expandir-me para áreas que não me ocupassem muito tempo, daí não ter negócios no estrangeiro. Coisas longe são complicadas de controlar e para ter lucro é necessário dedicação e acompanhamento, ou não vale a pena”, afirma Joaquim.

A realização de um novo sonho: ser pai

“Uma pessoa não precisa de fazer tanta coisa, mas se me dissessem para ir viajar um mês, ou ir para a praia um mês, eu não ia. Farto-me e tenho dificuldade em libertar-me dos negócios”, confessa Joaquim. Não é, porém, por se dedicar arduamente àquilo que faz que deixa de ter tempo para a família e para os amigos. Carlos Marques, conhecido desde infância, prova que lazer não falta na vida de Quim Zé, como o trata. “Fazemos jantares, tomamos café todas as manhãs no café Central e, às vezes, também viajamos”.
Natalina Andrade, gerente do café Central, na Delgada, diz que o empresário a visita todos os dias de manhã. Pede, habitualmente, “uma torradinha e um chazinho”. Para além de ser proprietária do café que Joaquim frequenta, Natalina é também amiga de infância. “Andámos sempre juntos desde o primeiro ao quarto ano e brincávamos muito na escola. Depois ficámos sempre amigos, a nossa amizade nunca se distanciou. Verdade se diga, ele é amigo do coração”, comenta Natalina. Ao contrário da sua amiga, que casou cedo e foi mãe cedo, Joaquim casou tarde e foi pai apenas há três anos. “Eu brincava muito com ele porque ele nem pai era e eu já era avó”, diz Natalina em tom de brincadeira.
Joaquim Tavares revela estar a viver a melhor fase da sua vida, agora que é pai, mas nota que não terá certas experiências com a Daniela, filha de três anos, como pôde ter com o pai. “O meu pai trabalhava e tinha um filho que o seguia. Chegou mesmo uma altura em que ele já pouco fazia e eu tomava as decisões sozinho. Isto a mim nunca vai acontecer”, reflecte o produtor. Não esconde o desejo de a sua filha vir a interessar-se pela área na qual encontrou a felicidade e realização pessoal e confessa que até já a colocou em cima de um tractor.

* Aluna do curso de Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Mundial Rocha

A Mundial Rocha, Comércio de Frutas, Lda. foi constituída em 2005, mas só em 2007 assumiu a forma jurídica Mundial Rocha, Comércio de Frutas, S.A. Com sede na Delgada, Bombarral, é hoje constituída por nove accionistas.
Os objectivos desta empresa são produzir, comercializar, importar e exportar frutas e produtos hortícolas. A empresa conta com uma área de produção de 255 hectares, cujos terrenos abrangem os concelhos do Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha e Lourinhã. A pêra rocha é o fruto que ocupa a maioria dessa área de cultivo.
Uma das vantagens competitivas desta empresa é a capacidade de armazenagem, que pode ir até às 17 mil toneladas de fruta. O volume de negócios do ano 2015/2016 cifrou-se em cerca de três milhões de euros, valor abaixo do normal pois houve uma quebra acentuada na produção devido à doença estenfiliose.
A Mundial Rocha S.A. emprega cerca de 50 pessoas, número que varia ao longo do ano, chegando a atingir as 400 pessoas em época de colheita. S.S.