Quando o tema é (re)capitalizar as empresas, diversificar é a palavra de ordem. Foi esta a ideia central defendida durante o seminário “Dinheiro Fresco” que a Associação Industrial da Região Oeste (AIRO) realizou na Expoeste no dia 3 de Maio. O mercado de capitais, as linhas de apoio ao investimento e as bolsas de empréstimo colectivas (novidade em Portugal que está em grande expansão em Inglaterra) são opções a ter em conta.
José Luís Santo, sócio-gerente da empresa Consercaldas, que explora a marca Frami, foi um dos empresários presentes na plateia e falou das dificuldades que existem por parte da sua empresa em movimentar o dinheiro que gera com a filial em Angola.
Este pode não parecer um problema relacionado com o financiamento das empresas, mas é. O empresário revelou que os clientes angolanos pagam e o dinheiro está no banco em Angola, mas as dificuldades que existem para movimentar esse dinheiro para Portugal causam constrangimento à empresa.
“O dinheiro está lá meses para se poder transferir, o qwanza vai desvalorizando e nós vamos perdendo dinheiro”, lamentou. Apesar de ter batido a várias portas, como a AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), o IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação) e o COSEC (Companhia de Seguros de Crédito), até à data não teve solução.
“Todos dizem que apoiam as PME, mas quando chega a hora não há apoio nem conforto”, lamentou José Santo. E deu o exemplo de Espanha, que já criou um gabinete para tratar deste assunto, enquanto em Portugal não houve ainda uma tomada de posição do Governo. “O que vendíamos nós, vendem agora eles”, acrescentou.
Esta questão relaciona-se com o financiamento, uma vez que a falta de liquidez das empresas é um dos problemas que levam as empresas a recorrer ao financiamento. E esta questão não se limita a quem trabalha com o mercado angolano. Luís Carvalho, director e coordenador de Marketing e Empresas do Novo Banco, sublinhou que o prazo de pagamento entre empresas em Portugal é de 70 dias (contra os 38 na União Europeia) e que os pagamentos são realizados, em média, com um atraso de 21 dias.
A falta de liquidez é consubstanciada pelas estatísticas apresentadas por vários dos oradores, segundo os quais a média dos capitais próprios (a diferença entre o que se tem e o que se deve) das empresas em 2015 não chegou aos 30%, e muitas apresentam valores negativos.
A necessidade de financiamento não está, porém, circunscrita às empresas que estão em dificuldades, é partilhada por empresas que se estão a lançar e por outras que querem crescer.
Ana Maria Pacheco, presidente da Airo, salientou que a associação dá apoio a muitas microempresas e também startups, que “para começar precisam de algum capital”.
Miguel Geraldes, director de mercados do Euronext Lisboa, apresentou o mercado de capitais, solução ainda pouco utilizada pelos empresários portugueses para financiar os seus negócios. Esta opção consiste, por norma, em alienar uma parte do capital da empresa para obter financiamento, princípio adoptado, por exemplo, pelo programa televisivo Shark Tank. A vantagem é que o valor financiado não é o empréstimo, mas uma aquisição de parte da empresa, o que nem sempre é visto com bons olhos à luz da cultura empresarial portuguesa, referiu o director de mercados do Euronext.
Miguel Geraldes defendeu que é preciso perceber “as fontes a que se pode aceder”. Limitar as opções significa “um handicap” em relação às concorrentes do resto da Europa, onde há uma maior cultura dessa diversificação.
Miguel Geraldes referiu que 2015 “foi dos melhores anos para ir aos mercados de capitais desde 2007”, onde as empresas europeias se financiaram em mais de 100 mil milhões de euros, mas nenhuma empresa portuguesa aproveitou esta onda, lamentou.
Portugal é um país de pequenas empresas e microempresas (representam mais de 95% do universo empresarial) e a dimensão pode ser um problema para o recurso aos mercados de capitais. No entanto, Miguel Geraldes adiantou que já há mecanismos para que as PME possam aceder a este método de financiamento. “Os números dizem que países onde as empresas recorrem pouco aos mercados de capitais, são países menos desenvolvidos”, sustentou.
Crédito bancário com melhores condições
A banca continua, porém, a ser a resposta mais acessível aos empresários portugueses. Neste segmento existem as propostas de crédito comerciais dos próprios bancos, mas também linhas de financiamento com recurso a fundos do Estado e das instituições europeias.
João Tomaz, representante da Associação Portuguesa de Bancos, também defendeu que os empresários devem ter todas as opções em aberto no que ao financiamento diz respeito e que se devem sempre ponderar os custos e benefícios.
As condições de acesso ao crédito estão hoje melhores do que há alguns anos atrás, referiu João Tomaz. “As condições de oferta de crédito estão em alívio desde 2012”, disse, apesar deste dado se reflectir mais em relação aos particulares. Verifica-se uma redução dos spreads nos empréstimos de risco médio e também das garantias exigidas, ao passo que os montantes e a duração dos contratos aumenta. Esta melhoria de condições resulta tanto do aumento da concorrência da banca, como da melhoria da circulação de capital dos bancos. De resto, João Tomaz adiantou que existe hoje mais capital nos bancos do que procura por parte das empresas.
Para além das soluções bancárias, existem ainda fundos de financiamento e linhas de crédito públicas para apoio às empresas em parceria com a banca. São exemplos os quadros comunitários como o Portugal 2020, ou programas como o PME Crescimento, as linhas do Fundo Europeu de Investimento ou programas específicos, como são exemplo os existentes para o turismo e para a agricultura em parceria com os respectivos ministérios.
Luís Carvalho, que apresentou estes programas, salientou que o crescimento requer, muitas vezes, trabalho conjunto entre empresários, nomeadamente através de “fusões e parcerias para ganhar escala e assim vencer adversidades e reforçar capitais próprios”.
Bolsas de empréstimos, uma nova opção
Inovação para vencer no mundo empresarial é cada vez mais a plavra chave para o sucesso. Mas também começa a sê-lo no mercado financeiro. José Maria Rego surgiu no seminário como fundador da Raize, uma empresa financeira que surge com uma solução inovadora. Trata-se de uma bolsa de empréstimos colectivos, a primeira em Portugal, mas que segue exemplos já praticados noutros países, em especial Inglaterra, onde já representa 14% dos novos empréstimos.
O conceito junta, de um lado, um conjunto de investidores (já são mais de 4.000 e podem entrar com montantes a partir dos 20 euros) e empresas que precisam de capital. Por norma são pequenos empréstimos e com prazos de pagamento curtos. “A maioria das empresas portuguesas não precisam de muito dinheiro”, salienta José Maria Rego.
A empresa cobra 3% por operação financeira e os juros são acordados entre investidores e as empresas, que celebram um contrato. O empréstimo é do tipo amortizável mensalmente, semelhante ao crédito habitação.
Convidado a intervir foi ainda Paulo Pereira da Silva, CEO da Renova, que deu a visão estratégica da empresa de descartáveis de papel (guardanapos, rolos de cozinha, papel higiénico, etc). Esta empresa apostou forte na sua marca e na sua presença num mercado, que deixou de ser português, mesmo para quem só compete a nível interno. “Estamos todos em concorrência com tudo, todos temos concorrentes de coisas que vêm de fora”, sustentou.
Neste contexto, há quem opte por produzir para ter preço e quem opte por ter qualidade. Paulo Pereira da Silva defende a segunda hipótese: “se não se vendesse tão barato em Portugal não havia tanto problema com financiamento”.
A falta de marcas fortes é outro dos problemas na economia do país. É esta a razão, na óptica do empresário, para o problema de falta de produtividade. É preciso criar produtos diferenciadores, facilmente associáveis à marca, como foi, no caso da Renova, o papel higiénico preto. O CEO da empresa diz que é fundamental “dominar bem” os números do negócio, ter atenção às vendas e às margens. Deste modo é possível desenvolver a empresa com o valor que esta gera, sem recurso a capital externo que cria dependência dos credores.