O investimento é barato, mas a sua rentabilização já não é tão fácil. Estas as principais conclusões de uma visita ao aeroporto de Valladolid, realizada pela Turismo do Oeste que quer replicar para Monte Real uma infra-estrutura idêntica destinada aos voos low cost e chaters.
A ideia passa por criar um lobby com as regiões de turismo do Centro e de Leiria-Fátima que defenda um aeroporto a meio caminho entre o Tejo e o Douro, posto que os restantes aeroportos (Pedras Rubras, Alcochete, Beja e Faro) estão ou estarão fora deste território.
Um edifício parecido com um grande stand de automóveis, uma pista militar (que já existe desde os anos quarenta), um parque de estacionamento e uma central eléctrica. É assim, simples e barato, o aeroporto de Valladolid, que serve uma cidade com 318 mil habitantes e uma província (Castela e Leão) com meio milhão de habitantes.
É este também um importante aeroporto para operações da Ryanair, responsável por quase 60% do seu tráfego e que, a partir dali, opera para Londres, Bruxelas, Milão, Frankfurt, Alicante e Málaga. A Ibéria, através da sua afiliada Air Nostrum, é responsável pelo restante tráfego, cobrindo sobretudo voos domésticos, havendo pontualmente operações com voos charter de outras companhias, sobretudo durante o Verão.
Se o que se pretende fazer em Portugal é algo parecido, então convém saber a história deste aeroporto, que data de 1964, quando o Ministério de Fomento (congénere do português Ministério das Obras Públicas) acordou com os militares espanhóis a sua abertura ao tráfego civil. Os primeiros voos ligaram Valladolid a Barcelona, mas a presença de importantes fábricas da Renault e da Citroen na região de Castela depressa levou à abertura de rotas para Paris.
Em 2000 constrói-se o actual edifício aeroportuário, uma central eléctrica, um parque de estacionamento e procedem-se a melhorias na pista. Um investimento no valor de 13 milhões de euros, dos quais 9,6 milhões dedicados ao terminal (que é pouco maior que o pavilhão da Expoeste nas Caldas da Rainha).
Um investimento barato que criou condições para que a Ryanair começasse a operar ali dois anos depois. Desde então, o tráfego anual de passageiros disparou dos 190 mil em 2002 para os 600 mil em 2007. A seguir, e devido à recessão económica, esta cifra caiu para os 400 mil passageiros por ano.
A coexistência com as operações militares não tem nada de controverso e está perfeitamente regulamentada, explica Amadeo Estébanez, sub-director do aeroporto de Valladolid. De resto, a parte civil aproveita ainda um conjunto de recursos que são suportados pela Força Aérea espanhola, ao nível dos equipamentos de segurança e sobretudo dos controladores aéreos, que representariam para a AENA (Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea) um encargo de mais 20 pessoas.
O aeroporto conta com 50 pessoas afectas ao seu funcionamento, mas dá emprego ainda a mais 70 pessoas das companhias aéreas, serviços de vigilância e limpeza, bar, espaços comerciais e estacionamento.
ATENÇÃO AOS CUSTOS
Mas se é isto que se quer fazer em Portugal convém estar atento aos custos. Amadeo Estébanez prefere não os divulgar, mas remete para a imprensa espanhola os resultados líquidos dos aeroportos de Castela e Leão. O jornal El Dia de Valladolid revela que este aeroporto registou prejuízos de 4,9 milhões de euros em 2009 e que tem uma dívida acumulada de 233,5 milhões.
O défice é suportado pela AENA e não há subsídios da comunidade autónoma de Castela e Leão. De resto, os outros três aeroportos desta região (Salamanca, Leão e Burgos) também são deficitários. Amadeo Estébanez diz que dificilmente um aeroporto destes é rentável sem ter pelo menos 1 milhão de passageiros por ano.
António Carneiro, presidente da Turismo do Oeste, concorda que o mais fácil e barato é o investimento inicial e que difícil é aguentar com rentabilidade o funcionamento de um aeroporto, mas valoriza os ganhos sócio-económicos para a regiões Centro e Oeste da existência de uma tal infra-estrutura.
O aeroporto poderia aproveitar a base aérea de Monte Real, ou ser construído de raiz em Fátima ou em Leiria, perto da estação do TGV e da linha do Oeste e da bifurcacao da A8 com a A17 (numa prática de intermodalidade aero-rodo-ferroviária).
Para começar, esse aeroporto poderia servir apenas para voos charter e low cost destinados aos mercados dos resorts oestinos e para o turismo religioso de Fátima e, em complemento, para as viagens de negócios do eixo Leiria – Marinha Grande.
“Não se pode partir para isto sem ter um Ryanair ou uma Easyjet”, sublinha António Carneiro, para quem uma low cost seria condição indispensável para o projecto poder avançar. Afinal, este tipo de coisas passa por acordos com as autoridades políticas da região (mas que em Portugal não têm qualquer autonomia), como reconhece o director do aeroporto de Salamanca, Pedro San Martín. Esta infra-estrutura também se situa numa base militar, mas ao contrário da de Valladolid, não opera ali nenhuma companhia de baixo custo. Apenas a Ibéria opera escassos voos para Barcelona, ficando o aeroporto fechado durante longas horas, ganhando vida apenas à hora da chegada do avião.
Uma questão de lobbys
As autoridades do Centro e do Oeste não ignoram que, para além de um simples terminal para low cost, existe um potencial muito maior para um aeroporto na região que, ligado à linha de alta velocidade Lisboa-Porto, poderia fazer uma concorrência ao putativo Alcochete. É que descer do avião em Leiria e apanhar um TGV para Lisboa ou Porto, a cerca de 30 ou 40 minutos, é o tempo normal que se leva de qualquer aeroporto de uma capital europeia até ao centro da cidade.
Por outro lado, também é certo que se o Oeste e o Centro não fizerem lobby pelo seu aeroporto, já há quem se lhe antecipe e reivindique uma infra-estrutura deste tipo para a Cova da Beira. Covilhã também quer ter um aeroporto regional, que aliás já consta no Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) daquela região. E, como lembra António Carneiro, o lobby da Cova Beira, enquanto Sócrates estiver no poder, terá certamente mais força do que o do Oeste mais Centro.
Nesta medição de forças ao nível político, terá certamente uma palavra a dizer o presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, que conquistou a autarquia ao PSD e ao qual o seu partido (PS) terá certamente de demonstrar algum apreço. Por outro lado, ninguém ignora que a própria Câmara de Lisboa não vê com bons olhos a perda da Portela, mas veria num aeroporto na região Centro um bom aliado com quem repartisse o tráfego, diminuindo a pressão sobre o da capital.
Neste “contar de espingardas” destaca-se ainda Coimbra, que constituiria um mercado potencial significativo para alguns dos destinos que operassem a partir de Leiria.
Um aeroporto em Monte Real
VANTAGENS
Baixo investimento – Inferior a 30 milhões de euros. Bastaria um terminal, parque de estacionamento e acessos.
Mercado alargado – Entre o Porto e Lisboa (e Alcochete) não há outro aeroporto, pelo que há um grande mercado que abrange algumas das zonas mais densamente povoadas do pais e com maior poder de compra.
Mercado diversificado – Desde turistas nórdicos para jogar golfe no Oeste ao turismo religioso para Fátima, a homens de negócios da região Centro e passageiros sensíveis ao preço das low cost
Acessibilidades – Próximo da A8 e A17 e, no futuro, da linha de alta velocidade Lisboa-Porto e da linha do Oeste modernizada.
Custos partilhados – A Força Aérea já suporta hoje equipamentos e custos fixos para o funcionamento da base, que poderiam ser postos, mediante acordo, à disposição da componente civil.
DESVANTAGENS
Custos fixos – Um aeroporto não é só um terminal e uma pista. Implica custos fixos que têm de ser suportados, quer nele operem um ou centenas de voos por dia. Mesmo com alguns desses custos afectos à sua parte militar, o aeroporto de Valladolid deu 4,9 milhões de euros de prejuízo no ano passado.
Poder político regional – A descentralização e autonomia do poder político regional é mínima, pelo que dificilmente haveria um interlocutor para negociar e financiar as low cost como se fazem noutros sítios, bem como para definir uma estratégia coerente de acção.
Operações militares – A missão das esquadras militares baseadas em Monte Real não se coadunam com a partilha do tráfego civil. Ali operam os F16 de intervenção rápida, incluindo uma esquadra que estava em Beja e que para ali foi deslocada desde que este último abriu ao tráfego civil. É difícil pôr no ar em missão de emergência um F16 se for necessário ficar à espera que um avião civil lhe desimpeça o caminho.