Adolescência. Um murro no estômago

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Joana Louro - médica
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Mais uma vez salto em queda livre. Arrisco. Não gosto de falar do que não sei. Muito menos escrever. Mas começo a dar-me conta que sabemos cada vez menos de quase tudo.

Sou uma leitora devota. Já não tenho a disponibilidade de outros tempos em que devorava livros, mas tento manter um (bom) ritmo de leitura. E não sei viver sem um ou mais livros na minha mesa de cabeceira. Não faço uma urgência de 24horas sem levar o meu livro… que nunca se chega a abrir… mas sem ele estou “despida”. Uma sensação parecida de quando nos esquecemos do telemóvel em casa e nos sentimos incompletos. Sou apaixonada por cinema. Mas inevitavelmente rendi-me ao streaming. Sou consumidora compulsiva de séries. Como o tempo escasseia para tanta paixão aprendi a ser exigentemente criteriosa nas minhas escolhas. Não vejo, nem leio tudo o que aparece. Mas o que vejo e leio acrescenta. Acrescenta-me.

Até aqui tudo bem! Mas escrever sobre livros, series ou filmes é outro patamar. Respeito profundamente quem o faz e não me sinto capaz de igualar.

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Mas não consigo e sobretudo não quero perder a oportunidade de falar sobre a série que todos falam. Adolescência.

Esta minisérie britânica de 4 episódios, que estreou há menos de 15 dias, transcende a qualidade técnica e artística de Jack Thorne e Stephen Graham (que assume também a personagem do pai). Transcende o brilhantismo da realização de Philip Barantini – cada episodio é um único plano, em tempo real, sem cortes invisíveis ou edição digital.  Que desta forma nos arrasta para uma narrativa cruel. Autenticidade e verdade, numa nudez arrebatadora. Arrasadora.

Adolescência marca pelas perguntas que deixa e não pelas respostas que dá.

Achamos que estamos mais próximos dos nossos filhos que as gerações anteriores, que comunicamos mais, que entendemos mais. Criamos uma ideia, que tem tanto de ingenuidade quanto de presunção, que estamos no controlo. Que moldamos os nossos filhos. Será mesmo assim? Será esta proximidade real? Quem molda realmente os nossos filhos? Quanto nos passa ao lado? E quanta coragem é necessária para assumir o que nos passa ao lado? Quanto de humildade nos falta?

Os nossos pais viviam com o clássico receio das drogas. E desenganem-se os mais distraídos – esse perigo mantém-se. Ainda que com nova roupagem. Mas hoje as drogas têm mais nomes: bullying, masculinidade tóxica e misoginia. Palavrões que muitos pais nem sabem existir. Esta serie agride-nos com a crua realidade. Com o poder invencível do digital e das redes sociais. Sou mulher e mãe de 2 filhas. Feminista. Não sei como lidar com isto. Mas terei de aprender. Tal como os pais da série, não sei se sei fazer melhor.  Mas terei de fazer.

Nós pais estamos numa luta desigual. Arrisco-me a dizer que nunca foi tão difícil ser mãe. Mas também não é mais fácil ser adolescente.

Adolescência é uma reflexão profunda sobre os desafios da parentalidade numa era em que o digital prevalece. E esmaga tudo à volta. Adolescência é serviço publico. É honestidade televisiva. É um verdadeiro murro no estomago. Deixa-nos em apneia durante muito tempo. E faz nos pensar… E isso faz (muita) falta nos dias de hoje.

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