A Junta de Freguesia da Foz do Arelho esteve encerrada durante dois dias, 23 e 24 de Junho como forma de protesto por ter sido condenada a pagar uma indemnização de quase 900 mil euros por ter cedido a exploração de uma pedreira quando o terreno em causa era considerado um baldio.
A condenação é para a Junta e para os herdeiros de João Batista (o empresário já faleceu), mas as informações que a autarquia fozense tem é que em relação aos restantes réus não existe possibilidade de pagamento da indemnização.
Depois de ter vendido a pedreira a João Batista (que já a explorava), a família Calado apresentou uma outra queixa em que reclama uma indemnização pela exploração que fora feita durante o período em que a Junta a alugou.
Depois de saber da condenação do tribunal de Alcobaça, o presidente da Junta, Fernando Sousa, decidiu fazer um protesto que fosse visível para a opinião pública a nível nacional, encerrando os serviços da autarquia e colocando grandes faixas negras em todos os edifícios públicos que são da responsabilidade da freguesia.
Na madrugada de 23 para 24 de Junho o muro da Quinta da Foz, propriedade da família Calado, também foi vandalizado, tendo sido escritas várias frases de descontentamento. O presidente da Junta, em nome dos habitantes da Foz, já pediu desculpa pelo que aconteceu, garantindo que nada teve a ver com isso, demarcando-se dessa forma de protesto.
Na tarde de 24 de Junho convocou uma conferência de imprensa na qual estiveram presentes cerca de 100 fozenses, que se solidarizaram com a Junta nesta luta.
A decisão de fazer o “luto” foi tomada unanimemente pelo executivo da Junta e pelos membros da Assembleia de Freguesia, em conjunto, com o objectivo de “alertar a opinião pública para esta situação”.
Fernando Sousa salientou que é “o menos culpado”, uma vez que herdou o caso dos executivos anteriores, mas vai assumir o que lhe cabe. “Estarei sempre empenhado a 100% para a resolução deste problema”, garantiu, anunciando que irá recorrer da sentença para a Tribunal da Relação.
Já depois da última sessão do julgamento, a Junta de Freguesia constituiu um novo advogado, António Cipriano, que Fernando Sousa conheceu na Assembleia Municipal das Caldas, onde é deputado eleito pelo PSD. “Nas assembleias municipais tem mostrado alguma garra e gostei do perfil dele”, disse o presidente da Junta, para justificar esta contratação.
Nestes dois processos já estiveram envolvidos vários advogados (antes de António Cipriano foi Júlio Lopes que defendeu a Junta) e a autarquia fozense terá gasto, até agora, cerca de 5000 euros para se defender.
António Cipriano fez um resumo sobre as duas fases desta questão: primeiro em relação à propriedade do terreno da pedreira, “que já foi decidido e sobre o qual não podemos fazer nada”, e a questão da indemnização a pagar pela Junta e pelos herdeiros de João Batista.
INDEMNIZAÇÃO EXCESSIVA
O advogado diz que foi o Supremo Tribunal de Justiça quem condenou os três réus, solidariamente, a restituírem o terreno e a “indemnizarem a família Calado de todos os prejuízos que tivessem”. Cabia depois aos Calado demonstrarem quais os prejuízos e é essa a decisão que agora foi conhecida.
“Esta decisão é de primeira instância e, por isso, susceptível de a colocarmos em causa. Perdemos uma batalha, mas ainda não perdemos a guerra”, salientou António Cipriano, deixando uma mensagem de esperança.
A Junta e o seu advogado não concordam com a decisão, principalmente pelo valor definido “que é manifestamente excessivo e desproporcional”. Até porque o terreno foi vendido por 600 mil euros, menos do que o valor da indemnização decidida. “Isto fará sentido?”, questionou.
Na sua opinião, não está em causa a decisão de pagar uma indemnização, mas sim o valor apurado.
Embora a Junta tenha sido condenada em conjunto com os herdeiros de João Batista, as informações que António Cipriano tem é que por parte de quem esteve a explorar a pedreira “não há bens susceptíveis de penhorar” e por isso será a freguesia a suportar a totalidade da indemnização.
No entanto, a Gazeta das Caldas teve acesso visual a um documento, que foi referido durante a conferência de imprensa como estando desaparecido, em que a família Calado e João Batista acordaram que, após o pagamento integral da aquisição do terreno, a família Calado “considera-se totalmente ressarcida de quaisquer indemnizações ou compensações a que tivessem direito”.
O documento, datado de 14 de Maio de 1999, refere a aquisição, por 600 mil euros, do terreno pela Sebop – Sociedade de Extracção, Britagem e Obras Públicas, SA, de João Batista, e deixa claro que com essa compra a família se considera “compensada pela indemnização dos prejuízos da exploração da pedreira de 1975 até 1999”.
No entanto, a quarta cláusula adianta que a família Calado irá, mesmo assim, intentar uma acção judicial à Junta de Freguesia. O que não fica claro é porque é que, apesar do acordo entre estas duas partes, João Batista e a sua esposa foram também envolvidos neste processo.
Uma luta de quase 30 anos
A história remonta aos anos 80, altura em que a Junta da Foz recebeu a gestão dos terrenos baldios nessa freguesia, de uma “comissão de gestão” criada em 1975 para a exploração da pedreira da Corujeira, e depois a alugou a João Batista, por 3.500 escudos (7,50 euros) mensais. Contudo, o primeiro contrato escrito de cedência de exploração da pedreira entre João Batista e a Junta da Foz data de 1985, com um valor de renda mensal de 33 contos (165 euros).
Em 1989 a família Calado intentou uma acção judicial à Junta e ao empresário João Batista, alegando serem os proprietários daquele terreno, devido a um morgadio instituído em 1580 e que abrangia todo o território da freguesia.
A família perdeu o processo na primeira instância (tribunal das Caldas), mas recorreu ao Tribunal da Relação de Lisboa que lhe deu razão. Em 1996, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou essa sentença. A Junta ainda recorreu ao Tribunal Constitucional, mas o terreno acabou mesmo por ser entregue à família Calado em 1999. Nesse mesmo ano este foi vendido a João Batista por 600 mil euros.
Quatro anos depois a família Calado apresentou um outro processo a reclamar uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de quase 900 mil euros. O Tribunal de Alcobaça deu agora como provados os factos que levaram à condenação da Junta, nomeadamente a quantidade de metros cúbicos de pedra que terão sido retirados durante o período em que a Junta alugou aquele terreno à pedreira.
O cálculo, feito por técnicos em nome da acusação e que o tribunal de Alcobaça considerou serem verdadeiros, refere que entre 1975 e 1988 terão sido retirados e comercializados 2,2 milhões de toneladas de pedra, com um ganho de mais de cinco milhões de euros. Só que o actual advogado da Junta refere que não foi isso que foi declarado às Finanças durante esse período.
“Vamos até às últimas instâncias”, garantiu, na conferência de imprensa, o presidente da Junta. Para a elaboração do recurso ao Tribunal da Relação a Junta vai também contratar um técnico para fazer os seus próprios cálculos do que foi explorado durante aquele período.
A Gazeta das Caldas tentou contactar algum elemento da família Calado na quinta da Foz, no próprio dia da conferência da imprensa, mas foi-nos dito que não havia ninguém que pudesse prestar declarações sobre este assunto. O nosso jornal tentou também contactar o advogado da família, Luís Guedes, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição.
Pedro Antunes
Cento e cinquenta anos para pagar uma dívida?
Se, na pior das hipóteses, a Junta de Freguesia da Foz do Arelho perder o recurso e tiver que pagar os 800 mil euros de indemnização, e se o tribunal lhe penhorar 20% das receitas que tem direito do Estado, então é provável que esta dívida demore a ser paga …150 anos.
Porquê?
Ao contrário dos municípios, as freguesias não dispõem de um fundo nacional ao qual possam acorrer em situação de ruptura financeira, quer seja pela acumulação de dívidas, quer seja por via de alguma decisão judicial. Por isso, o mais provável é que a Junta da Foz do Arelho veja penhorada 20% da verba (cerca de 6000 euros anuais) que recebe do Estado através do FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro).
Gazeta das Caldas apurou que já houve freguesias que viram as suas contas bancárias penhoradas, mas o habitual é o tribunal mandatar a Direcção Geral das Autarquias para reter um montante que não pode ultrapassar 20% da receita que a Junta tem direito a receber do Estado (FEF). No fundo, é um processo idêntico ao dos particulares que, por motivo de dívidas, podem ver penhorada uma parte do seu ordenado.
A Junta de Freguesia não poderá recorrer a empréstimo bancário porque a legislação impede-a. Só pode recorrer a empréstimos de curto prazo (até um ano) e apenas para satisfazer problemas de tesouraria. Situação que não é compatível com a de pedir um empréstimo para pagar uma indemnização.
Já os bens, sendo do Estado, são, à partida, impenhoráveis. Excepto se não estiverem directamente relacionados com o serviço público, mas quanto a isso a Junta da Foz não tem património que caiba nessa situação.
Seja como for, e num cenário em que a família Calado venha a receber a indemnização decidida pelo tribunal, a mesma só lhe chegará a “conta gotas” com a parte que for retirada do FEF. E até que a dívida seja paga decorrerão 150 anos. C.C.