
O presidente da Junta da Foz do Arelho, Fernando Sousa, diz-se cansado de esperar pela “auditoria que nunca mais acaba” e apresentou aos elementos da Assembleia de Freguesia cheques assinados e levantados por Maria dos Anjos cujo dinheiro diz que desconhece para onde foi. O autarca revelou esta intenção na passada sexta-feira, 19 de Maio, depois de ver reprovadas pela terceira vez as contas da Junta relativas a 2016.
Os membros da Assembleia de Freguesia não confiaram em contas que já tiveram três versões (tantas quantas as vezes que vieram para aprovação) e cujas rubricas levantaram dúvidas que Fernando Sousa não soube responder.
Foi com quatro votos contra (três do PSD e um do MVC) e quatro abstenções (duas do MVC, uma do PS e outra do CDS) que o documento de prestações de contas da Foz do Arelho relativamente a 2016 voltou a ser chumbado numa Assembleia de Freguesia que se caracterizou por ser muito arrastada, em torno dos papéis e das dúvidas contabilísticas, mas que terminou com revelações bombásticas de Fernando Sousa contra a funcionária (e simultaneamente autarca eleita pelo MVC) Maria dos Anjos.
Coube a Cláudio Dias, da empresa que presta serviços de contabilidade à Junta, sofrer as dores de Fernando Sousa nas explicações aos deputados da Assembleia de Freguesia. Durante mais de uma hora o último contabilista contratado pela Junta de Freguesia procurou explicar as contas apresentadas a uma plateia atenta mas desconfiada. É que a última Assembleia de Freguesia (realizada em 28 de Abril) já tinha sido suspensa porque o executivo não fora capaz de esclarecer devidamente os deputados.
Mas para esta reunião os documentos apresentados já não eram os mesmos da sessão anterior. “Faz-me confusão como é que temos documentos diferentes, com rubricas diferentes e verbas diferentes em cada reunião. Parece-me é que estão a martelar as contas. Isto não é normal!”, exclamou Henrique Correia (PSD).
Sandra Poim (PSD) queixava-se do mesmo: “houve receitas e despesas alteradas e que são completamente diferentes das contas que nos foram apresentadas”. E pergunta como era possível analisar e aprovar contas que aparecem em três mapas diferentes.
Qual dos três documentos reflectia, afinal, as contas da Foz em Dezembro de 2016? Bem se esforçou o contabilista em explicar que se tratou de melhorar e pôr no devido lugar lançamentos que estavam incorrectos nos mapas anteriores. E que para tal contribuiu o facto de a Junta estar sem documentos desde o Verão passado porque todas as pastas foram levadas pelo consultor que está a fazer a auditoria. Uma situação cuja legalidade o presidente Fernando Sousa chegou a pôr em causa.
E também não faltaram críticas ao contabilista anterior da Junta, João Oliveira, se bem que alguém lembrou que não era justo atirar culpas a quem não estava ali para poder defender-se.
Entre as dúvidas levantadas, destacaram-se, mais uma vez, as transferências de milhares de euros da Junta de Freguesia para a Associação Para a Promoção e Desenvolvimento Turístico da Foz do Arelho. Esta entidade, que tem sede na própria Junta e é presidida também por Fernando Sousa, funciona como uma “autarquia paralela” para poder prestar serviços aos fregueses, fugindo assim a eventuais penhoras da família Calado. Só que a associação não tem apresentado contas nem tem tido reuniões regulares dos seus órgãos sociais.
AS PENHORAS DA FAMÍLIA CALADO
Para complicar mais os números, a Junta vive cercada pelas penhoras da família Calado. Cláudio Dias contou que as receitas do IMI a que a Junta da Foz do Arelho tem direito nem chegam a entrar na sua conta da Caixa da Geral de Depósitos pois são logo penhoradas na origem, na Autoridade Tributária. Fernando Sousa disse que também as contas da Caixa de Crédito Agrícola estão penhoradas pelo que preferem mantê-las próximas de zero, mas que quando há cheques, a Caixa paga-os, a conta passa a negativo e tudo isso tem custos administrativos e de juros.
Henrique Correia perguntou por que motivo, então, passavam cheques, mas a pergunta ficou no ar.
Parte da Assembleia de Freguesia foi assim, penosa, com os deputados às voltas com os papéis. Não se pode dizer que não tenham feito o seu melhor pois foi notório que mergulharam nas contas e nas rubricas. Mas, na hora da votação, ninguém votou a favor: houve quatro abstenções e quatro votos contra.
O presidente da Assembleia de Freguesia, Artur Correia (PSD), declarou que “votei contra porque foram apresentadas três documentos distintos para a prestação das mesmas contas, sendo certo que na última Assembleia já tinha sido apresentada uma versão corrigida”. Tal significava que, se a última sessão não tivesse sido suspensa, teriam sido votadas contas que não reflectiam com exactidão os movimentos da Foz do Arelho, “o que faz claudicar toda e qualquer confiança que eu possa ter na contabilidade feita pelo executivo no exercício de 2016”. Ressalva, contudo, que o seu voto “não melindra a empresa de assessoria contabilística cujos esforços têm sido evidentemente grandes”.
REVELAÇÕES INCRIMINATÓRIAS

Sem disfarçar o desagrado pela resultado da votação – que o deixa cada vez mais isolado no seio da Assembleia de Freguesia – Fernando Sousa informou que na segunda-feira seguinte (22 de Maio) iria apresentar queixa no Ministério Público com base num conjunto de documentos, dos quais mostrou um aos membros do executivo: um cheque assinado e levantado por Maria dos Anjos.
Já antes Fernando Sousa contara que, no início do mandato, a autarca-funcionária Maria dos Anjos teria discordado da contratação de um contabilista para a Junta. “Ela disse que se ia embora e deitou o software abaixo”, afirmou.
“Então e ela não foi logo destituída porquê”, perguntaram os elementos da oposição, sem terem tido resposta.
Imparável, Fernando Sousa aproveitou até para lançar suspeitas sobre o executivo anterior e, teatralmente, apresentou um molhe de papéis: “dizem que eu não tenho todas as OP [Operações de Pagamento] em dia, mas então e estas facturas de 14 mil euros, de 2012, que não têm qualquer suporte?”, perguntou. Ao que Luís Vilaverde (eleito pelo MVC e ex-tesoureiro da Junta, de cujo cargo se demitiu, incompatibilizado com Fernando Sousa) respondeu que os mandatos anteriores não eram para ali chamados.
O mesmo deputado perguntou ainda por que motivo, após estes cheques agora apresentados, Maria dos Anjos continuou secretária do executivo e administrativa na mesma Junta. Em sintonia Henrique Correia insistiu: “se há cheques e provas, então porque não foi já para casa? Porque não lhe retirou a confiança política? Porque continua a ser ainda hoje secretária da Junta?”.
Fernando Sousa explicou que Maria dos Anjos está de baixa há 19 meses, mas que, enquanto autarca, continua a vir às reuniões. Mas Henrique Correia contrapôs: porque motivo não fez o presidente estas denúncias na reunião anterior quando a visada estava presente?
Com um ambiente tenso, Artur Correia usou da palavra para desvalorizar as minudências contabilísticas deste processo, relevando que o mais importante era o resultado da auditoria para saber se o dinheiro da Junta está a ser bem administrado e se alguém meteu dinheiro no bolso. “Como cidadão e como presidente da Assembleia de Freguesia, é isso que me interessa”, afirmou.
De seguida assumiu uma quebra de sigilo ao revelar uma conversa com Fernando Sousa em que este, ainda antes do início da auditoria, lhe revelou que tencionava apresentar cópias dos cheques no Ministério Público. Artur Correia aconselhou-o a não o fazer e a esperar pela auditoria porque Maria dos Anjos lhe tinha dito que os cheques que ela levantara se destinavam a pagar ao pessoal que trabalhava para a Junta. “Se quer agora apresentar queixa, é uma decisão sua. Da minha boca não haverá nenhuma acusação”, disse, dirigindo-se a Fernando Sousa.
E para terminar, o habitualmente calmo presidente da mesa, levantou a voz e gritou que “ainda bem que as pastas estão no auditor! Pelo menos essas não desaparecem!”. Uma alusão às pastas do mandato anterior que Fernando Sousa diz terem desaparecido.
Após um silêncio tenso, Fernando Sousa usou da palavra “para pedir ajuda”. É que, com as contas de 2016 reprovadas e sem orçamento aprovado para 2017, a Junta vai ter dificuldade em obter aprovação do IEFP às candidaturas para contratar pessoal ao abrigo dos Contratos de Emprego e Inserção (CEI). Uma situação particularmente grave tendo em conta que a época balnear está a começar, é preciso pessoal e que não se pode pedir ajuda à Câmara porque esta descentralizou competências para as freguesias.
Uma revelação que deu origem a um aparte de Jorge Constantino (MVC) que se abstivera na votação: “votaram contra, então vão para lá vocês trabalhar!”.