Fernando Sousa, presidente da Junta da Foz do Arelho, diz que vai apresentar queixa-crime no Ministério Público contra Filipe Mateus, autor da auditoria às contas da Junta. O autarca baseia-se nas respostas que recebeu da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), que esclarece que Filipe Mateus “não tem competência legal para emitir o relatório”. A própria Ordem também vai fazer queixa no Ministério Público contra Filipe Mateus, que, por sua vez, diz que nunca se fez passar por Revisor Oficial de Contas (ROC) e que foi convidado e legitimado pela Assembleia de Freguesia para produzir o relatório.
A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, numa resposta a perguntas de Fernando Sousa, informou que Filipe Mateus “não tem competência legal para emitir o relatório” à Junta da Foz do Arelho. Isto porque “não está nem pode estar inscrito” na Ordem e porque “ao referir tratar-se de uma auditoria às contas, o trabalho efectuado cai no âmbito dos actos próprios e exclusivos dos revisores oficiais de contas”.
Depois de convocar os órgãos de comunicação social para uma conferência de imprensa, Fernando Sousa acabou por ter um comportamento, no mínimo, sui generis: limitou-se a entregar uma declaração escrita com as respostas da OROC e informou que não ia falar e que não queria fotografias. Ou seja, fez exactamente o contrário do que é uma conferência de imprensa.
No documento, o autarca exigiu a Filipe Mateus um pedido de desculpa, a devolução do dinheiro que havia sido pago pelo trabalho (2500 euros) e a devolução das pastas de arquivo com a documentação da Junta.
Além disso, o autarca afirmou que “houve abuso de poder” e que a auditoria “não tem validade”, acusando Filipe Mateus de ter exercido “ameaças às pessoas que foram ouvidas em inquérito”.
Fernando Sousa referiu ainda que “a auditoria foi feita no escritório do presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia” e considerou “estranho” que depois de o próprio ter apresentado queixa no Ministério Público contra Maria dos Anjos, “o resultado da auditoria que era esperada há cerca de seis meses apareceu de imediato”.
Legitimado pela Assembleia de Freguesia
Num esclarecimento enviado à Gazeta das Caldas, Filipe Mateus diz-se “legitimado pela Assembleia de Freguesia para a realização do trabalho”. Além disso, diz ter “legitimidade académica e profissional para a realização deste tipo de trabalhos” e fez notar que “em momento algum se fez passar por Revisor Oficial de Contas” .
Filipe Mateus informou que neste trabalho consultou e analisou 72 pastas de arquivo, com mais de 14 mil folhas, bem como cerca de 1200 cheques. No fim do trabalho as pastas foram “por deliberação por unanimidade da Assembleia de Freguesia, entregues ao Ministério Público”.
Filipe Mateus refutou também as acusações sobre os inquéritos, esclarecendo que os mesmos foram assinados por inquiridor e inquirido e que “jamais ameaçou, pressionou, intentou qualquer prática para ‘arrecadar’ qualquer confissão”.
À Gazeta das Caldas Filipe Mateus fez também chegar uma síntese do seu curriculum onde esclareceu que é inspector da carreira especial de inspecção superior e que actualmente desempenha funções no Ministério das Finanças, na Direcção Geral do Orçamento.
Antes foi director de serviços e chefe de divisão no Ministério da Saúde, já depois de ter exercido funções inspectivas na Inspecção Geral das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, onde produziu várias auditorias.
Nessa síntese diz que “na sua actividade profissional foi responsável pelas auditorias de controlo da qualidade da despesa, de controlo financeiro e de desempenho, de sistemas de controlo interno e executou funções de auditoria ao nível dos processos de inquérito à cobrança da receita, auditoria técnica e acções de inspecção” e que “já realizou mais de 40 acções aos serviços, entidades reguladoras e empresas do sector empresarial do Estado” em diferentes domínios.
Uma tentativa de descredibilizar a auditoria
Fernando Sousa afirmou que “a auditoria em curso será da responsabilidade de quem a requereu” e questionou se “esta auditoria foi encomendada, feita com interesses políticos ou pela falta de conhecimento”.
Num esclarecimento enviado à Gazeta das Caldas, Artur Correia, que em Junho se demitiu de presidente da mesa da Assembleia de Freguesia, disse que “a auditoria foi pedida pela Assembleia de Freguesia no uso das suas competências de fiscalização que lhe são conferidas pela lei e adjudicada pela Assembleia a um profissional com competências resultantes do seu estatuto profissional”.
Artur Correia salientou que “a única pessoa que trouxe a auditoria para a discussão pública em altura de campanha eleitoral foi o presidente da Junta” e rotulou este caso como “uma tentativa de descredibilizar” o auditor e, por conseguinte, a auditoria.
O presidente demissionário revelou que foram pedidos “três orçamentos a Revisores Oficiais de Contas, todos elevadíssimos” e que seriam feitas pelo método da amostragem, o que “inviabilizava o objectivo da referida auditoria”, que era perceber o destino de 30 mil euros que haviam desaparecido das contas. Afinal a auditoria iria concluir que o “buraco” seria próximo dos 200 mil euros.
Artur Correia informou ainda que a auditoria não decorreu no seu escritório e que as pastas foram levantadas na Junta com a devida autorização, inclusive do presidente da Junta “que nada opôs a essa questão”.
O mesmo responsável admite que é “importante a posição da OROC, mas a mesma não pode nem deve desviar a atenção do que é verdadeiramente importante: os factos apurados”.
O ainda presidente da Assembleia acusou Fernando Sousa de tentar “impedir que a auditoria actualmente em curso à associação se pudesse concluir”, depois de ter “dado instruções verbais” na agência da Foz do Arelho da Caixa de Crédito Agrícola, “para que não fossem fornecidas mais cópias de cheques da Junta e da Associação”.
O relatório não contestado
A auditoria em questão, apresentada ao executivo e à Assembleia de Freguesia da Foz do Arelho a 9 de Junho, revelou um “buraco” nas contas de 192.842,07 euros, seis vezes superior ao que se pensava quando se decidiu analisar as suas contas.
O relatório diz que existem fortes indícios da prática de fraudes contabilísticas, crimes tributários, apropriação indevida de dinheiros e uso de dinheiros públicos para fins particulares.
O documento refere que foram analisados 1200 cheques da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo das Caldas da Rainha, muitos dos quais muitos não se sabe o destino do dinheiro porque foram passados ao portador.
Fernando Sousa e Maria dos Anjos (membro do executivo da Junta de Freguesia e também sua funcionária administrativa) levantaram cheques passados em seu nome sem qualquer justificação sobre o destino do dinheiro. O relatório da auditoria propõe que um e outro devolvam à Junta, respectivamente, 8.500 e 20 mil euros.
O mesmo relatório refere que “houve numerário e cheques que foram emitidos aos familiares do Presidente da Junta, nomeadamente a filha e a esposa”.
O relatório – que fundamenta e apresenta comprovativos para todas as afirmações – diz que Fernando Sousa deverá devolver 26.639,74 euros à freguesia.
Até à data, o presidente da Junta nunca refutou nem se defendeu das acusações que pendem sobre si no relatório da auditoria, tendo-se limitado a proferir declarações genéricas que reduzem as irregularidades encontradas a mera “má gestão” da sua parte.
O relatório (acompanhado de 72 pastas com documentação) foi entregue ao Ministério Público das Caldas da Rainha, tendo o processo sido remetido à PJ para investigar.