Um dos grandes desafios na área da saúde passa pela melhoria das condições de trabalho, mas também pela valorização da carreira dos profissionais
A saúde é, indiscutivelmente, uma das áreas mais relevantes na próxima década no quotidiano dos cidadãos e com repercussões no desenvolvimento de toda uma região. E tem sido um dos temas mais debatidos no Oeste, sobretudo devido à necessidade de melhores cuidados de saúde. Será que a questão se resolverá na próxima década?
A nível mundial, o terceiro dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU é, precisamente, “saúde de qualidade”, definindo que até 2030 se deve reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nados-vivos, acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, com todos os países a tentarem reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12 por 1.000 nados-vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos 25 por 1.000 nados-vivos, mas também acabar com as epidemias de Sida, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas pela água e outras doenças transmissíveis.
A nível regional discute-se a questão do novo Hospital do Oeste, uma necessidade já admitida pela ministra da Saúde, Marta Temido, em 2019. A governante referiu que primeiro era preciso definir localização e valências, para depois procurar financiamento e o caminho tem sido feito. Lento. Demasiado lento.
Em 2020 foi aberto o concurso para a realização do Estudo Sobre o Futuro da Política Pública de Saúde no Oeste. Estimava-se que em seis meses trouxesse respostas sobre o perfil e a localização. Os mais otimistas dirão que o novo grande hospital poderá ser uma realidade nesta década, mas também há quem diga que não acontecerá antes de 2030.
Segundo o perfil de saúde do Oeste, traçado em 2017, entre 2012 e 2014 as doenças cardiovasculares e os tumores malignos foram as principais causas de morte na população dos concelhos de Alcobaça, Bombarral, Caldas da Rainha, Nazaré, Óbidos e Peniche. Ao nível da saúde coloca-se ainda um grande ponto de interrogação, os impactos desta pandemia. Em termos de saúde mental muito se tem feito, mas muito ainda há para fazer. A alimentação saudável e o exercício físico têm vindo a ganhar cada vez mais “adeptos” e contribuem para combater a obesidade e a diabetes, por exemplo.
Enfrentamos ainda a luta contra o cancro. Nessa área, o médico e professor alcobacense Ricardo Leão, natural da Bemposta (freguesia da Maiorga), especialista em urologia, contou-nos que atualmente se começa a tratar o cancro “de maneira quase individual”, porque, sabe-se hoje que num grupo de doentes com cancro da próstata a doença progride de maneira diferente em cada um e, por isso ao mesmo tratamento, estes doentes respondem de maneira diferente. Nos dias que correm já é possível estudar os doentes do ponto de vista molecular e administrar fármacos adequados a cada um deles. “Em Portugal é extremamente difícil ou impossível de fazer”, esclareceu o especialista, questionando: “se não temos acesso a fármacos que são recomendações de primeira linha, como é que vamos chegar à medicina personalizada?”
Outra questão importante é a limitação, do ponto de vista financeiro, a que os hospitais são sujeitos para fornecimento de fármacos a doentes oncológicos. “O número e tipo de fármacos para doentes oncológicos a tratar em cada hospital é orçamentado no início de cada ano”, e “há um rigor financeiro, necessário, mas que limita o acesso a medicamentos inovadores” apontou.
Desafios para o futuro
Entre os grandes desafios na área da saúde pública para a próxima década está, segundo Ricardo Leão, “a capacidade de fixar pessoas, dando-lhes melhores condições de trabalho e carreiras mais aliciantes, não é só uma questão de dinheiro”.
A falta de formação contínua também contribui para a desmotivação, assim como a inexistência de progressão nas carreiras. Os profissionais de saúde deveriam ter tempo para continuar a sua formação e assim melhorar os seus conhecimentos e capacidades, isso hoje não é possível dada a elevada carga assistencial a que estão sujeitos.
Numa época em que cada vez mais existe uma necessidade de cuidados de saúde mais diferenciados e mais exigentes, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista técnico, em que é normal que as pessoas para ter um diagnóstico tenham acesso a uma série de exames, tudo isso representa custos para o Estado. “Em termos de SNS, presumo que seja difícil do ponto de vista da estrutura Estado melhorar os cuidados. Os cuidados de saúde públicos em Portugal são bons, mas muito dispendiosos”, afirma. “O SNS é um sistema que responde, mas responde sobretudo graças à boa vontade dos profissionais de saúde, sejam médicos, enfermeiros ou auxiliares, que começam a ver mais doentes do que tinham que ver, a trabalhar mais horas do que legalmente tinham que trabalhar. É um SNS que vive muito à conta dos internos em formação, que muitas vezes em vez de 40 horas, estão 60 ou 80 horas semanais no hospital e muitas vezes não pagas”, aponta Ricardo Leão. “Se por um lado caminhamos para uma prestação de cuidados de saúde mais exigente, mais técnico, mais científico, com mais meios, por outro lado, as pessoas estão a ficar cada vez mais exaustas, mais cansadas e sentem-se cada vez menos reconhecidas pela tutela”, acrescentou.
Por outro lado, atualmente e enquanto professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Ricardo Leão tem notado que muitos alunos admitem fazer o curso em Portugal e depois fazer a especialidade no estrangeiro. “Acham que têm boa formação, mas depois não querem ficar cá no período de formação específica. Tal como aconteceu com os enfermeiros, acabamos por formar pessoas com boa qualidade que não ficam em Portugal”.
Na sua ótica é “absurdo gerar mais vagas para medicina”, até porque sente o “desinteresse por parte dos jovens em enveredar por esta carreira”. Hoje em dia, ao contrário do que acontecia há alguns anos, existe a incerteza de entrar ou não mercado de trabalho depois da licenciatura e do internato. “É um curso que é difícil entrar, é longo, são seis anos, é trabalhoso”, nota o clínico, explicando que o número de licenciados é superior ao número de vagas para especialidade, ou seja, após o curso alguns licenciados estão votados ao desemprego pois “um licenciado em Medicina não é um médico, não pode exercer”. A tudo isso acresce a deficiente valorização das carreiras, o deficiente desenvolvimento técnico e científico e a ausência de revisão remuneratória (desde há muitos anos), mesmo no setor privado. “E, em Portugal, não faz sentido formar médicos para suprir o sector privado da saúde”.
Entre os desafios está também a dificuldade em acompanhar as últimas tecnologias e os últimos avanços na área da medicina. “No caso da minha especialidade, que é uma especialidade cirúrgica, só há um hospital português que tem um robô onde os internos podem fazer formação . É no hospital S. José e existe porque foi doado por uma fundação. Não há mais nenhum em Portugal. Se for à Bélgica, a Espanha, a Itália, a França, a Inglaterra em todos os Hospitais de média-grande dimensão, os médicos que têm esta formação específica, as pessoas são formadas a operar com robô”.
“O desenvolvimento técnico e científico, a investigação médica, o acesso a tecnologia quer no medicamento, quer por exemplo, a nível técnico e cirúrgico, tem sido uma dificuldade que nos deixa atrás dos outros países da União Europeia; o país não tem acompanhado a evolução verificada em outros países”, esclareceu, concluindo que “a curto-médio prazo isto vai levar a uma prestação de cuidados de saúde menos diferenciada”. ■