Neste ano comemora-se o centenário da fundação do jornal, bem como o cinquentenário da sua nova fase em Democracia com a criação da Cooperativa Editorial Caldense, que assumiu a sua titularidade
Ao longo de quase um século, Gazeta das Caldas é talvez o único e principal testemunho escrito da história das Caldas da Rainha, bem como, em medida menor, mas mesmo assim importante, dos concelhos vizinhos desde Óbidos a Alcobaça, incluindo Nazaré, Peniche e mesmo outros mais distantes.
Neste longo período, apenas interrompido de forma mais longa a seguir à segunda Guerra Mundial e por alguns períodos curtos, especialmente resultantes de problemas de abastecimento de papel, a Gazeta das Caldas conta a história da cidade e do concelho, bem como dos seus principais protagonistas e dando relevo ao seu património histórico material e imaterial.
Agora chegados a 2025, quando iremos comemorar o centenário da fundação do jornal, bem como o cinquentenário da sua nova fase em Democracia com a criação da Cooperativa Editorial Caldense, que assumiu a sua titularidade, será um momento para festejar conscientemente esta vida longa, que não é muito comum nas entidades públicas e privadas, para não falar nas pessoas que poucas chegam a esta meta.
Na primeira edição de 1/10/25 foi estabelecido o programa do jornal que ainda hoje parece atual. Mas é no terceiro número de 18/10/25 que o diretor fundador explica as razões do seu empenho no jornal. São dois documentos essenciais para compreender o surgimento deste título nas Caldas da Rainha e precisamente alguns meses antes da queda da 1ª República. Mas é interessante recordar que, como se lembra, logo na primeira edição, a ideia de criar um jornal nas Caldas da Rainha se deveu a José Vitor Nobre Coutinho, o “desventurado” irmão do principal fundador e primeiro diretor, “o pobre moço que foi roubado pela morte por doença”, tendo deixado o programa do jornal de que ele era “tão denodado defensor”. Nessa edição é-lhe prestada singela homenagem publicando um poema seu dedicado a José Régio, que viria a ser um importante escritor português, nessa altura com 24 anos de idade, intitulado significativamente “O Meu Mal”.
O primeiro número da Gazeta das Caldas foi publicado em 1 de Outubro de 1925, sendo liderado por dois influentes membros da sociedade caldense da época, Guilherme Nobre Coutinho e Nuno Infante da Câmara, tendo inicialmente estado instalada nos Pavilhões do Parque. O primeiro era a alma do jornal e o segundo o principal financiador na fase de arranque, que nunca quis que o seu nome figurasse na capa do jornal como é testemunho do texto publicado quando da sua morte.
Na edição do 30º aniversário do jornal, José J. Sousa lembra um pouco a história do arranque do jornal em 1925: “Já lá vão mais de trinta anos que um grupo de moços caldenses, alguns saídos há pouco das Universidades e Escolas Superiores, desejosos de verem a sua terra ocupar o lugar a que tinha e tem direito, como uma das primeiras terras da província, formou uma coligação com um dos grupos políticos que então existiam nas Caldas e, desse acordo resultou, nas eleições municipais, serem levados até a casa de D. João V, ali na Praça.”
Explica que havia um jornal até aquele tempo, “O Defensor”, que era dirigido por José Pinto e que cessou a publicação, tendo faltado um jornal para defender os interesses da terra e pugnar pelas suas reivindicações. Lamentava-se que as queixas não passassem de “lamentos”, até que “um grupo de homens que, muito embora não sendo qualquer deles caldense de nascimento, o eram pelo muito que queriam a esta terra”, constituindo assim a empresa da “Gazeta das Caldas”.
Também no seu 30º aniversário, o Doutor Fernando da Silva Correia, que foi médico municipal nas Caldas da Rainha e depois professor de Administração Sanitária, Higiene Social e Assistência Social, e diretor do Instituto Ricardo Jorge entre 1946 e 1961, deu o seu testemunho sobre a criação da Gazeta:
“Era uma vez…
Era uma vez um grupo de pessoas cultas, ativas, de boa vontade e dedicadas às Caldas, que lamentando a falta de união, de unidade de vistas, de iniciativa, resultantes da apatia, da preguiça, do pessimismo egoísta, e de dissidência que não vale a pena recordar, tomaram, aí por alturas de 1923, a iniciativa de começar uma campanha para que a sua terra, que tanto enfeitiçara Reis, Rainhas, Príncipes, gente da alta sociedade, médicos, advogados, burgueses, lavradores, etc., da melhor roda de Lisboa e do País inteiro e merecera as palavras de raro elogio, espontâneo e gratuito, a homens como Ramalho, Pinheiro Chagas, Fialho, Bordalo Pinheiro, Carlos Tavares, entre tantos outros, estivessem tão esquecidas, tão abandonadas, suplantadas em aura, por estâncias sem o valor, recursos, situação e possibilidades, que as Caldas da Rainha ofereciam.”
É difícil escrever em algumas linhas um resumo da história de um jornal centenário, que para além disso teve uma vida plena de afirmação na sociedade local e regional, tendo atravessado diferentes fases bem demarcadas, muito assinalando os tempos que se viviam na comunidade política, social, cultural, mesmo desportiva, o que deverá obrigar a um estudo mais profundo e alongado noutra oportunidade e com outro suporte.
Pelas páginas da Gazeta passaram ao longo destes cem anos e a caminho das 5 mil e 600 edições ideias, testemunhos, propostas, polémicas, notícias, ensaios, fotografias e desenhos, de anónimos e dos seus redatores, como das principais figuras da sociedade local, regional e nacional, o que nos transforma numa inesgotável fonte de informação e de história da vida autêntica e testemunhada com os seus protagonistas ou atores.
Nesta primeira edição de 2025 em que iremos comemorar esta data centenária, queiram bem as circunstâncias, aproveitamos para lembrar outros eventos que são assinalados no final do 1º quartel do século XXI, alguns bem longínquos como o 5º centenário da morte da Rainha D. Leonor, fundadora das Caldas da Rainha, em circunstâncias históricas em que se confunde a realidade com a lenda, e em que a comissão das comemorações desse ano associou a “criação de uma pequena obra de beneficência segundo os moldes da fundadora”, que foi a construção do Lactário-Creche, para auxiliar “as creancinhas pobres” do concelho, com a ajuda dos “operários marceneiros, carpinteiros, pedreiros, pintores, estucadores, etc.”.
Esta obra visava combater a elevada taxa de mortalidade infantil na época devido às “doenças causadas pelas próprias mães por defeituosa alimentação” bem como doenças do aparelho digestivos dos filhos por maleitas congénitas ou pela alimentação.
Foi nas colunas da primeira edição da Gazeta de 1926 que foi lançada a ideia, lançada por António Montez, com o apoio do Diário de Notícias, para uma subscrição pública nacional para ser erigido um monumento à Rainha Leonor num dos principais locais centrais da cidade. É também nessa edição que um caldense, que viria a ter papel de destaque tanto nas Caldas, como depois no país nos tempos do regime corporativo, Luís Teixeira, dirigiu uma “Carta Aberta à minha geração” para mobilizar os seus “irmãos caldenses, rapazes de 20 anos como eu, que aprendemos juntos, sentados nos bancos da mesma escola, a soletrar o nome da nossa terra” para homenagear a Rainha D. Leonor e para “saldar uma enorme dívida de gratidão”.
Em 2025 também se comemora o século da vitória de José Tanganho na I Volta a Portugal a Cavalo, como a notícia que iria ser instalada a água canalisada na vila, e como a Foz do Arelho se poderia transformar numa das praias mais concorridas do país. A Sociedade Filarmónica e Recreativa Gaeirense foi fundada em 1 de Outubro de 1925, embora só em 9 de Junho de 1981 fosse oficializada por escritura lavrada no Cartório Notarial das Caldas da Rainha.
Mas em 2025 também se comemora o cinquentenário inúmeras organizações e acontecimentos, que foram ocasionados pelo grande momento de dinamismo cultural, associativo, desportivo e social, proporcionado pela Revolução do 25 de Abril ocorrida no ano anterior.
Deste ano cheio de dinamismo e criatividade, Gazeta das Caldas é talvez a grande testemunha que permite conhecer a história desse momento crucial que atravessou o país, mas que teve fortes repercussões em todas as comunidades nacionais.
Recorde-se que em 1925 a Gazeta foi criada por um conjunto de caldenses que se batiam independentemente das correntes políticas, partidárias, económicas, pela afirmação das Caldas da Rainha e desta região limítrofe ainda não cognominada oeste, considerando-o como um jornal Regionalista. Os seus fundadores tentaram porfiadamente manter essa independência, mesmo lutando em certos momentos com obstruções e dificuldades várias, mas até ao desaparecimento físico dos fundadores, conseguiram manter uma certa independência e autonomia. Com a instalação e domínio total do regime corporativo e dos seus dirigentes locais, o jornal ficou-lhes entregue durante mais de 35 anos, passando sucessivamente por jornal “nacionalista” (até ao final da 2ª Guerra Mundial), voltando a regionalista em 1948 depois de um “período de silêncio” resultante de uma crise económica que viveu. ■