O caso percorre tribunais há mais de uma década. Em causa está um terreno comprado em 2004 pela Câmara de Óbidos na zona do complexo desportivo num dos mandatos de Telmo Faria. O terreno adquirido a Alberto e Augusta Virella, era destinado à instalação de equipamentos públicos, mas uma parte foi vendida pela autarquia para a construção do supermercado Pingo Doce, por um valor muito superior ao que tinha comprado.
Anos antes, em 1999, o casal Virella, proprietário do terreno, quis ali construir casas de habitação, tendo feito um pedido de viabilidade à Câmara, que, segundo os proprietários foi aceite porque na altura o PDM referia que a área em causa era edificável. Mas a Câmara contrapõe em tribunal que o PDM em vigor data de 1996 e já previa apenas a construção de equipamentos.
Segundo os factos apresentados no tribunal, o casal diz que recebeu várias propostas de interessados no terreno, que mais tarde seriam retiradas quando estes descobriam que ali, afinal, não poderiam construir. Alberto e Augusta acabaram por vender o terreno ao município, na altura presidido por Telmo Faria, por cerca de 230 mil euros, sob pena deste ser expropriado.
O terreno em questão deveria servir de apoio para as infra-estruturas desportivas que ali estavam a ser construídas. No entanto, viria a ser adquirido à Câmara, quase dois anos depois, pelo Pingo Doce por cerca de 1,3 milhões de euros.
Em tribunal, o advogado do casal, Renato Militão, referiu durante as alegações finais que os seus clientes tinham recebido propostas de valor até quatro vezes superiores ao que a Câmara pagou. E por isso o casal pedia uma indemnização de 1,2 milhões de euros ao município, tendo o tribunal caldense fixado esse valor em 1,020 milhões de euros.
A autarquia interpôs recurso no Tribunal de Leiria, que manteve o mesmo valor. Recorreu, então para o Supremo Tribunal de Justiça, que manda analisar a matéria de direito e de facto, em que o terreno é avaliado por 520 mil euros mais juros. Entretanto a autarquia entende que a este valor ainda deveria ser retirado o valor gasto com as infraestruturas, com que o terreno foi depois vendido.
“ACHO QUE É INJUSTO”
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Contactado pela Gazeta das Caldas, o presidente da Câmara, Humberto Marques, disse que esta decisão pode ainda não ser a final pois os advogados estão a analisar se irão recorrer para o Tribunal Constitucional. “Acho que é injusto”, disse o autarca, destacando que o terreno vendido depois ao Pingo Doce não foi o mesmo que adquiriram ao casal Virella, uma vez que foram feitas obras de infraestruturas e que foram anexadas parcelas de terreno municipal.
O autarca entende que teve razão ao interpor os recursos pois conseguiram diminuir em quase metade o valor total da acção. Humberto Marques referiu também a “vitória” conseguida pela autarquia ao conseguir alterar a medida de provimento da caução.
Esta situação remonta a 2017 quando foi accionada a caução, por parte dos queixosos, que arrestou carros de apoio de abastecimento de água e saneamento, transportes das crianças e idosos, maquinaria pesada e o jipe da Protecção Civil. A autarquia recorreu e o tribunal aceitou em alternativa, como garantia, um lote de terreno camarário no Bom Sucesso.
Oposição diz que já previa este desfecho e critica especulação imobiliária
José Rui Raposo, representante da CDU em Óbidos, diz que esta decisão do tribunal vem confirmar as “preocupações” dos comunistas relativamente ao “cuidado da gestão da Câmara por parte do PSD”. Desde o início que este dirigente se apercebeu que “poderiam não ter sido tomadas as cautelas no fim a que se destinou o terreno e agora a Câmara vai arcar com uma penalização muito significativa”.
O também deputado na Assembleia Municipal realça que esta verba que terá que ser paga poderia contribuir para a melhoria das condições de vida da população. E salienta ainda que esta decisão permite tirar uma ilação para o futuro: “a Câmara não se pode comportar como um mero especulador imobiliário, tem que ter um comportamento exemplar, e neste caso não o foi”.
Também João Paulo Cardoso, candidato à Câmara pelo BE, considera que era uma “sentença expectável” porque a “matéria de facto confirmada na primeira instância e referida nos recursos nunca foi alterada”. Este dirigente bloquista entende que é “inconcebível que o poder local contribua, ele próprio, para a especulação imobiliária”. E acrescenta que, para a moralização da política é bom que o assunto não caia no esquecimento e que “se apurem responsabilidades através de uma acção de regresso, por exemplo”.
João Paulo Cardoso defende que tem que ser explicado o que aconteceu com o valor auferido com a venda pois os munícipes desconhecem o destino desse dinheiro.
Carlos Pinto Machado, dirigente local do CDS-PP e ex-candidato autárquico do CDS à Câmara de Óbidos, considera que “esta decisão judicial é a prova inequívoca de que existe justiça em Portugal, ainda que peque por ser tardia”. O líder centrista local é da opinião de que os autarcas responsáveis, “além da responsabilidade política, deveria ser-lhes assacada a responsabilidade civil pelos actos de gestão que estiveram na origem da decisão que prejudicou os particulares lesados e que agora prejudica o município de Óbidos e a sua população”.
PS defendia acordo com os vendedores
Relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o PS de Óbidos considera que há que tirar ilações da conduta da Câmara. Fernando Ângelo, da concelhia socialista, lembra que o terreno foi adquirido pela Câmara aos seus antigos proprietários para instalar equipamentos públicos e mais tarde foi vendido ao Pingo Doce, realçando que em acta camarária “consta que o terreno se destinava a instalar equipamentos públicos e, por isso, o preço teria que ser mais baixo do que se fosse para actividades lucrativas”.
O mesmo responsável diz que os proprietários do terreno, “perante esta transação, que foi largamente lucrativa para a Câmara, estavam dispostos a aceitar um suplemento de valor muito menor, por o terreno ter sido vendido pelo município” e que este deveria “ter entrado em acordo com os vendedores, o que não fez”.
“E agora foi condenado!”, diz Fernando Ângelo, acrescentando que isso vai onerar “significativamente” o orçamento municipal, “impor um orçamento retificativo e, provavelmente, determinar a contracção de empréstimo bancário que permita fazer face às responsabilidades perante os vendedores do terreno, depois desta longa batalha judicial”.
Para o dirigente socialista, a compra do terreno aos vendedores e a posterior venda ao Pingo Doce, e mais tarde a recusa em entrar em acordo com os mesmos vendedores, “configuram uma atitude de irresponsabilidade política por parte dos autarcas que protagonizaram este negócio e este lamentável processo que agora termina”.