Carregam séculos de história e são um destino turístico que entrou na moda com centenas de pessoas a quererem visitar a ilha diariamente. Embarque connosco, numa viagem à Berlenga Grande
O penichense Mariano Calado descreveu-a como a Ilha do Sonho, Raul Brandão chamou-lhe “o mais belo sítio da costa portuguesa” e não faltam exemplos de quem a considere um paraíso. A ilha da Berlenga, a apenas 5,7 milhas (cerca de 11 quilómetros) do Cabo Carvoeiro, em Peniche, tem um encanto próprio, que leva diariamente centenas de pessoas a quererem visitá-la.
E motivos não faltam. A hospitalidade é imagem de marca, numa comunidade que vive como tal. Esse espírito comunitário é, talvez, a principal imagem de marca que fica desta viagem à Berlenga. João Gonçalves, mais conhecido por Zippy, é quem nos recebe no Forte de São João Baptista. “Esta é a ilha dos Amores”, afirma, em conversa com visitantes, referindo-se ao espírito de partilha, de amizade e de comunidade que existe entre quem habita este território. No seu caso, vive na Berlenga desde o final de abril e ficará até outubro. É já o seu terceiro ano a trabalhar no forte, mas vem à Berlenga desde os seus 4 anos. Natural de Peniche, vai uma vez por semana a casa. “Um dos fundadores da Associação dos Amigos da Berlenga, o senhor João Avelar, vinha para a ilha no seu barco e, nos dias de nevoeiro, quem o guiava era o seu cão e ele conseguia sempre chegar à Berlenga”, conta.
Além da visita ao forte, que falamos mais à frente, há o icónico farol Duque de Bragança para apreciar. Aquele ponto alto na ilha, que se vê de Peniche e que hoje não é visitável. Durante a estadia não faltam opções para garantir a animação e diversão. Percursos pedestres pela ilha, desportos náuticos como stand up paddle e kayak, mergulho ou um passeio pelas grutas, num barco com fundo de vidro são algumas das opções, além de um mergulho naquelas águas transparentes, com os seus tons azulados e esverdeados, que fazem lembrar destinos mais exóticos. Este ano, o tão procurado parque de campismo está encerrado, mas dele há muitas histórias para contar, num outro artigo talvez.
Entre as centenas de visitantes (no máximo, 550 em permanência) que diariamente fazem a travessia na época alta, a maioria nunca visitou este destino, mas também há quem tenha como tradição lá ir todos os anos. É o caso de António Morais, que há cerca de 15 anos cumpre este ritual. ”Isto é um santuário, uma maravilha, aqui as pessoas são pessoas, existe um espírito de partilha, de comunidade que cada vez se encontra menos”, realça este professor já reformado que atualmente é consultor de segurança. “Trago o meu kayak, nado no meio dos peixes e encontro-me comigo”, explica.
Entre os turistas de diferentes países que vieram pela primeira vez à ilha encontramos um casal que veio do Pinhal Novo. “A primeira vez que ouvi falar das Berlengas foi há muitos anos, quando andava na escola”, contou João Inácio: “Queria conhecer e nunca tinha vindo cá, foi uma visita agradável, gostei de ver as aves”. Já Paula Batista apreciou especialmente a visita às grutas. “Foi um dia bem passado e correu tudo muito bem”, afirmou, esclarecendo que conseguiram comprar a viagem no próprio dia, tratando todo o processo com os operadores.
Com uma história rica, a maior ilha do arquipélago (constituído por três grupos de ilhas: a Berlenga Grande com alguns ilhéus e recifes adjacentes, as Estelas e os Farilhões–Forcadas, conhecidos pela sua forma de baleia), é a única que é visitável e tem vindo a ser cada vez mais procurada. De um refúgio de pescadores transformou-se num destino turístico, o que levou à regulamentação, para regular a presença e os efeitos da ocupação humana na ilha, preservando a fauna e a flora deste ecossistema que está classificado como reserva mundial da biosfera da Unesco desde 2011 e como reserva natural desde 1981.
Mas a entrada em vigor da plataforma Berlengaspass foi polémica, marcada pela inexistência de um período experimental e pela dificuldade do processo. Ao fim de dois meses, os operadores turísticos já conseguem contornar a maior parte das dificuldades, mas o sistema ainda necessita de algumas afinações.
Joana Completo, sócia da Feeling Berlengas, que tem nove barcos e capacidade para transportar 166 visitantes, refere que quando os visitantes pagam a plataforma para todo o dia, mas visitam apenas durante a manhã ou a tarde, a vaga não fica disponível para o restante período. Outro problema é que não aceita o pagamento de cartões de crédito de estrangeiros. A isso acrescem os bloqueios na plataforma, que obrigam a refazer trabalho e a perder tempo. O processo já levou à necessidade de alocar mais recursos humanos. “Deveria existir um ponto do ICNF a tratar desse processo no cais de embarque”, defende, notando que a integração direta nas plataformas de reserva também seria vantajosa. Também Lina Ferreira, gerente da Berlenga Oeste, que tem a marca Berlengatur, com um catamarã com capacidade para 105 pessoas e um barco com 14 lugares, sente as mesmas dificuldades, concordando também que tem havido melhorias.
Forte de São João Baptista é um exemplo de associativismo
Há quase meio século, juntaram-se os Amigos da Berlenga e criaram uma associação para manter o forte de São João Baptista

Os mais antigos relatos do Forte de São João Baptista remontam a 1655, mas há vestígios de presença humana desde o tempo dos romanos. No século XVI foi ali construído um mosteiro, que viria a ser abandonado devido aos frequentes saques de piratas. Parte do que restou do mosteiro foi, então, utilizado para construir uma fortaleza militar, mandada erguer por D. João IV, depois das guerras que se seguiram à restauração da independência.
Esta fortaleza viria a conhecer o seu mais famoso episódio em 1666, quando foi atacada por uma armada espanhola de 15 navios e cerca de 1500 homens. Um pequeno contingente de 28 homens, comandados pelo Cabo Avelar Pessoa, lutaram para defender aquela posição, mas acabariam mortos ou feitos prisioneiros. Já durante as invasões francesas, o forte era utilizado por soldados ingleses e por penichenses que para lá se escaparam e que ali montaram uma base de operações que permitia roubar armamento e desorientar as tropas francesas e durante as Guerras Liberais foi base de apoio às tropas de D. Pedro IV aquando da conquista do Forte de Peniche por parte das tropas de D. Miguel.
Foi já depois da revolução dos cravos e de o forte ser saqueado, que se fundou a Associação dos Amigos da Berlenga, para evitar a degradação deste espaço histórico.
Quase meio século depois, o forte, que foi considerado monumento nacional em 1938, tem sido mantido e recebe centenas de visitantes todos os dias (na época alta). A entrada tem um custo de um euro que reverte para as obras de manutenção de um espaço que precisa dela constantemente. A exposição ao mar e aos ventos e a antiguidade do edifício são dois fatores a ter em conta.
Ricardo Fernandes, da direção da associação, salienta precisamente essas caraterísticas muito próprias da gestão deste espaço, que não tem água potável (ainda que tenha um dessalinizador que fornece água doce) e cuja energia provém de painéis solares (independentes dos que foram colocados junto ao Bairro dos Pescadores) e geradores a gasóleo.
No forte trabalham seis pessoas, que garantem toda a atividade. Com um café a funcionar e uma unidade de alojamento com 14 quartos para os sócios da associação, o forte conta ainda com cozinha comunitária e uma grande sala comum. Para quem aqui fica a dormir, há várias particularidades. A primeira é que os quartos não são luxuosos, mas não lhes falta nada. Outra são os banhos. Os “hóspedes” recebem um jerrican com água, que aquecem e colocam num balde com uma corda. A capacidade do forte é de cerca de 38 pessoas.