Caldense vence cancro e não desiste do sonho da música

0
872
O caldense superou a doença e arranjou forma de continuar a dedicar-se à música

Caldense de 35 anos já ultrapassou dois cancros e não deixou de se dedicar à música profissionalmente. Rui Pedro vive em Toronto é líder dos Mute Sounds e de outros grupos de música portuguesa

A primeira vez que Rui Pedro foi diagnosticado com cancro tinha 19 anos. De vez em quando, o caldense perdia a voz, mas depois voltava. Um dia decidiu ir ao médico e de facto tinha um pequeno tumor numa corda vocal. Após uma cirurgia de meia hora feita a laser, foi possível debelar o problema. Rui Pedro foi avisado pelos médicos que o cancro poderia reincidir mas apesar da preocupação nos primeiros anos da sua recuperação, o caldense deixou de pensar nisso e seguiu com a sua vida, aprendendo a servir às mesas e estudando para ser sommelier, ou seja, um especialista em bebidas e vinhos.
O seu tempo livre era dedicado à música. O pai tocava acordeão e Rui Pedro aprendeu piano ainda jovem.
Já mais velho passou a tocar percussão e fazia coros nalgumas bandas de covers. Gostava muito de cantar e a certa altura fazia espetáculos duas vezes por semana. Sonhava um dia ter a sua própria banda.
Em 2013 foi viver para o Canadá, para onde a mãe tinha ido morar uns anos antes. Já se encontra a viver em Toronto quando, em 2015, voltam os problemas na garganta…O cancro estava de volta e, infelizmente, muito mais agressivo. Com 28 anos, Rui Pedro vê-se de novo a combater o cancro.
“Nunca fui fumador e não existia nada que pudesse prever tal situação”, disse o caldense à Gazeta das Caldas, em entrevista online.
Duas semanas depois de ter sido detectado o cancro novamente (em dezembro de 2015), Rui Pedro regressou a Portugal para fazer a cirurgia completa de remoção do tumor, laringe e parte da faringe.Nos primeiros três dias do pós-operatório, quis desistir de viver. “Vi-me numa cama deitado, a ser alimentado por uma sonda, completamente imóvel, com a cabeça super inchada, completamente desfigurado, apeteceu-me mesmo desistir…”, contou o caldense.
Segundo Rui Pedro “uma simples gota de água nos meus lábios que uma enfermeira me deu, fez um clique cá dentro….O ter sentido o fresco, deu-me esperança”. E foi revigorado que enfrentou os tratamentos que incluíram 33 sessões de radioterapia e três de quimioterapia.
“Basicamente vivi no IPO de Lisboa durante oito meses e só ia às Caldas aos fins de semana”, lembrou.
A Rui Pedro foi dada uma hipótese de 80% de cura e, como tal, nessa altura começou a sua luta. “Tentei deixar para trás o facto de perder a voz para sempre e focar-me na recuperação”, disse o caldense, recordando que assim que lhe deram autorização para sair da cama, começou a andar pelos corredores pois, segundo os médicos, “era algo que ajudava no processo de “desinchaço” da cabeça, e também para manter o corpo ativo”.
Rui Pedro, no início, tinha que escrever tudo para comunicar, “até que aprendi a falar em um sussurro fraco”. Ao fim de um mês, deram-lhe alta, ainda com sonda para se alimentar, pois a reconstrução da garganta foi feita “através de tecidos do meu braço, que ainda estava a cicatrizar”.
Ao fim de um mês e meio, já com o braço cicatrizado e sem sonda, já podia comer normalmente. Iniciou então a sua aventura na guitarra, que foi sem dúvida “a minha maior terapia”. Nessa altura Rui Pedro sentia-se frustrado e até revoltado mas “tudo isso desaparecia quando eu começava a tocar”, referiu.
Chegou a tocar no hospital e viu que os seus temas originais que lhe surgiam tinham boa receção e muitas palmas.

Em digressão por Ontário
Teve alta em setembro de 2016 e dois anos depois voltava a Toronto já com ideia de se dedicar à música profissionalmente.
E assim nasceu o projeto Mute Sounds, que iniciou em Portugal, e que contava a sua história, a de um músico que ficou sem a sua voz. As primeiras canções eram em formato acústico e mais emocionais pois referiam-se a um período difícil da vida deste músico que é também o compositor das melodias.
O grupo deu o seu primeiro concerto em 2021. Dedicam-se ao género Post-Rock Instrumental/Experimental e, neste momento, já têm três álbuns lançados, disponíveis em todas as plataformas tais como Spotify, Apple Music ou Deezer.
As influências musicais de Rui Pedro passam por grupos como Radiohead, Foo Fighters, System Of A Down e depois no campo da música instrumental, God Is An Astronaut e Russian Circles.
O último álbum que lançaram recentemente é a primeira de duas partes. Designa-se “Resilience” e a segunda será lançada em maio.

Rock industrial com folclore
Rui Pedro orgulha-se muito deste último trabalho pois a sua sonoridade vai desde o rock industrial até às melodias da música folclórica portuguesa. E neste momento até têm uma digressão por Ontário, com datas de concertos para os meses de junho e julho. O caldense considera que o meio musical de Toronto está a acolher bem a sua proposta musical.
Os Mute Sounds são o foco principal de Rui Pedro que ainda tem mais dois projetos à parte, de covers, dedicados à comunidade portuguesa. A comunidade portuguesa no Canadá “é grande”, há várias e existem várias associações que representam partes do nosso país e também existem bares e restaurantes portugueses.
Nestes locais organizam-se bailes e contratam grupos que toquem música que lhes lembrem as sonoridades típicas do seu país. O músico mantém ligação com família e amigos nas Caldas e contou à Gazeta das Caldas que o que mais sente falta é “dos meus amigos e do mar”. Quanto aos seus lugares favoritos salientou a Foz do Arelho e “a sua cidade natal que é “pequena” mas temos tudo….”. Para Rui Pedro “a nossa zona é um pequeno paraíso com tudo o que qualquer pessoa gostaria de ter num só lugar. Praia, campo, cidade, floresta..”. E um dos seu sonhos é “atuar no CCC com a banda completa!”, rematou o caldense. ■

“Uma das melhores pessoas que conheço”

Amigos de Rui Pedro salientam o seu caráter e força para ultrapassar as dificuldades

Foi no bar Toca da Onça, no centro das Caldas, que Rui Pedro deu a conhecer as suas primeiras canções originais, em 2018. Fê-lo por sugestão do responsável do espaço, Gonçalo Jorge, que o convenceu a apresentar temas originais e não covers como ele pretendia. “E ele aceitou a proposta”, disse o empresário que recordou que o concerto instrumental que Rui Pedro deu em 2018 no seu espaço “correu muito bem e com grande aceitação do público”.
Segundo Gonçalo Jorge ”ele é um ótimo rapaz!”. E compreende que tenha partido para o Canadá em busca de melhores oportunidades no mundo da música.
A caldense Rita Fiandeiro conhece Rui Pedro desde miúda. Em adolescentes, “nem sequer nos dávamos bem” mas após a operação de Rui Pedro, e como Rita Fiandeiro estava a estudar Terapia da Fala, “voltámos a falar e foi importante saber como foi o percurso dele no IPO”.
Chegaram a namorar e hoje “somos grandes amigos e mantemos o contacto regular”. Rita conta que a forma de lidar com a doença foi inspiradora e destaca a sua atitude de superar as dificuldades. “Ele é das melhores pessoas que eu conheço!”, disse a caldense Rita Fiandeiro, de 38 anos. Na sua opinião, além de ser uma pessoa cinco estrelas é também humilde. “Ele deu a volta à doença e continuou a fazer aquilo que gosta”. Eram namorados quando Rui Pedro apresentou os seus primeiros temas instrumentais na Toca da Onça.
A cantora Jéssica Cipriano, 30 anos, é amiga de Rui Pedro e teve projetos musicais em conjunto como os The Jelly Beans que se dedicava aos covers. “Tocávamos os dois – ele guitarra e eu voz – e, por vezes, também com Vitor Copa, o baterista”. Segundo a cantora “partilhámos momentos de palco de grande intensidade isso é algo que fortaleceu a nossa relação”. Lembra-se bem de Rui Pedro partilhar que o que lhe aconteceu “foi difícil, doloroso e injusto, mas pelo menos consigo fazer música na mesma”. A professora de canto, que vive nas Caldas há 12 anos, diz que a paixão pela música é algo que continuam a partilhar. ■