Ceboleiros de Alvorninha garantem cebola na Feira de Rio Maior

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Manuel Morais da Costa aprendeu sozinho a entrançar a cebola e ensinou-o à esposa | FÁTIMA FERREIRA

São os ceboleiros da freguesia de Alvorninha que todos os anos levam a sua produção para a Frimor – Feira Nacional da Cebola (entre 31 de Agosto e 4 de Setembro) em Rio Maior, garantindo assim a continuidade deste certame criado no século XVIII.
A azáfama por estes dias é grande, com os produtores a fazer as rastras, réstias ou tranças (nome dado às cebolas entrançadas), que são um dos ex-libris do evento. Gazeta das Caldas falou com alguns dos ceboleiros da Ramalhosa (freguesia de Alvorninha) que irão estar presentes e mostra o seu trabalho e dedicação à terra, durante o ano inteiro e sempre condicionados pelas condições climatéricas.

“Pelo S. Martinho semeia-se o cebolinho”. O adágio é antigo e continua a ser respeitado pelos ceboleiros, que por essa altura, em Novembro, começam a semear a cebola, mas nunca de uma só vez. “O ano pode ser de muito gelo e ela morre, por isso semeamos com algum intervalo, e sempre no quarto minguante para não espigar”, explica Manuel Morais Costa, ceboleiro desde 1950.
Mais conhecido por “Manel da Digna”, este agricultor continua a trabalhar a terra, na Ramalhosa, aos 82 anos. Este ano semeou cebola temporã de Setúbal, vermelha e a valenciana. A temporã, para consumo da casa, começou a tê-la em Fevereiro e agora colheu a vermelha e a valenciana, que conta ir vender na próxima semana na Feira de Rio Maior.
Desde criança que vai aquela feira, mas nem sempre foi a vender cebola. Começou por ir com os pais (ele carpinteiro e ela pevideira) quando os feirantes ainda se perfilavam por debaixo das oliveiras. Desse tempo recorda o convívio que se vivia, ao som da música do harmónio do pai.
Lembra também que as cebolas não eram pesadas pois as balanças eram escassas. Eram vendidas à réstia (conjunto de cebolas entrelaçadas) e o número de cebolas era sempre o mesmo: 13. “Se por acaso se separasse uma cebola do cabo, tínhamos que dar mais uma ao cliente”, recorda o octagenário que já transportou cebola para a feira de burro e em carro de bois, sendo que as viagens eram sempre feitas de noite e por várias vezes.
Esta semana os dias de Manuel e da esposa, Emília da Costa Matos, de 74 anos, são passados a fazer as rastras (ou nome dado às cebolas entrançadas). Colocam um tabuleiro no meio do armazém, escolhem a cebola por tamanho e sentam-se um de cada lado. Pegam na palha seca (que apanham nas ribeiras), dividem-na em três e começam a dispor as cebolas formando uma trança.
“Bastou-me ver para aprender a fazer”, conta o autodidacta que depois ensinou a mulher.
Este ano plantou cerca de uma tonelada de cebola, porque a idade já não permite grandes aventuras, mas já chegou a produzir seis toneladas.

Entrançar 700 quilos de cebola por dia

No Casal Novo da Ramalhosa, a segunda-feira de Fernando Alves e da esposa Natália Santos, foi passada a entrançar cebolas, juntamente com algumas pessoas contratadas, para conseguir ter tudo a postos para a FRIMOR.  A azafama é grande no armazém e o trabalho é feito em série: Fernando escolhe e separa as cebolas por tamanhos e as mulheres fazem as rastras, tendo por fio condutor as palhas previamente colhidas num ribeiro na zona do Valado.
Este é um trabalho difícil devido ao tempo que estão sentados e a fazer o mesmo movimento. “Ficamos com muitas dores nas costas”, revela Natália Santos que num dia faz 600 a 700 quilos de cabos de cebola.
A produção de cebola chegou à vida deste casal há pouco mais de uma década. Antes Fernando Alves, agora com 57 anos, foi empregado, mas as terras que herdou levaram-no a dedicar-se à agricultura. E o trabalho ocupa-lhe o ano inteiro.
Começa por semear os canteiros, depois planta, monda, pulveriza, colhe e comercializa. “É praticamente desde Fevereiro até agora o ciclo da cebola”, explica, acrescentando que não há semana que não tenha que a tratar.
E o negócio nem sempre corre bem. “Há anos em que se ganha alguma coisa e outros em que se trabalha para aquecer”, diz, referindo-se ao preço a que a cebola é vendida e à produção que conseguem ter. Este ano juntaram-se essas duas condicionantes. “A cebola temporã espigou toda e perdemos a produção, devido ao tempo e ao ano”, conta, lembrando que “antigamente, os meus avós diziam que ano bisexto era mau para a agricultura”.
A produção da cebola tardia já foi normal, estimando que esta se situe nas 15 toneladas, para vender na Feira de Rio Maior e o que restar para um armazenista. É que nem sempre a feira da cebola corre bem. A do ano passado é para Fernando Alves esquecer. “Aguentei-me no preço e como os outros baixaram, tive que a trazer para casa”,  recorda. Depois teve que cortar todos os cambalhos e colocá-la em sacos para a vender para armazenistas.
Este ano a cebola está barata, diz o produtor, revelando que para o armazém vende a pouco mais de 20 cêntimos o quilo. Na feira o ano passado duplicou este valor.
A cebola em cabo normalmente duplica o preço da cebola vendida em sacos. “Se a vendêssemos na feira a 40 cêntimos era bom”, diz o ceboleiro, realçando que dá muito trabalho toda a apresentação da cebola.
Normalmente quem procura mais a cebola entrançada são as pessoas de mais idade e da zona de Santarém, Almeirim e Lisboa. Também já não compram as quantidades de antes, porque quando precisam vão ao supermercado.

Chuva e frio levam a plantação mais tardia

Na mesma rua e a escassos metros de Fernando Alves mora outra ceboleira, a sua prima Filomena Daniel, de 65 anos. Há cerca de 30 anos que se dedica à produção e venda de cebola e já teve anos de produzir 30 toneladas. O ano passado produziu  umas 15 toneladas e está a fazer cada vez menos porque a idade vai avançando, conta à Gazeta das Caldas.
Semeia a cebola entre Dezembro e Fevereiro. Este ano, a chuva e frio mataram as primeiras sementeiras pelo que teve que voltar a semear na última semana de Fevereiro, para depois plantar entre Março e Maio e colhê-la em finais de Junho até inícios de Agosto. A cebola depois fica “enterreirada” (tapada com terra) para o sol não a estragar. “Ainda cresce um pouco e ganha cor”, revela a produtora, que por estes dias passa o tempo a entrançar a cebola.
Seca está já também a palha colhida nos rios e que vai ser usada para fazer o cabo. Este ano Filomena Daniel foi apanha-la na zona de Alcobaça, mas já chegou a ir busca-la a Santarém e a S. Martinho. “Agora é um problema para conseguir arranjar palhas porque põem químicos nas valas e as plantas morrem”, denuncia.
A Feira de Rio Maior é o destino de grande parte da cebola, mas as vendas já não são como antigamente, em que Filomena Daniel chegou a vender 20 toneladas. “Agora para vender uma tonelada é uma dificuldade”, conta, acrescentando que a feira agora resume-se aos ceboleiros e à gastronomia, faltando as barracas com as quinquilharias, roupa e gado.
Continua a lá ir porque já é uma tradição com mais de 25 anos e porque lá encontra os vizinhos, da freguesia de Alvorninha. Os clientes ainda os vão procurando porque a cebola aguenta muito. “Cheguei a ir a Rio Maior e ter clientes a dizer que ainda tinham em casa um cabo da cebola que tinham levado no ano anterior”, diz, acrescentando que agora já não se aguenta tanto tempo.
O ano passado Filomena Daniel vendeu cebola até Março no Mercado de Santana, onde vai todos os domingos. Também vende outros hortícolas, como tomate e feijão.

 

Cebolas na Frutos só para exposição

As cebolas de Alvorninha estão representadas na Feira dos Frutos, no stand da Câmara das Caldas com a devida informação de que o produto está apenas para exposição e que os interessados em comprar deverão dirigir-se à Feira de Rio Maior. “A Câmara entende que não se deve entrar em competição, mas ter uma atitude de integração com Rio Maior, que também é nosso parceiro na feira”, disse o vereador Hugo Oliveira à Gazeta das Caldas.
Já o vereador socialista Jorge Sobral entende que deve ser feita uma maior promoção da cebola de Alvorninha pela “qualidade que apresenta e, sobretudo, pelo apuramento da sua cultura, que tem vindo a atravessar gerações”.
Numa posição tomada em sessão de Câmara, no início do ano, o vereador chamou a atenção para a certificação da marca “cebola de Alvorninha”, destacando que há possibilidades de apoios para o fazer.
Jorge Sobral, que falou em nome de um conjunto de agricultores, pediu a ajuda da Câmara e da freguesia para promover a cebola nos vários certames, assim como a dispensa de um espaço na Feira dos Frutos para estes apresentarem o seu produto. F.F.

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