O mundo está em constante mudança. Esta é uma frase factual que serve para muitos contextos e o automóvel é um deles. O mercado automóvel entrou numa verdadeira encruzilhada. O mundo “sabe” que já não quer mais motores de combustão interna nos carros, quando o sector dos transportes é responsável por mais de um quarto dos gases que provocam o efeito estufa. Mas o mercado está pronto para a eletrificação total? E quais são as alternativas? Foi a estas questões que procuramos encontrar as melhores respostas possíveis à data.
“Quem comprar carros a diesel não terá valor na troca daqui a quatro anos”. Foi com esta frase numa entrevista ao Jornal de Negócios que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, vaticinou a “morte” dos motores diesel. Mas será mesmo essa a realidade? O parque automóvel está preparado para largar este que ainda é dos tipos de motorização mais vendidos na Europa?
É verdade que os motores de combustão interna têm a sua existência fortemente ameaçada. Alguns países já estabeleceram metas para proibir a venda de automóveis novos com motores alimentados por combustíveis fósseis. A Holanda, por exemplo, aponta para que isso aconteça em 2030.
As próprias marcas parecem estar a preparar-se para cumprir esses desígnios. Exemplo são dois dos maiores construtores mundiais. A Toyota tem vindo sucessivamente a eliminar das suas gamas de ligeiros os motores diesel, substituindo-os por conjuntos híbridos em que a motorização de combustão é alimentada a gasolina. A Volkswagen anunciou recentemente que vai lançar em 2026 a sua última plataforma (a base que serve para a construção de diversos automóveis da mesma família) suportada por motores a combustão.
Aquela mensagem até foi erradamente interpretada como o fim das motorizações de combustão na marca em 2026, mas o que acontece é que essa nova plataforma deverá ter uma vida útil de cerca de 15 anos, o que significa que dela resultarão automóveis movidos em exclusivo a gasolina e/ ou gasóleo pelo menos até 2040.
PERSEGUIÇÃO AOS DIESEL?
A mensagem do ministro do Ambiente adensou a nuvem que paira sobre os motores diesel desde o famoso escândalo “Dieselgate”. Mas o que se passa, afinal, com este tipo de motores?
A resposta mais clara a esta pergunta é que o diesel atingiu um ponto de desenvolvimento tal que conseguir melhorias se torna demasiado dispendioso para os construtores. É por isso que se assistiram no passado recente a diversas parcerias entre marcas, de modo a poder rentabilizar os investimentos avultados. E também por isso alguns fabricantes deixaram de os produzir, caso da Toyota, ou de os desenvolver, como o Grupo PSA.
No entanto, esse desenvolvimento permitiu que hoje estes motores tenham consumos e prestações melhores que os equivalentes alimentados a gasolina. Inclusivamente em termos ambientais. Em termos de emissão de partículas e de óxido de azoto (NOx), os dois tipos de motor estão hoje equiparados, no entanto, os diesel têm níveis de emissão de CO2 bastante inferiores aos motores a gasolina.
Isso indica que o tempo de vida dos diesel ainda não terminou, embora caminhe para isso. Recentemente a BMW confirmou que não vai abdicar deste tipo de motorizações.
OS ELÉCTRICOS
Não há dúvidas que o futuro do automóvel passa pela electrificação, mas também aqui nem tudo são rosas, a começar do chavão das “zero emissões”, que são um mito.
Podemos começar por aqui. A circulação de um automóvel eléctrico não tem emissões poluentes, isso é ponto assente, mas o mesmo não acontece com a sua produção.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Suécia aponta para que o fabrico das baterias de iões de lítio para o Tesla Model S P100D, com 100 kWh, são emitidos para a atmosfera 17,1 toneladas de CO2. Ainda é necessário acrescentar as emissões provenientes da produção de energia de fontes não renováveis. Mesmo assim, um eléctrico será sempre mais ecológico que um motor de combustão.
Outro problema dos eléctricos, pelo menos no curto prazo, é que a tecnologia das baterias de iões de lítio ainda não está desenvolvida de forma a tornar estes modelos acessíveis. Há até quem já chame os eléctricos dos novos premium, porque não estão ao alcance do grande público. De resto, olhando para o que o mercado oferece, é nesse segmento que está a maioria da oferta disponível.
Os eléctricos mais acessíveis custam em Portugal próximo dos 30 mil euros. Só isso indica que o fim dos motores de combustão não pode estar tão próximo quanto isso.
O factor autonomia está hoje mais esbatido do que há três ou quatro anos atrás. Entre os novos modelos, é comum encontrar eléctricos com capacidade para fazer perto de 400 km entre cargas completas. É mais ou menos o que faz um automóvel a gasolina com um depósito de 40 litros. O problema é que mais autonomia significa acrescentar baterias e isso encarece o produto final.
Por isso, os motores de combustão, mesmo quando deixarem de ser fabricados, ainda vão circular e ser comercializados durante muitos anos, pelo menos no mercado de usados.
OS HÍBRIDOS
A melhor alternativa para o imediato é ter menos baterias e substituí-las por um motor a combustão. Mas isso também significa que estes motores terão mais uns anos pela frente.
Os híbridos conseguem andar com “zero emissões” por períodos e em condições limitadas. Nas restantes situações o motor de combustão é a unidade principal, tendo por auxiliar o motor eléctrico, que contribui para uma menor necessidade de queimar combustível.
Esta é uma tecnologia mais amadurecida e, nesta fase, é a alternativa mais acessível em termos de preço. Além disso, um híbrido garante uma autonomia maior por depósito de combustível.
A CÉLULA DE COMBUSTÍVEL
Tecnologia alternativa é a célula de combustível. Aqui os princípios são os mesmos dos eléctricos, excepto nas baterias. Em vez de iões de lítio é utilizada uma célula de combustível que através de um processo químico do qual resulta água criar eletricidade.
A tecnologia de célula de combustível mais desenvolvida é alimentado por hidrogénio. E isso é, actualmente, um problema. O hidrogénio até é o elemento mais abundante no universo e alimenta, por exemplo, a actividade do Sol. Mas, aqui no planeta Terra, a forma em que mais se encontra é agregado ao oxigénio. Separar os dois elementos envolve um processo de electrólise que consome energia eléctrica, o que retira alguma eficiência ao processo de mover um automóvel a hidrogénio.
Outra dificuldade é o armazenamento. O Hidrogénio para ser utilizado como combustível tem que estar no seu estado líquido, o que só se consegue submetendo-o a elevadas pressões. Isso torna-o difícil de armazenar. Ambos os processos (a electrólise e o armazenamento) estão ainda em desenvolvimento, o que significa que, no futuro, esta tecnologia pode ser mais apelativa do que é hoje.
É que, a partir daí, são só vantagens. O hidrogénio é retirado da água e daí resulta oxigénio como subproduto. Na célula de bateria o hidrogénio reage com oxigénio para produzir electricidade e o subproduto é água pura, renovando o ciclo.
Embora já existam testes em automóveis, a questão do armazenamento faz com que o hidrogénio seja hoje pensado sobretudo para veículos de transportes públicos e de mercadorias. Há testes a decorrer em camiões, autocarros e até em comboios.
Mas, e se em vez de hidrogénio se utilizasse água salgada, eliminando o processo de electrólise? É isso que está a desenvolver uma empresa baseada na Suíça, a nanoFlowcell. Esta empresa desenvolveu uma bateria de célula de combustível que, em vez de funcionar com hidrogénio, funciona com água salgada ionizada. A água salgada é ionizada e separada em dois tanques, um com carga positiva e outro com carga negativa, a interação dos dois cria eletricidade e água. É o sonho do carro a água tornado realidade e, com mais de 150 mil quilómetros percorridos em testes, está pronto para chegar às estradas. Só que o preço ainda é proibitivo: 65 mil euros.