Cristina Soares: “A ciência não está feita enquanto não for comunicada”

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Cristina Soares é consultora e formadora independente em comunicação clara de ciência

Rubrica mostra o melhor da investigação feita sobre o Oeste ou por quem é dele natural. Consultora de comunicação de ciência é a primeira entrevistada

Vivemos tempos estranhos para a ciência: cortes no seu financiamento, ataques à sua veracidade, … Porém, há estudos que comprovam a eficácia dos “mass media” no aumento da confiança na ciência e da literacia científica do público em geral. Daqui resulta uma maior adoção de atitudes em prol da ciência e, finalmente, da própria democracia.
Gazeta das Caldas publica, nas próximas semanas, a rubrica semanal “Comunicar (com) Ciência”, na qual se dá a conhecer o melhor da investigação feita sobre o Oeste ou por quem é dele natural.

A “viagem” tem por objetivo desfazer o mito do cientista como um “rato de laboratório” e mostrar os projetos em que os nossos entrevistados participam. Tal como evidenciar que há cientistas que não usam bata branca e cujo laboratório são as bibliotecas ou os arquivos, os fundos marítimos ou os planaltos, entre outros locais com segredos por descobrir e de histórias por contar.

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Uma consultora que auxilia os investigadores a comunicarem para o público em geral é a primeira entrevistada. Não é algo de somenos, afinal, como a própria afirma, “a ciência não está feita enquanto não for comunicada”.

“Para que haja envolvimento do público, é necessário que os cientistas usem as palavras de todos os dias, e não as do ‘academiquês’.” É esta a grande batalha de Cristina Soares, consultora em comunicação clara de ciência há cerca de 10 anos.

Filha de caldenses, a residente em Óbidos, de 51 anos, sempre teve uma paixão pela escrita, apesar de ter seguido ciências no secundário e o curso de Engenharia Florestal e Gestão de Recursos Naturais no Instituto Superior de Agronomia (ISA).

“Clara Pinto Correia era o meu modelo. Mas há 30 anos não se falava de comunicação de ciência…”, recorda.

Durante vários anos, Cristina Soares trabalhou na sua área de formação, em concreto, em sistemas de informação geográfica e enquanto professora no Instituto Politécnico de Tomar (IPT). Porém, o término do contrato, aquando da intervenção da Troika, foi a ocasião para repensar a sua carreira.

Primeiro, entrou para uma agência de comunicação chamada “Português Claro”, hoje a “Claro”. Nesta, conheceu a Plain Language, ou Linguagem Clara, que lá era aplicada a conteúdos jurídicos e institucionais, e confessa ter-se “apaixonado”.

“O leitor deve conseguir compreender um documento escrito em linguagem clara logo na primeira leitura”, afirma a Federação Internacional de Linguagem Clara, no seu website.

“Há a ideia de que comunicar de uma forma clara é só simplificar jargão técnico e científico. Mas é muito mais”, esclarece a consultora.

Cristina reconhece que a academia comunica de maneira “extremamente formal (que é identitária)”, o que constitui uma “barreira entre os cientistas e o público”. Especialmente quando há um problema de literacia científica tão “grave” como o de Portugal. “Basta comparar os relatórios da OCDE de 1998 e de 2024: as diferenças são muito ténues”, realça.

Identificado o problema, a caldense decidiu criar a solução: cursos de como comunicar ciência direcionados a investigadores. “Sabe explicar de uma forma simples o que é uma molécula, ou a electrofisiologia, ou as alterações climáticas?”, é a pergunta que coloca… aos cientistas.

A consultora começou por colaborar com a sua faculdade para aplicar a linguagem clara à comunicação de ciência. Desde então, formou uma equipa e já trabalhou com duas dezenas de institutos de investigação em Portugal. E tem um podcast – “Palavrões da Ciência” – com o Sapo.

Está a doutorar-se em Comunicação de Ciência na FCSH-UNL Estuda como é possível comunicar ciência agrícola (como a nova técnica genómica, CRISPR/Cas9) a agricultores, através da linguagem clara, contando com a participação do Clube de Produtores Continente.

Não tem sido um caminho fácil, mas os resultados “fazem com que tudo valha a pena”. “Há dois anos, no âmbito de um evento do LEAF (ISA), convertemos 25 pósteres para linguagem e design claros. E, embora tenha havido alguma resistência, no fim, os investigadores ficaram contentes por ver que as pessoas faziam perguntas e se interessavam!”, remata.

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