Há cada vez mais estrangeiros que procuram o Oeste para viver e trabalhar. Fomos conhecer as histórias de alguns jovens que decidiram instalar-se na cidade das Caldas e arredores
Depois dos reformados oriundos do Reino Unido, da França ou de países do Norte da Europa, há uma nova vaga de estrangeiros a atingir a nossa costa. São jovens – alguns deles já pais -, viajados, amantes da natureza e adeptos de um estilo de vida simples, saudável e sustentável, com estudos superiores e carreiras promissoras, e que descobriram no Oeste o poiso ideal. Querem dinamizar e enriquecer a região com os seus conhecimentos e projetos, dignos de serem partilhados. Quer ficar a conhecer a história de alguns dos seus novos conterrâneos?
Layla Luna tem 17 anos, é brasileira, nasceu em São Paulo e é artista. Veio para as Caldas da Rainha há quatro anos, com a família, depois de o irmão ter saído de casa para estudar em Londres. Quando as saudades começaram a apertar, e estando numa fase da vida favorável à mudança, a família decidiu mudar-se para a Europa e a escolha foi Portugal: afinal, tem a mesma língua, é um país mais seguro e, tendo um primo a viver em Lisboa que lhes dava o melhor feedback, sentiram que era o mais acertado a fazer, e a verdade é que não estão nada arrependidos.
“É tudo muito mágico e especial aqui, para mim. Uma das melhores coisas que a gente fez foi mudar-se para cá”, confessa a jovem, que estudou teatro no Brasil. E foi o irmão que descobriu as Caldas e encontrou a casa para a família, que, durante o seu primeiro ano, residiu na Foz do Arelho, e agora mora no centro, para estar mais perto da escola. A cidade é fonte de inspiração para a estudante de Artes Visuais na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, que gosta muito de passar as suas tardes, depois das aulas, a pintar no Parque D. Carlos I com as amigas, um local que a apaixonou desde o primeiro momento: “A primeira vez que visitei o parque, nunca me vou esquecer, fiquei admirando as árvores, o seu tamanho…”, recorda.
Ali bem perto, no Silos Contentor Criativo, encontramos Jazz Meyer, no seu ateliê de joalheira. A australiana, de 32 anos e licenciada em “Film and Screen Media Production”, reside nas Caldas há um ano, com o companheiro, mas há quatro que já anda por terras lusas, depois de ter vivido igual temporada em Berlim. “Mudei-me para Portugal para comprar um terreno e viver ‘fora da rede’, e para escapar ao inverno alemão. A maior parte do trabalho que tenho feito na vida tem sido muito mental e desejava fazer algo mais tangível. Adorei construir quando vivi ‘fora da rede’”, explica.
Depois de ter vivido em diferentes comunidades hippie em Castelo Branco e no Algarve, acabou por vir para o Oeste, onde o parceiro vivia antes. Considera que a região é um “equilíbrio perfeito entre cidade e aldeia, com muitas pessoas jovens, onde há muitas oportunidades para os artistas, muitos eventos, mas sem a agitação da cidade”. Apesar de viver num apartamento no centro, perspetiva a compra de um terreno, lamentando os preços elevados na zona de Caldas da Rainha. Atualmente, conjuga o ofício de joalheira, que iniciou de forma autodidata há dois anos, com o trabalho de escritora freelancer para diversos sites, como “Bolde”, “Beducated” ou “NFT Insider”, para além de ter publicado um livro sobre o método de Comunicação Não-Violenta (“Handbook da Comunicação com Compaixão”, em tradução livre), desenvolvido pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg.
A mudança também atingiu a vida de Franz Gastler, de 41 anos, um ativista social originário do Minnesota, quando a esposa, Rose Gastler, de 33 anos, engravidou. O casal estava a residir em Jarcanda, na Índia, onde o norte-americano fundou a “Yuwa-India”, focada em prestar “apoio às raparigas para tomarem as rédeas do seu futuro através da educação e do desporto”. Foi em 2009 que criou a Organização Não Governamental (ONG), com três amigos, após se dar conta de que, especialmente na região onde estava a trabalhar, numa ONG focada na agricultura, a KGVK, as vidas dos rapazes e das raparigas eram drasticamente diferentes, pois, “enquanto eles se divertiam, elas trabalhavam para a família”.
Hoje, a organização conta com 600 raparigas no programa desportivo, com idades entre os 4 e os 17 anos, treinadas por 33 raparigas mais velhas, e com 100 a frequentar o programa escolar, desenvolvido por Rose, sendo que o acesso não é vedado aos rapazes. A organização já recebeu vários prémios, mas o maior é ver a diferença que tem causado na vida das jovens. “Agora, temos as nossas graduadas, raparigas cujas famílias nunca concluíram o ensino secundário, e temos duas raparigas a estudar Gestão em Berlim e outras um pouco por todo o mundo”, refere o alumnus da universidade de Harvard, destacando que, “se alguém quer fazer alguma coisa para mudar o mundo – combater a pobreza, as alterações climáticas, o tráfico humano, o casamento infantil ou a iliteracia – deve começar por educar as raparigas”.
Depois de casarem, em 2017, perceberam que não tardaria até terem de partir, porque aquele não era um local seguro para criar os filhos que desejavam. Rose engravidou no final de 2018, tendo dado à luz nos Estados Unidos, e o plano era mudarem-se para a Tailândia. Porém, com a pandemia, acabaram por voltar para o seu país, onde permaneceram até abril deste ano. O custo de vida não se compadecia com os seus rendimentos e, apesar de gostarem da quinta onde estavam a viver, não se identificavam com a ideologia conservadora do local. Foi assim que a Península Ibérica surgiu nos seus planos. A lua de mel já tinha sido passada em Portugal, que acabou por ser o escolhido, bem como as Caldas da Rainha (ou arredores), célebre entre grupos de Facebook de estrangeiros a residir no país, e na qual reconheceram “educação com qualidade e uma mistura de pessoas de sítios diferentes, mas sem ter muito turismo estrangeiro, como Lisboa, Porto ou o Algarve”.
Descobrir casa para arrendar não foi tarefa fácil, mas a oportunidade perfeita acabou por surgir, a 50 metros da praia de São Martinho do Porto. Já se ambientaram e fizeram amizades com pessoas locais e estrangeiras, e sentem-se aliviados em termos financeiros: a renda da casa é 1.000€ mais barata que a que pagavam nos Estados Unidos. O fuso horário é favorável à prática do teletrabalho para a sua ONG, e a pequena Leona, de 3 anos, a filha mais velha, já está na Escola da Floresta da Biogleba, feliz com os novos amigos e a aprender Português a passos largos. “Esperamos ficar aqui permanentemente”, remata Franz Gastler, ao qual já se juntaram os sogros e os cunhados, estando os pais para breve.
Embelezar a cidade com a arte
Jazz Meyer participou, recentemente, no Bazar à Noite, vendendo colares com pedras como a ametista ou o quartzo rosa ou com símbolos pagãos, entre outras bonitas joias, a maioria feita em prata reciclada, obtida a partir de joias velhas, eletrodomésticos ou máquinas médicas inutilizáveis. “A joalharia pode ser muito empoderadora, porque é uma declaração pessoal, e quando a pessoa sente uma conexão ao significado da peça que está a usar, ela torna-se um lembrete da intenção, qualquer que ela seja, que a pessoa definiu para si”, explica, acrescentando que “as artes, nomeadamente a joalharia, mesmo produzindo itens de luxo, podem ser sustentáveis e éticas”. Conta voltar a marcar presença na próxima edição. “O Bazar à Noite é o meu evento preferido, adoro esta feira”, declara, sorridente.
As festas do concelho também têm contado com a presença de Layla Luna e da sua arte, que as embeleza com as suas cores vibrantes e as alusões à natureza (e à Foz do Arelho) e ao mundo do sonho: um trabalho fruto de um dom que vem praticando e desenvolvendo por si mesma desde que se lembra. A pintora esteve na banca do Sporting Clube das Caldas nas Tasquinhas e na Feira dos Frutos a expor e vender os quadros, acessórios e cadernos decorados por si, e até pintou ao vivo. “Quero muito levar a felicidade para a arte, quero que as pessoas se sintam gratas por a ver, que elas se lembrem de algum momento bom, de alguma pessoa boa. Quero levar isso para a sua casa”, afirma. As Tasquinhas foram a sua primeira grande estreia pública, que não podia ter corrido melhor. Entre as várias pessoas que passaram pela sua banca, houve uma visita constante cuja identidade só seria revelada no dia derradeiro, por um admirador e ex-aluno seu: Viriato da Silveira, o escultor e pintor residente nas Caldas há vários anos, que a visitou em todos os dias do certame e, no último, lhe ofereceu um bloco com desenhos seus, para a inspirar… ■
Caldas é o segundo concelho do Oeste com mais estrangeiros
Em cinco anos, mais do que duplicou a população estrangeira residente. Mas Torres Vedras lidera nos números totais
Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos à população estrangeira com estatuto legal de residente em Portugal indicam que há cada vez mais estrangeiros a procurar o Oeste, e as Caldas da Rainha em particular, para viver. Em 2021, o último ano com dados disponíveis, estavam recenseados na região 23.487 estrangeiros, que representavam 6,4% da sua população total. A população das Caldas tinha 7,8% composta por cidadãos de origem estrangeira: 3.998.
Os números da população estrangeira a residir na zona Oeste têm vindo a crescer desde 2016 (12.481), ano em relação ao qual houve uma quase duplicação
Para esta tendência têm contribuído os fluxos de imigração oriundos do Brasil (país que retomou a vinda para Portugal após um período de maior emigração deste país, especialmente desde 2011, devido à crise financeira), tal como dos países do Sul Asiático (Índia e Nepal) e da Europa (Reino Unido, França), excetuando os países de Leste, que têm registado uma emigração em massa de Portugal desde cerca de 2009.
Também a cidade termal acompanhou a tendência de aumento dos imigrantes com estatuto de residentes, situando-se, uma vez mais, acima da média oestina, com um crescimento de 116% em comparação com 2016 (2.275).
Nos 12 concelhos da Comunidade Intermunicipal do Oeste, Caldas é o que regista o maior crescimento relativo de imigrantes, seguido da Nazaré (111%) e da Lourinhã (106%), e em termos absolutos apenas é superado por Torres Vedras que, em 2021, foi casa para 5.575 imigrantes.
Em 2021, havia 509 pessoas do Reino Unido a residir nas Caldas, 313 de França, 122 de Itália, 50 de Espanha, 306 da Ucrânia, 63 da Roménia, 49 da Moldávia e 567 de outros países europeus.
Em relação ao continente africano, o país mais prevalente é Angola (87), seguido de Guiné-Bissau (80), São Tomé e Príncipe (27), Cabo Verde (25) e, por fim, Moçambique (9), havendo 43 pessoas oriundas de outros países africanos não listados.
Destaca-se, ainda, o Brasil, com 1.233 indivíduos a residir no concelho, para além de haver 206 caldenses naturais de outros países do continente americano. A Índia, com 112 representantes, já ultrapassou a China (91), mas a comunidade nepalesa também tem crescido (53). A estes juntam-se ainda 46 habitantes provenientes de outros países asiáticos. ■
