O sector do bar está a crescer. Há mais espaços a abrir, há mais marcas de bebidas a circular e a procura pela profissão de barman também aumentou. Hoje, o desafio de servir uma bebida não está apenas em saber combinar os sabores, mas também em proporcionar uma experiência ao cliente, principalmente através da apresentação do cocktail. É o que nos diz o caldense Emanuel Minêz, barman profissional há 22 anos, proprietário do Cais da Praia e co-gerente do Sétima Vaga e do Red Frog. Este último espaço, em Lisboa, foi eleito este ano pela Time Out o melhor bar do país.
“Nos últimos quatro anos a indústria do bar tem vindo a crescer, estão a surgir muitas marcas novas e o interesse pela profissão também aumentou. Não só em Portugal, mas por todo o mundo”. Palavras de Emanuel Minêz, 36 anos, barman há 22.
O caldense recebe-nos no Cais da Praia, bar que abriu em 2006 e o qual descreve como o seu “menino de ouro”. O contacto com a profissão começou sete anos antes, em 1995, no Solar da Paz. Emanuel Minêz era lá copeiro. Também trabalhou no Sétima Vaga (hoje é um dos seus sócios) e ainda uns fins-de-semana no Green Hill.
Em 2015 decidiu investir com Paulo Gomes num bar em Lisboa. Chama-se Red Frog e foi este ano considerado pela revista Time Out como o melhor bar do país. Já lá iremos.
Emanuel Minêz compara o boom do bar com a explosão que já houve na cozinha. “Da mesma forma que de repente começaram a surgir muitos chefes, actualmente o bar também está a assumir um papel de evidência”, diz o barman, que desde 2014 organiza o Lisbon Bar Show, o maior evento de bar em Portugal que traz ao nosso país profissionais de todo o mundo.
Menos bom é que esta não é ainda uma profissão que seja bem muito bem paga. Um barman recebe entre 650 e 1500 euros se trabalhar em Portugal.
Mas as exigências são cada vez maiores. “Hoje a nossa preocupação vai mais além do que apenas servir o cocktail. O desafio é criar uma história à volta da bebida e proporcionar uma experiência ao cliente”, afirma Emanuel Minêz, realçando que na apresentação de um cocktail todos os pormenores contam. Detalhes como o peso e o design do copo, os perfumes que aromatizam as bebidas e permanecem depois na ponta dos dedos do cliente, ou o logotipo do bar que vem queimado na casca de um limão, contribuem para criar uma experiência que vai além da qualidade da própria bebida.
Na apresentação do cocktail inclui-se ainda a apresentação do próprio barman. Neste aspecto não existem regras. Importa apenas ter uma aparência cuidada, mas o estilo pode variar conforme o conceito do bar: se o ambiente é mais ou menos descontraído, o barman poderá usar uma t-shirt com avental por cima, ou então uma camisa e um laço ao pescoço. “Mas se eu sou de uma geração em que as tatuagens não eram bem vistas, hoje aquilo que realmente nos importa é a competência de uma pessoa”, refere Emanuel Minêz.
EDUCAR O PALADAR PARA O AMARGO E PARA OS CLÁSSICOS
Quanto ao sabor, o segredo de um bom cocktail está no seu equilíbrio. Os sabores devem estar bem ligados para evitar que a experiência seja uma desilusão porque a bebida sabe a pouco ou então porque é demasiado agressiva ao paladar.
Especialmente os portugueses estão habituados às bebidas doces e a cocktails cheios de açúcar. Veja-se os mojitos, as caipirinhas, ou as piña coladas. “Há cada vez mais a preocupação em educar as pessoas a gostarem do amargo”, explica Emanuel Minêz, acrescentando que da mesma forma é importante educá-las a gostarem dos clássicos.
“É que muitos consumidores anseiam pela próxima moda, saber o que vem a seguir ao gin tónico. Esqueçam isso. O que era bom é que soubessem quais são os cocktails clássicos”, acrescenta o barman, dando como exemplos o mojito, o daiquiri, a margarita, o negroni, o old fashioned e o gin fizz.
O mesmo conselho é dado aos jovens aspirantes a profissionais de bar: antes de se preocuparem em criarem cocktails de autor, às vezes caindo no erro de pegarem em receitas que já existem, preocupem-se em saber fazer um bom clássico.
“E os vídeos do Youtube não são suficientes para aprender todas as técnicas. É preciso estudar”, adverte Emanuel Minêz. O barman tem o seu currículo cheio de formações, incluindo um curso na New York Bartending School, e a ida a muitas feiras internacionais, a países como Paris, Londres, Berlim, Grécia, Espanha e Estados Unidos. Juntam-se todas as viagens que já realizou, todos os ingredientes estranhos que já provou – alguns causadores de intoxicações alimentares graves – e todos os bares que já visitou. Só no ano passado, em quatro dias, Emanuel Minêz visitou 22 bares em Nova Iorque.
Aos jovens que trabalham consigo, o barman faz questão de transmitir conhecimentos. Cria-lhes desafios, mostra-lhes vídeos e fornece-lhes conteúdo para que estudem em casa. Faz com os seus funcionários aquilo não fizeram consigo, na altura em que dava os primeiros passos atrás do balcão. Numa crítica aos barmen da velha guarda, Emanuel Minêz afirma: “viravam-nos as costas para que nós não víssemos como eles faziam, não partilhavam conhecimentos porque tinham medo que lhes roubássemos o lugar. Foram pessoas que travaram o nosso trabalho e a evolução desta profissão”.
“HÁ INGREDIENTES QUE AS PESSOAS NEM FAZEM IDEIA”
Beterraba com chocolate e coco. Tinta de choco com durian. Podem-lhe parecer combinações improváveis, quanto mais conjugadas num cocktail. Mas o facto é que existem e funcionam. Hoje em dia, os bartenders trabalham com técnicas e ingredientes próprios da culinária e chegam-lhes às mãos “produtos que as pessoas nem fazem ideia”, afirma Emanuel Minêz.
Estão em voga os ketchups – imagine um com sabor a ananás – e os sabores fumados. Mas também é possível incluir queijo num cocktail, ou fazer num whisky uma infusão de bacon ou presunto. As possibilidades são infinitas. Mas ao contrário do vinho, que casa com a gastronomia, ainda não existe um mercado que aposte a sério na combinação dos cocktails com a comida.
De um vasto conjunto de utensílios de bar, Emanuel Minêz – que também já foi finalista da competição Barman do Ano – destaca os básicos que qualquer iniciante deve ter em casa: colher de bar, coador, strainer, abre-garrafas, shaker, balde de gelo e pinça são os essenciais para começar.
Barman há 22 anos, Emanuel também já experimentou outras profissões. Foi técnico de informática e trabalhou na área das telecomunicações, mas nunca encontrou nestes empregos o sentimento de satisfação que lhe dão os cocktails. “Foi nas alturas em que tentei mudar de vida, que tive a certeza que barman era a minha profissão”, revela.
Emanuel Minêz é também um apaixonado pela Foz do Arelho. É aqui que vive e de onde não se imagina a sair, mesmo que invista em bares noutros locais.
Red Frog: três anos para entrar nos 50 melhores bares do mundo
Foi esta a meta colocada por Emanuel Minêz e Paulo Gomes (este considerado pela Time Out o melhor bartender do ano) quando abriram o Red Frog, em 2015.
Localizado na Avenida da Liberdade, o Red Frog é um “speakeasy” inspirado nos bares americanos do período da Lei Seca. Nos anos 20 e 30, nos Estados Unidos, as bebidas alcoólicas foram proibidas, mas as pessoas continuavam a consumir clandestinamente em bares descaracterizados. É este o espírito recriado no Red Frog, onde o cliente toca a campainha para poder entrar e, lá dentro, não encontra qualquer janela virada para o exterior.
O Red Frog é um bar de cocktails de autor. Por isso mesmo, não há nenhuma torre de cerveja e a máquina de café só é utilizada quando o cliente pede por favor. O objectivo é servir cocktails.
“Os nossos menus são sazonais, o que significa que temos uma carta de Junho a Novembro e outra de Dezembro a Maio”, explica Emanuel Minêz, realçando que cada carta é composta por 26 cocktails, dos quais 23 são receitas novas.
Também não se repetem as apresentações, o que implica que haja sempre novidades mesmo ao nível dos copos e taças utilizados. “Estamos sempre na vanguarda e em Portugal queremos ser o ponto de observação para aquilo que está a ser feito internacionalmente”, acrescenta o responsável, revelando que os sapos vermelhos que são a imagem de marca deste bar são encomendados à fábrica Faiobidos.
Sobre a possibilidade de abrir um bar como o Red Frog no Oeste, Emanuel Minêz diz que é ainda precoce pensar nessa hipótese. “A região não suportaria um conceito tão específico, embora note que há cada vez mais preocupação dos nossos bares em arriscar em novas bebidas”, refere.M.B.R.