Gonçalo Ribeiro Teles (1922–2020)

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Professor e arquiteto na entrevista concedida à Gazeta das Caldas | Arquivo
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Em março de 1989, arquiteto visitou as Caldas, a convite da Gazeta, para olhar a fundo a cidade

Numa iniciativa que pretendíamos repetir periodicamente, de trazer às Caldas personalidades nacionais para visitar e falar da nossa cidade, a primeira e única escolha recaiu sobre o arquiteto e professor Gonçalo Ribeiro Teles, que faleceu na semana passada.
Gostávamos de o recordar, pois várias vezes manifestou simpatia pelo nosso jornal, inclusive sendo nossa testemunha de defesa num momento em que um autarca nos moveu um processo por abuso de liberdade de imprensa. Nesse processo fomos ilibados totalmente pelo Tribunal e o Prof. Ribeiro Teles, como outras personalidades do país e da região, mostraram a sua inteira solidariedade connosco.
Mas dizíamos que em março de 1989, Gonçalo Ribeiro Teles visitou longamente a pé a cidade, passando por vários pontos sensíveis, bem como pelas zonas históricas, alargando essa visita ao concelho, “com passagem obrigatória pela Lagoa de Óbidos, Foz do Arelho, Salir do Porto e Paúl de Tornada”, que foi o que o tempo permitiu.
Como o jornal referiu na altura “incrível”, “impossível”, “inacreditável” foram as palavras mais pronunciadas, perante os muitos dos casos quentes da época, permanecendo muitos até hoje, agravando-se outros. Entre as referências concretas, uma reforçou a posição defendida em tempos passados pelo escultor João Fragoso de manter o Hotel Lisbonense (que na altura era discutida a sua demolição), considerando que o mesmo fazia parte integrante do Parque, devendo sim ser demolida a Casa do Benfica, como aconteceu, (para abrir “aquela fachada do hotel”) e passar a rua fronteira do Hotel para as suas traseiras, o que nunca aconteceu.
Depois uma ideia inovadora, que se apressaram a inviabilizar, e se tratava de recuperar o Rio do Avenal, que passava junto ao antigo Hospital de Santo Isidoro (tendo ficado muito desagradado com o estado de degradação que então ostentava), tendo premonitoriamente dito: “Bastava pôr árvores, de um lado e de outro para o ensombrar e evitar os despejos. Assim o que se prepara é a vinda aí de uns patos bravos a dizer que é preciso encaná-lo e perde-se um veio fundamental”, concluindo: “A culpa é da Junta dos Recursos Hídricos que não liga nada a estas coisas.”
Na visita estava o caldense João Bonifácio Serra, que integrava a Comissão Instaladora da ESAD e que coincidia naquela pensamento dando força às palavras do Arq. Ribeiro Teles, recuperando para aquela escola parte destas ideias.
Quando se caminhava para o Atelier António Duarte, mostrou-se desagradado com o mamarracho que se perspetivava para ali e que iria cortar toda a visão do vale, reafirmando: “Não faz mal que construam aqui por detrás, o que é preciso é deixar o vale livre e permitir uma leitura da paisagem e é indispensável que fique a mata porque isso está integrado.” E continuou: “É uma pena se isto (Ateliers António Duarte e João Fragoso) não ligar ao outro lado, visualmente.“ Voltou a defender a criação de um corredor cultural que iria desde o CENCAL até à estação da CP.
Na entrevista que deu à Gazeta, defendeu que a herança patrimonial que tinha as Caldas não se devia ver como elementos pontuais.
“Tem de ser visto com uma articulação de conjunto. Portanto. o parque vive porque tem o hospital, vive porque existe o hotel Lisbonense, o parque tem justificação com a sua ligação à mata, a mata tem justificação com a ligação aos ateliers de escultura. A vista que se disfruta dos ateliers de escultura até ao Hospital de Santo Isidoro deve-se manter. Quer dizer, só esta interligação é que pode valorizar todo o conjunto. É fácil o património ser atacado quando não é visto nesta visão global.”
E acrescentou: “A fazer-se uma recuperação do Património – que é possível ainda – a preocupação será face a este trajeto. Se não tiver esse trajeto… enfim… tudo se pode salvar, mas em lugar de ser um património vivo passa a ser um património museológico, ou seja morto, mesmo que dentro da cidade”.
A entrevista era bem longa, aproveitando o professor para dissertar sobre as ideias que tinham constituído a coluna vertebral da sua atuação no país, e que pode merecer ainda hoje a atenção dos estudiosos da cidade.
Neste momento do seu passamento, Gazeta das Caldas gostava de lhe testemunhar a muita estima e reconhecimento pelo seu valor e as suas lutas, algumas associadas ás nossas como da Luta Contra o Nuclear, bem como da preservação ambiental e do espaço rural, que nem sempre o país reconheceu devidamente.


Continuamos a caminhar, amigo Gonçalo

António Eloy
Antigo vereador do MPT em Lisboa

Ainda com os olhos húmidos penso, penso nos vários momentos que passámos. Quando depois de testemunhares sobre as desgraças que se estavam a fazer em Caldas, no nosso julgamento me agarras no braço e me dizes à orelha, “António, não sei se menti”, eu disse-lhe “então Gonçalo? “Pois disse que te conhecia de sempre…” E era verdade, o sempre é a idade do conhecimento, lembro-me bem na Gulbenkian, em 1979 quando o Luís Coimbra nos apresentou, a propósito da nuclear e do Alqueva, duas das muitas, muitas lutas que nos uniriam para sempre.
Depois quando te assessorei no Parlamento, onde apresentámos vários requerimentos, ou te substituía na vereação, e recordo, a propósito outra tua quando me contas: ”ontem o Rui Godinho (da vereação do PCP) veio fazer-me queixa tua, disse-me que bastou uma substituição e já apoiamos o Abecassis”. Depois dele me explicar disse-lhe:“ O António fez muito bem, eu teria feito o mesmo!” Era a propósito da limpeza das paredes de Lisboa! das pintadas revolucionárias.
A penúltima vez que nos vimos foi no Parque de Caldas, onde te trouxe várias vezes, e onde temos testemunhos teus inolvidáveis sobre a construção da cidade e da sua lógica e aí falámos dos nossos, da nossa velha guarda, alguns já em memória, outros a continuar a tua, as nossas lutas.
Ainda estivemos juntos num almoço há três anos, no teu aniversário (o 95º?) onde recordo o teu olho sempre vivo e a atenção que nos dedicaste e a amizade do fundo da alma. Despedimo-nos com dois ósculos que nos tinham passado a ser habituais.
Escrevo e os olhos voltam a estar húmidos, a alma grata pelos momentos e até as zangas, poucas que tivemos e até escrevemos (no Diário de Notícias) na mesma página, em colunas opostas, opostos também no tema, mas irmanados na civilidade, tu contra a Interrupção Voluntária da Gravidez…. Eu a favor ou quando em tua casa me pedes para apreciar o prefácio que escreveste para o meu livro “Planetas Vivos são Difíceis de Encontrar” e eu algo temeroso, desse, pois embora em tudo o resto o nosso acordo fosse total, tinha um capítulo a defender a regulamentação de todas as drogas…. que nem sequer te preocupou, mas pois não os outros, todos os outros.
O teu pensamento querido “tio” e amigo Gonçalo vinha de traz, vinha do fundo do conhecimento da natureza e do tempo desta e do que o homem com eles faz.
A memória são os momentos em que o pensamento se continua. Vamos continuar.

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