“Hoje é fácil ser ambientalista”

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As ações ambientais do Greenpeace despertaram, no então jovem caldense, Paulo Lemos, a preocupação pela área, que nunca mais abandonou. Licenciado em Direito, foi secretário de Estado do Ambiente e atualmente exerce funções na Comissão Europeia. Esta semana é o diretor convidado da Gazeta das Caldas

 

Quando é que começou a sentir preocupação com as questões ambientais?
Penso que despertei para as questões ambientais graças ao Greenpeace. Na altura a caça a baleia não tinha ainda sido proibida e impressionava me o massacre que estava a acontecer destas maravilhosas criaturas e a coragem dos militantes do Greenpeace que se interpunham, nos seus pequenos botes de borracha, entre os navios com arpões e as baleias. Sonhava um dia estar num desses barcos. Mais tarde, como presidente da Associação de estudantes do Liceu organizei uma campanha sobre ambiente na qual participou o saudoso Prof. João Evangelista. Esta campanha levou-me a entrar em contanto com o Eng. Carlos Pimenta que estava a organizar, dentro do Instituto do PSD, o que agora chamamos um think thank ambiental. Comecei a trabalhar com ele e tenho muito orgulho de me considerar um discípulo do Carlos Pimenta. Mais tarde este think thank evoluiu para uma associação ambiental que ainda existe: o Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).

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Integrou associações ambientais locais. Como foi essa experiência?
Sim fui um dos fundadores da Associação PATO que teve um papel de destaque na preservação do Paul de Tornada e na educação ambiental. As associações locais são essenciais para identificar e ajudar a resolver os problemas locais e regionais. Portugal tem um deficit de participação social e as associações nacionais não tem os recursos para se ocuparem de problemas locais ou regionais ligados ao ambiente e ordenamento do território. Enquanto fui presidente do GEOTA a nossa política foi sempre ou de ajudar a criar associações locais ou estabelecer parcerias com associações já existentes de modo a que o GEOTA pudesse apoiar a divulgação dos problemas locais e regionais a nível local.

Há alguma história ou episódio mais “caricato” das lutas que travou que possa partilhar?
Uma das lutas que mais me motivou foi contra a intenção do Governo espanhol de instalar um depósito de resíduos radiativos em Aldeia D’ Avila junto ao Douro. Conseguimos mobilizar as principais associações ambientalistas portuguesas e espanholas e desenvolvemos várias atividades. Numa dessas ações conseguimo-nos infiltrar uma reunião de alto nível do Conselho de Europa e oferecer a cada chefe de delegação uma garrafa de vinho do Porto com o símbolo de radioativo.
Outro episódio interessante ocorreu enquanto exercia funções na Divisão do Oeste da Direção Regional do Ambiente durante uma sessão de esclarecimento, com a Guarda Florestal, no Vau, sobre a proibição da caça nas margens da Lagoa. Mal comecei a falar, numa sala cheia, deu-se um motim que, felizmente, não envolveu confrontos físicos. Alguns caçadores tinham espalhado falsa informação e manipulado a população local. Se a caça não tivesse sido proibida não teríamos hoje flamingos e outras espécies de fauna e avifauna raras como a águia pesqueira.
Ainda a nível local, após termos dado parecer desfavorável a um projeto de construir um edifício com quatro andares para substituir a moradia junto ao Hotel do Facho, na Foz do Arelho, fui acusado de fundamentalismo por um destacado autarca local. Para além da questão de ordenamento do território invocamos a instabilidade geológica da área. Poucos dias depois, uma grande chuvada provocou o deslizamento de terras junto à moradia. Ainda hoje é visível. Isto é o fundamentalismo.

O assoreamento da Lagoa de Óbidos é um dos problemas crónicos da região? Que solução perspetiva para o seu futuro?
O assoreamento é um processo natural, obviamente agravado pela intervenção humana. Não há dúvida que vai continuar e terá de ser minimizado com dragagens de fundo. A última dragagem, cujo financiamento foi aprovado enquanto eu era Secretário de Estado, foi muito importante não só porque, ao fim de muitos anos, os braços da Lagoa foram também dragados, mas porque os dragados foram enviados para o mar em vez de colocados nas margens ou transportados (com custos económicos e ambientais elevados) para deposição noutro local. Eu sei que foi desagradável enquanto durou mas constituiu um contributo importante para reduzir o défice de areia da nossa costa provocado, entre outros, pelas barragens e pontões.
Em paralelo eu sempre fui sempre um grande defensor da aquisição de pequenas dragas para assegurar a manutenção dos canais. O investimento inicial nas dragas será amplamente recuperado ao permitir que o espaço entre grandes dragagens se alargue. Do ponto de vista do ecossistema, a manutenção dos canais permitirá melhorar a qualidade da água e reduzir o assoreamento.
Finalmente, é fundamental ordenar e reabilitar as margens da Lagoa e dos rios da sua bacia hidrográfica para reduzir o assoreamento e aumentar a biodiversidade.

Uma solução que foi estudada era a construção de um pontão, com o qual não concordou na altura. Mantém a sua posição relativamente a uma solução com mais impacto paisagístico?
A solução do pontão é uma solução de engenharia dura e não teria apenas consequências paisagísticas. Os estudos apontavam para um crescimento da praia da Foz à custa da destruição das praias a sul. Como a deriva de areias se faz predominantemente de Norte para Sul o pontão impediria que uma boa parte da areia chegasse às praias de Óbidos e Peniche. Segundo o estudo recente do Space for Shore o areal entre a Lagoa de Óbidos e a praia do Baleal tem vindo a mostrar uma tendência de recuo em cerca de 2,1 metros por ano. Igualmente não existem garantias que o pontão não viesse a ser destruído ou assoreado.

A eletrificação da Linha do Oeste é determinante para o desenvolvimento sustentável desta região?
Sem dúvida e lamento que tenha demorado tanto tempo. Foi um dos grandes erros dos vários governos não se ter apostado na ferrovia. Veja-se a revolução que ocorreu em Espanha. Dum ponto de vista ambiental será fundamental para descarbonizar o nosso sistema de transporte. Espero é que não venha tarde. Basta ir à estação da Rodoviária para ver que existem ligações a Lisboa quase de 15 em 15 minutos.

Quais os maiores desafios, em termos ambientais, que se colocam ao Oeste? E a Portugal?
A resposta mais óbvia será as alterações climáticas, provocadas pela crescente emissão de gases com efeito estufa, que terão impactos globais e locais. Na nossa região já sentimos algumas consequências como o recuo do litoral, a falta de água e os incêndios.
No entanto a principal causa da crise ambiental que enfrentamos é o modelo linear de economia (também chamado de sociedade de consumo), que existe desde a primeira revolução industrial, baseado numa crescente extração de recursos naturais que são transformados e consumidos e que, posteriormente, saem do circuito económico na forma de resíduos, poluição e emissões.
Apesar de mitigado por legislação que limita as emissões, por uma melhor gestão dos resíduos e o aumento das taxas de reciclagem, este modelo linear mantém-se intacto e tem mesmo vindo a expandir-se com crescentes níveis de consumo associados a uma redução do tempo de vida de muitos produtos colocados no mercado.
Assim, resolver a questão energética e climática através da substituição das fontes de energia fóssil por fontes de energia renovável não será suficiente sem, simultaneamente, se reduzir o consumo de recursos.
Para atingir uma transição para um modelo de economia mais sustentável e circular é fundamental apostar em políticas que procurem reduzir o consumo de materiais e aumentar o ciclo de vida dos produtos promovendo a sua durabilidade, reutilização, reparação e a reciclagem. Por exemplo, o período médio de vida de um smartphone na UE é de três anos. Se todos usassem mais um ano o mesmo telemóvel poderíamos poupar cerca de 2 milhões de toneladas de emissões de CO2.
Esta mudança de paradigma é um desafio para governos, regiões, cidades empresas mas também cidadãos. As escolhas que fazemos quando nos deslocamos ou compramos (ou não compramos) produtos podem fazer a diferença.

O que é para si uma cidade (região) verde, ecológica e sustentável?
O foco das políticas urbanas e regionais deverá proporcionar níveis elevados de qualidade de vida aos seus cidadãos através de uma melhor gestão do respetivo metabolismo urbano. Ao mesmo tempo, devem contribuir para a redução dos desequilíbrios ambientais existentes.
Estas políticas devem ter uma abordagem holística que envolva a gestão de resíduos, a economia da partilha, o uso eficiente de recursos, a transição energética (eficiência energética e a produção de energias renováveis). Outras ações prioritárias incluem a qualidade do ar, a criação de mais espaços verdes a adaptação às alterações climáticas, a mobilidade sustentável, a promoção da proximidade na produção de produtos e alimentos e a redução do desperdício alimentar.
Para adotar estas políticas é necessário compreender e gerir o espaço urbano, o que implica que as cidades se tornem mais inteligentes, isto é, sejam capazes de utilizar as tecnologias de informação e comunicação para avaliar e corrigir o seu desempenho.
Uma cidade ou região sustentável é mais habitável, mais próspera, mais atrativa para visitantes e investidores, mais inclusiva, mais convivial e mais resiliente.
Em que medidas as diretrizes e políticas europeias são determinantes para o desenvolvimento sustentável do país?
Tem sido uma experiência muito interessante trabalhar na Comissão num período tão desafiante que incluiu eventos tão marcantes como o COVID e a guerra da Ucrânia. O que mais me impressionou foi que, apesar dos apelos de alguns sectores para a redução da ambição ambiental na sequência destes eventos, esta Comissão defendeu o contrário: mais ambição ambiental e climática.
A implementação do Pacto Ecológico Europeu, apresentado em 2019, é um bom exemplo. Inclui, entre outras, medidas de combate às alterações climáticas de modo a que a União Europeia, em 2050, se torne neutra em termos de emissões de gases com efeito estufa, de promoção da economia circular, redução de químicos perigosos, promoção da biodiversidade, combate ao desperdício alimentar. A Presidente da Comissão, Von der Leyen, considerou o Pacto Verde como “o momento homem na Lua da Europa”, uma alusão ao discurso em que o Presidente dos EUA, John Kennedy, apresentou a visão de colocar um homem na Lua até ao fim da década de 60 e referia que tomava esta decisão não porque era fácil mas porque era difícil. Significa que o Pacto Ecológico será um instrumento para uma mudança estrutural da economia europeia para ser mais sustentável, competitiva e resiliente.
A Comissão é assim uma instituição que propõe legislação mas, sobretudo procura inspirar os Estados Membros a adotar as reformas fundamentais para transformar a nossa economia. Ao mesmo tempo, disponibiliza fundos que ajudam a financiar estas reformas.

No início da década de 80 criou o jornal da associação de estudantes com o nome Perspectiva. Volvido todo este tempo, como é ser diretor convidado da Gazeta?
É para mim uma grande honra ser Director convidado da Gazeta e agradeço muito o profissionalismo de toda a equipa da Gazeta que ajudou a preparar esta edição. Desde muito novo que a Gazeta tem sido o meu jornal de referência na região. Embora nem sempre de acordo, devo dizer que, no que concerne as questões de sustentabilidade, identifico-me muito com a linha editorial da Gazeta.
Nunca é demais reconhecer o papel da imprensa regional para termos uma democracia mais saudável.

Em determinado momento da sua vida encarou a possibilidade de ter uma experiência autárquica (nas Caldas). O que impediu que tal acontecesse?
Foi uma campanha interessante, baseada numa visão para o concelho de pessoas que não se reviam nas políticas de então. Penso que não avaliámos a dimensão da mobilização que a votação iria ter. Neste tipo de eleições costumavam votar cerca de 100 militantes. Acho que o número de votantes nesta eleição foi cerca de 600.

Se tivesse concretizado esse desejo quais seriam as suas apostas e desígnios?
Na altura publiquei um artigo na Gazeta e apresentámos um manifesto aos militantes em que propúnhamos uma visão diferente para o concelho muito baseados nos princípios de sustentabilidade. A ideia chave era que as Caldas deveria marcar a diferença através da sustentabilidade. Reduzir a densidade da construção, apostar na qualidade da construção, aumentar espaços verdes, apostar na requalificação das zona litoral em particular na Lagoa de Óbidos apostar na eficiência energética e energias renováveis. Agora parecem ideias banais mas, na altura, há quase 30 anos era inovador. O meu desígnio seria que as Caldas fosse um concelho de referência em termos de sustentabilidade. Isso poderia ter sido uma vantagem competitiva enorme ,para além de todos os benefícios em termos de imagem e atratividade.

Pertenceu a uma geração jovem no PSD, liderada por Carlos Pimenta, que introduziu perspetivas ecológicas num partido de poder em que pontuavam representantes dos lobbies dos combustíveis fósseis e do nuclear. Como foi possível e que ensinamentos tira mais de um quarto de século passado?
Lembro me dum episódio caricato que foi o de um destacado dirigente do PSD da altura, sabendo que eu tinha terminado o curso de Direito, saber em que área me iria especializar. Ao ter conhecimento que seria o Direito do Ambiente disse que era uma área de futuro mas, para ganhar dinheiro, teria de trabalhar para os poluidores…
Hoje é fácil ser ambientalista. Na altura (década de 80/90) estávamos em minoria quer junto dos decisores políticos quer na própria opinião pública. As preocupações ambientais eram desvalorizadas ou mesmo ridicularizadas. A nossa estratégia foi de fundamentar bem as nossas posições recorrendo à primeira geração de Engenheiros do Ambiente e alguns professores universitários não capturados pelos grandes interesses instalados. Um bom exemplo foi a luta contra o Plano Energético Nacional que, em 1985, previa a construção de 5 centrais nucleares por todo o país. Em vez de manifestações, polícia choque, gás lacrimogénio produzimos documentos que provavam que esta era uma má opção do ponto de vista ambiental, económico e energético. Apesar de a maioria do Governo da altura (Bloco Central) ser favorável à opção nuclear o Plano foi chumbado. Outra estratégia foi a formação. Percorremos o país a sensibilizar as novas gerações (em particular a JSD) para as questões ambientais.
Com esta estratégia foi possível introduzir o ambiente no ADN do PSD. Muitas das grandes reformas ambientais do país foram feitas em Governos de liderança do PSD. ■

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