Joaquim Coelho esteve 27 anos emigrado na Suíça. Partiu em 1980, sozinho, e ter deixado em Portugal a mulher e um filho de 10 meses foi a parte mais difícil de iniciar os sonhos de uma vida melhor e da construção de uma casa no Bombarral. Foi a luta por esses sonhos que o ajudou a aguentar o forte impacto da saudade, atenuado com a ida, primeiro da mulher, e depois do filho para Genebra. Já na cidade suíça viria a nascer a outra filha do casal.
Foi uma decisão difícil a que levou Joaquim Coelho, nascido em Setembro de 1955, a deixar Portugal. O que estava em causa não era só a questão de deixar o país que o viu nascer em busca do desconhecido. O mais difícil de tudo era deixar para trás a família, incluindo um filho de apenas 10 meses de idade. Mas essa era também a principal motivação para sair de Portugal aos 25 anos e mudar de forma tão drástica a sua vida: dar melhores condições à sua família recém criada.
“Em Portugal a vida era complicada, e principalmente queríamos ter a nossa casinha”, recorda.
Joaquim Coelho trabalhava desde os 16 anos na fábrica de pré-esforçados da Ciprol, no Bombarral. Mas tudo mudou após uma conversa com um amigo de infância, Jaime Morais, que trabalhava numas estufas agrícolas na região de Genebra, na Suíça.
“Perguntei-lhe se havia hipótese de arranjar lá um contrato”, recorda Joaquim Coelho. Nessa altura era difícil entrar na Suíça, principalmente para quem não tinha “papéis”, acrescenta.
A resposta que recebeu foi positiva. No entanto, Joaquim Coelho não tinha ainda contrato de trabalho, embora tivesse a promessa de o obter quando chegasse. Viajou então, em Março de 1980, de avião, com bilhete de ida e volta para Genebra, justificando assim o cariz turístico da viagem. À passagem pelo posto fronteiriço do aeroporto “tive que dizer que iria lá passar umas férias com esse meu amigo”, conta Joaquim Coelho.
A estratégia – partilhada por muitos portugueses – resultou e Joaquim Coelho era agora emigrante na Suíça, apesar de não ter papéis.
A promessa do contrato de trabalho concretizou-se. Mas este só era válido por nove meses e eram necessárias três renovações para que se ficasse efectivo. Isto levantava um problema: é que no final dos nove meses a produção era interrompida, devido ao frio extremo do Inverno, e os trabalhadores eram obrigados a sair do país por não terem contrato e só poderiam voltar, já com novo contrato firmado, volvidos mais três meses.
A maioria dos colegas optava por regressar ao país de origem, mas Joaquim Coelho preferia ficar lá nesses três meses de Inverno e ter apenas um mês de férias em Portugal, em Agosto. “Ao patrão dava jeito ficar lá com um homem ou dois e eu combinava com ele ficar lá durante esse tempo”, conta. O problema é que não havia forma legal de o fazer. Apesar de manter o trabalho e o mesmo ordenado, esses três meses de trabalho eram sem contrato, o que implicava esconder-se das autoridades. Isto porque quem fosse apanhado nessas condições, seria repatriado.
Para as autoridades helvéticas esta legislação assente em contratos de nove meses evitava a entrada de emigrantes permanentes, num sinal claro de que os trabalhadores estrangeiros só estavam ali provisoriamente.
O PRIMEIRO ANO FOI MUITO DURO
Ao primeiro impacto na Suíça, o mais difícil foi não saber falar a língua oficial daquele cantão, o francês. Mas também nesse aspecto o amigo Jaime Morais foi um apoio importante. “Não tive grandes dificuldades de adaptação porque tive sempre este meu amigo que me desenrascou”, afirma Joaquim Coelho. As idas ao supermercado eram, então, as alturas em que não falar francês lhe causavam maiores problemas. Mas ao fim de seis meses já se desenrascava.
No trabalho a língua não era uma barreira, uma vez que, entre os colegas, tinha seis portugueses e cinco espanhóis.
Era o trabalho, o manter-se ocupado, que ajudava a ultrapassar a distância e a saudade da família. A jornada de trabalho nas estufas agrícolas podia ter 18 horas e Joaquim Coelho até agradecia porque, afinal, estava ali para trabalhar e ganhar dinheiro. Por isso, sempre que podia, arranjava um biscate para angariar mais alguns francos suíços. A vida era, essencialmente, de casa para o trabalho e de volta a casa. “Para se conseguir alguma coisa tinha que ser assim”, sustenta.
Mas, uma vez em casa, a saudade apertava. “Era a pior parte. Ter que deixar a família não é fácil, sobretudo com um filho com 10 meses. Perdi alguns dos momentos importantes do crescimento de um bebé, como as primeiras palavras, os primeiros passos. O primeiro ano foi muito duro”, recorda Joaquim Coelho.
Para comunicar, não havia as condições que há hoje em dia. Não havia telemóveis e nem toda a gente tinha telefone fixo, o que o obrigava a encontrar estratégias para falar com os familiares. Joaquim Coelho tinha que ir a uma cabine telefónica. Uma vez que a família não tinha telefone em casa, tinha que ligar para um vizinho para este combinar uma hora com a esposa, Lurdes, para que pudessem então falar.
Ao fim de um pouco mais de um ano de trabalho Joaquim Coelho voltou de férias a Portugal e, no regresso, já não foi sozinho para a Suíça. Lurdes acompanhou-o, mas o pequeno Paulo, o filho do casal, ainda ficou mais um ano em Portugal, com os avós, até que estivessem criadas as condições de estabilidade para que a família pudesse estar finalmente reunida, o que aconteceu após o Verão de 1982.
Jaime Morais foi novamente uma ajuda importante para que Lurdes Coelho pudesse entrar na Suíça sem problemas, uma vez que, tal como Joaquim Coelho um ano antes, ia sem contrato de trabalho firmado.
Desta vez o transporte escolhido para a viagem não foi o avião, mas sim o comboio. A 40 quilómetros de chegar a Genebra, antes de chegar ao posto fronteiriço, ambos saíram do comboio numa estação francesa. À espera na estação estava Jaime Morais e a sua esposa para os levar, de carro, para Genebra. Ao chegar à fronteira entre a França e a Suíça, Joaquim e Lurdes saíram do automóvel e passaram a fronteira a pé. Como Joaquim Coelho tinha os papéis em ordem, não houve desconfiança nem controlo das autoridades. Para despistar, as malas do casal seguiram no carro de Jaime Morais, que os apanhou um pouco mais à frente.
Uma vez na Suíça, Lurdes Coelho foi trabalhar para uma lavandaria e, mais tarde, arranjou emprego como auxiliar no Hospital Cantonal de Genebra.
MAIS DE 20 ANOS COMO MOTORISTA
Joaquim Coelho continuou a trabalhar nas estufas agrícolas, onde ficou durante cinco anos. Depois trabalhou um ano na construção civil, antes de encontrar no sector da distribuição, como motorista, a sua actividade principal ao longo dos 27 anos que passou naquele país.
Primeiro fê-lo para uma empresa de pastelaria e padaria. Depois, em 1987, Joaquim Coelho mudou pela última vez de patrão na Suíça, para trabalhar na distribuição de jornais, revistas e outros produtos de tabacaria, para a companhia Naville Distribuition, S.A., uma das empresas de maior dimensão neste ramo naquele país.
“Quando fui trabalhar para essa empresa já estávamos bem, tínhamos uma vida mais estabilizada”, realça. De resto, a segunda filha de Joaquim e Lurdes Coelho, Jéssica, já nasceu em solo helvético, em 1994.
Trabalhar na distribuição tinha a vantagem de deixar grande parte do dia disponível para um segundo emprego, coisa que Joaquim Coelho aproveitou. Afinal, um emigrante português na Suíça está lá é para ganhar dinheiro. O bombarralense entrava ao serviço na distribuidora às 4h00 da madrugada e largava por volta das 10h00. Depois teve vários segundos empregos. Chegou a fazer limpezas, a servir à mesa em restaurantes, e também esteve algum tempo na empresa de construção de um familiar. “Fazia mais umas oito horas, pelo menos, era a maneira de juntar algum dinheiro”, diz Joaquim Coelho. Isto porque o custo de vida também era elevado, sobretudo as rendas da habitação, mas também os seguros de saúde, que são obrigatórios naquele país, onde não existe Segurança Social.
Outra vantagem de trabalhar na distribuição era o acesso às notícias dos jornais nacionais portugueses, que se habituou a ler. “Como recebíamos vários jornais portugueses lia o jornal de manhã cedo, embora fosse do dia anterior, e também tínhamos acesso a várias revistas”, conta Joaquim Coelho. É que – recorde-se – na altura não havia Internet nem televisões por cabo para saber notícias do rectângulo luso.
Esta era uma forma de diminuir a distância para Portugal. Outra forma de o fazer eram os convívios com a comunidade portuguesa, que se realizam quase sempre aos domingos e que eram dos poucos momentos em que Joaquim Coelho não vivia para o trabalho na Suíça. “Também passeávamos, mas pouco. De vez em quando íamos com os filhos à montanha, para ver a neve, e a França visitar familiares, ficávamos lá o fim-de-semana”, conta.
MEU QUERIDO MÊS DE AGOSTO
A altura para desligar do trabalho era mesmo o mês de Agosto. Joaquim Coelho nem hesita em afirmar que “era a melhor parte do ano”. A família vinha para Portugal e voltava para a Suíça de carro. Os quilómetros até eram os mesmos, mas enquanto para Portugal a viagem demorava 14 horas, para a Suíça chegava a demorar o dobro. E se na viagem para o Bombarral não havia cansaço que o vencesse, de volta a Genebra, ao chegar a Vilar Formoso, já tinha que parar para dormir.
E se para Portugal as malas vinham cheias de lembranças (ou melhor, chocolates) para os familiares, no regresso à Suíça as prendas eram para os próprios. “Levava-se o gosto e o cheiro a Portugal”, diz Joaquim Coelho. E isso eram os enchidos e o queijo, que apesar de os haver na Suíça, “o nosso é sempre o nosso”, realça, e um conjunto de bebidas espirituosas, como o Vinho do Porto, a Macieira, ou a aguardente.
Fazer esses produtos passarem na fronteira era outra aventura. “Só podíamos passar meio quilo de charcutaria e uma garrafa de bebida, por isso deixávamos o resto escondido em França e durante a semana íamos buscar o resto com uns amigos!”, conta Joaquim Coelho.
Foi a vontade dos filhos, Paulo e Jéssica, que fez Joaquim Coelho e Lurdes regressarem a Portugal, em 2007. “Se não fosse a vontade deles, ainda lá estaria, só vinha reformado”.
Regressado a Portugal, agora com 52 anos, voltou a trabalhar numa empresa de distribuição como motorista, mas a empresa fechou e ficou desempregado. A dois anos de se poder reformar, está actualmente a fazer um Programa Ocupacional (POC) na Câmara do Bombarral.
Dos 27 anos que esteve na Suíça, não tem arrependimento. “Tive momentos bons e momentos maus, isso acontece em todo o lado, mas nunca senti nenhum tipo de racismo e nunca fui maltratado pelos suíços, que têm essa cultura de acolher bem os emigrantes, sobretudo os portugueses”, afirma.
Já o sonho de construir a sua própria casa, que esteve na origem da emigração, foi concretizado. Cinco anos depois de partir para a Suíça, a família adquiriu um terreno e três anos depois, em 1988, o regresso de férias já foi para a casa nova. “Foi uma alegria ver que conseguimos o cantinho que lutámos tanto para conseguir”, concluiu.