Jorge Sampaio, que faleceu na semana passada, teve uma forte relação com as Caldas da Rainha ao longo da sua vida. Recordamos algumas das vindas do Presidente da República à cidade termal em quatro reportagens da Gazeta publicadas entre 1997 e 2004
Estamos a 15 de maio de 1997 e, na sessão solene promovida pela autarquia para assinalar a efeméride no Salão Nobre da Câmara das Caldas da Rainha, o ambiente é de grande emoção. “Jorge Sampaio emocionou-se com a menção que o presidente da Câmara fez, da sua meninice, na altura em que António Duarte esculpiu o seu busto”, lê-se na reportagem publicada pela Gazeta das Caldas. “A presença de sua mãe, Fernanda Sampaio, foi também um motivo para que as lágrimas quase aparecessem”, continua o repórter.
A autarquia iniciou, neste ano, a atribuição das medalhas de honra da cidade e o então Presidente da República foi um dos dois primeiros homenageados. O outro foi… o seu tio, António Duarte, e, conta-nos a Gazeta, “o escultor receberia a medalha de honra pelas mãos do seu sobrinho, Jorge Sampaio”.
Desse dia conta ainda o jornal, “António Duarte falaria timidamente a princípio, emocionado com as palavras que dele foram ditas. Chegou mesmo a referir uma notícia que sobre ele foi feita há muitos na Gazeta das Caldas, por altura da primeira exposição que fez na cidade de trabalhos originais. Nessa notícia era dito que a Câmara deveria conceder uma bolsa para António Duarte ir estudar para Lisboa. Ora quem escreveu estas palavras era nem mais nem menos que o Dr. Joaquim Correia, pai do Dr. Fernando Correia, que era na altura Presidente da Câmara. Afinal não foi preciso recorrer à Câmara e António Duarte foi estudar para a capital com a ajuda da família e com o dinheiro dos trabalhos que já vendia. Tantos anos depois a Gazeta continua a acompanhar o percurso de um filho dilecto da cidade”.
Jorge Sampaio explicou que a sua presença nas comemorações do Dia da Cidade “deviam-se, em parte, pelo gosto que tinha em se associar à homenagem a seu tio, António Duarte, não só por ser seu parente, mas também pelo lugar que este ocupa no panorama artístico português”. Antes da sessão solene, “a chegada do Presidente às Caldas juntou algumas centenas de pessoas na Avenida 1º de maio, onde horas antes milhares tinham assistido ao concerto de Luís Represas. Foi com muita pompa que Jorge Sampaio passou revista às tropas da Escola de Sargentos do Exército e de um palanque recebeu as honras militares”. Conta a Gazeta que, “em direção aos Paços do Concelho a primeira figura de Portugal ainda distribuiu alguns beijos e abraços pela população”.
Depois da sessão solene seguiu-se uma visita ao Atelier António Duarte e ao Museu João Fragoso, o depositar da coroa de flores na estátua da Rainha, antes da despedida do Presidente na abertura simbólica do Hospital Termal, “sob uma chuva cada vez mais persistente”.
Os primos nas Caldas
Em julho de 2001 Jorge Sampaio e o seu primo, Filipe Duarte (filho de António Duarte), são as figuras de um artigo sobre a vinda do Presidente da República para conhecer a remodelação do museu do escultor caldense e assinalar a sua reabertura. “O atelier-museu foi percorrido e não faltou a visita à sala destinada aos mais jovens onde várias crianças se encontravam a desenhar e a pintar”, conta a jornalista da Gazeta, que registou que nessa visita “o Presidente da República recordou algumas memórias de infância passada com o seu primo Filipe Duarte”.Contava então que sempre se lembrava do seu primo a desenhar. “Eu nunca consegui desenhar nada e o Filipe dizia-me: mas tu tocas piano… Era verdade, só que ele continua a desenhar e eu deixei de tocar”.
Jorge Sampaio elogiou o Centro de Artes e “confessou que o Atelier-Museu António Duarte é um dos locais onde gosta de estar”, até porque havia visto fazer muitas das peças. Ainda assim, conta-nos a repórter: “Jorge Sampaio indicou uma falta na coleção de obras do seu tio, que é o busto da sua filha”.
Os primos recordaram ainda “as tardes passadas na papelaria-livraria do tio Joaquim da Silva Santos, irmão de António Duarte, que ficava na Praça da Fruta. Para ambos… Joaquim da Silva Santos não tinha um espírito de comerciante muito apurado pois recordam que tinha o hábito de oferecer constantemente os livros da sua loja”.
Homenagem aos militares
Pelo 25 de abril de 2004, trinta anos depois da Revolução dos Cravos, o Presidente da República escolheu as Caldas e, mais especificamente, a Escola de Sargentos do Exército, para “uma homenagem de Portugal, que em seu nome, presto aos militares de Abril e às Forças Armadas Portuguesas”. Foi assim que Jorge Sampaio explicou a sua vinda a esta, nas palavras do próprio, “cidade ilustre” e a este “histórico aquartelamento militar”.
Pode ler-se que Sampaio “descerrou uma placa alusivo ao 25 de abril e assinou o livro de honra da ESE. Cumprimentou ainda alguns militares ligadas ao golpe das Caldas”. Isto antes da visita às instalações da ESE. No final, o Presidente da República visitou a ESAD.
Apoio na abertura do Termal
Cerca de um mês depois, Jorge Sampaio voltou a presidir à cerimónia do Dia da Cidade, marcado pela inauguração do Museu Barata Feyo. A repórter da Gazeta conta-nos que foi o próprio Presidente da República que entregou, nesse ano, a medalha de honra da cidade ao filho do escultor, João Barata Feyo.
O antigo chefe de Estado esteve na homenagem à Rainha e na reabertura do Termal, desta vez não simbólica, mas também não definitiva. Deixou, então, o seu firme apoio ao projeto das termas caldenses. ■
O busto que o tio caldense fez quando Sampaio era miúdo
Jorge Sampaio recordava as Caldas dos tempos da sua meninice, momentos eternizados no busto seu que o tio lhe dedicou em tempos
Foi no ano de 1942, quando Jorge Sampaio deveria ter cerca de 3 anos, que o seu tio, o escultor caldense António Duarte, o retratou num busto que é, hoje, mais uma recordação dos tempos de meninice desta figura nacional.
Da cidade termal o antigo Presidente da República guardava memórias de infância, mas ao longo da vida, como fomos vendo, Jorge Sampaio teve sempre ligação à cidade.
Há relatos de o advogado se ter deslocado ao Tribunal desta localidade, ainda antes de ser presidente da Câmara de Lisboa, ou seja na década de 1980, no decurso da sua atividade profissional como causídico. Em 1985, na inauguração do Museu António Duarte, Jorge Sampaio veio à cerimónia, mas a título pessoal e de forma discreta.
Mais tarde, regressaria às Caldas como Presidente da República, cargo que exerceu durante dez anos, entre 1996 e 2006.
As últimas vindas públicas de Jorge Sampaio às Caldas deram-se já em 2019, em duas iniciativas que tiveram como protagonista João Bonifácio Serra.
Em maio desse ano, na última aula do professor jubilado na ESAD e no início de dezembro, numa ida ao Museu de José Malhoa por ocasião do lançamento do livro “Cidade Imaginária”, da autoria do mesmo.
Na última aula do caldense, que foi assessor e chefe da Casa Civil de Jorge Sampaio, o antigo Presidente da República fez questão de recordar o papel deste na criação da Escola Superior de Artes e Design nas Caldas.
Jorge Sampaio faleceu aos 81 anos de idade no dia 10 de setembro de 2021.
O antigo Presidente da República estava internado desde 27 de agosto, em Lisboa, no Hospital de Santa Cruz, tendo sido transferido do Algarve, após dificuldades respiratórias. A situação clínica tinha-se agravado nos últimos dias antes de partir.
O Governo decretou de imediato três dias de luto nacional e os partidos políticos suspenderam as campanhas eleitorais para as eleições autárquicas para homenagear esta figura.
Nessa mesma sexta-feira, dia 10 de setembro de 2021, data em que Jorge Sampaio partiu, realizou-se nas Caldas da Rainha o Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Excecução.
À margem do evento, o presidente da Câmara das Caldas, Tinta Ferreira, recordou Jorge Sampaio. “Era sobrinho do mestre António Duarte e tinha uma estreita ligação às Caldas”, afirmou o autarca. “É uma perda irreparável”, concluiu Tinta Ferreira.
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, veio às Caldas precisamente para a abertura do congresso e fez questão de mencionar o antigo Presidente da República. “Jorge Sampaio foi um humanista”, começou por decrever a governante no seu discurso, acrescentando que “ficamos todos mais pobres, mas ficamos com o seu exemplo, e que ele nos sirva efetivamente”. ■