Há quem aproveite os preços baixos das casas para as comprar e arrendar. E há cada vez mais gente à procura de casas para arrendar porque não consegue obter crédito nos bancos. E os próprios bancos são também hoje quase agentes imobiliários, procurando desfazer-se – com boas condições para os potenciais clientes – das casas com que ficaram por os anteriores compradores não conseguirem pagar as prestações.
Está, pois, tudo a mudar num mercado que há alguns anos se caracterizava por uma construção pujante, crédito barato, compra fácil e um quase nulo mercado de arrendamento.
“Dezasseis das 20 casas que já vendi este ano foram a pronto pagamento”
Há quem veja no mercado do arrendamento uma oportunidade e compre casa para arrendar. E há quem já tenha medo de ter dinheiro no banco e prefira investi-lo em imóveis. E também há os bancos a fechar a torneira do crédito. Por isso, não admira que a maioria dos clientes de Norberto Isidro, 28 anos, vendedor de imóveis, compre casas e pague a pronto.
Quando começou a trabalho no ramo, há seis anos, Norberto Isidro tinha apenas 21 anos e recorda-se de um paradigma de forte crescimento da construção, de crédito bancário fácil e concedido a cem por cento para a compra de casa e de pouco ou nenhum arrendamento.
Hoje parece que o país é outro: os seus clientes pagam a pronto e sem crédito à habitação, o mercado do arrendamento disparou e muitas das casas que vende pertencem ao bancos porque os antigos proprietários deixaram de pagar.
“Dezasseis das 20 casas que já vendi este ano foram a pronto pagamento, sem financiamento bancário”, diz este comercial da empresa Remax.
“Há pessoas com receio de ter o dinheiro no banco, sobretudo pessoas numa faixa etária acima dos 50, que acham que os bancos podem falir e preferem aplicá-lo na compra de casas”, conta. Ainda por cima os preços a que estão os imóveis fazem com que seja “uma excelente opção comprar casa”.
Comparando com a situação de há seis anos, Norberto Isidro diz que as casas estão agora 25% mais baratas. Uma oportunidade, por exemplo, para os emigrantes “que têm poupanças em bancos portugueses e ouvem lá fora pela comunicação social que isto não anda bom e preferem comprar casas para arrendar”, conta.
E como bom vendedor, Norberto Isidro aproveita para referir que a Remax tem-se especializado nesta área, tratando ela própria dos arrendamentos aos donos das casas e que “o nível de incumprimento é muito baixo porque nós salvaguardamos muito bem essas situações, o que é um descanso para os proprietários”.
Norberto Isidro é natural de Casais de Sta. Helena (A-dos-Francos) e estudou na EBI de Sto. Onofre e na Raul Proença, onde não chegou a concluir o 12º ano. Está a agora a fazê-lo no Centro Novas Oportunidades do Cencal.
“Quando tinha 21 anos pensei: ou emigro ou arrisco um negócio por conta própria”, contou à Gazeta das Caldas. Está colectado como empresário em nome individual, mas tem um protocolo de exclusividade com a Remax para quem trabalha. A sua taxa de sucesso na venda de imóveis é de 70% e no ano passado obteve um rendimento de 2000 euros mensais, valor que espera atingir este ano.
A que se deve este sucesso?
“Eu gosto de trabalhar por conta própria, tenho um espírito de liderança muito forte e consigo encontrar muita motivação e confiança todos os dias. E consigo transmitir essa confiança aos clientes”.
Norberto Isidro não tem ordenado fixo e só vive das comissões. “Concordo com isso. Dar um ordenado a um vendedor é matar o vendedor porque lhe retira a motivação”, afirma.
E de novo volta à carga. Este comercial não perde uma oportunidade e trata de promover a Remax: “a empresa assinou um protocolo em que todos os bancos nos entregam as casas que detêm porque os antigos proprietários não pagavam e nós pomo-las à venda”. Por um preço, sublinha, que está cerca de 20% abaixo do preço de mercado e com isenção de despesas bancárias.
Só nas Caldas da Rainha há cerca de 30 casas nessas condições que foram postas à venda através desta imobiliária. Norberto Isidro diz que todos os meses há novos imóveis entregues pelos bancos. O que significa, por outro lado, que todos os meses há gente a deixar de conseguir aguentar os encargos com a habitação.
É por isso que há tanta a casa à venda, que os preços estão baixos e que as oportunidades para comprar são boas. O problema é que os bancos emprestam menos e já só financiam 75% a 80% do valor do imóvel. Norberto Isidro diz que há muitos casais jovens a querer comprar casa e que é desesperante saber que estas até estão baratas, mas que não se obtém financiamento.
Por outro lado, quem tem dinheiro no banco prefere, pelos vistos, aplicá-lo em casas para arrendar. Daí que 16 dos 20 imóveis que este jovem comercial vendeu este ano, tenham sido pagos a pronto.
“Houve um emigrante em França que nos comprou seis apartamentos e agora estão todos alugados”
A J. Couto foi a terceira imobiliária a abrir na cidade, em Maio de 1991. Actualmente, o seu proprietário, Joaquim Couto, estima que existam mais de 30.
O empresário, que na altura tinha uma empresa de pintura para construção civil, começou a ver a crise que assolava o sector e decidiu procurar outro ramo de negócio. Começou na área do imobiliário com um sócio, José Tavares, mas a sociedade não chegou a durar um ano, ficando Joaquim Couto com a totalidade da empresa, que continua a funcionar no nº 25 da Rua Eng. Duarte Pacheco.
“Na altura o mercado era difícil porque as pessoas não estavam muito habituadas a entregar os imóveis para a mediação e faziam-no sobretudo por venda directa”, lembra Joaquim Couto, acrescentando que outra dificuldade prendia-se com o facto de não conhecer bem as pessoas, nem ser conhecido. Mas esse problema foi ultrapassado depressa, uma vez que passou também explorar o restaurante Copacabana (durante quatro anos), juntamente com a esposa, onde conheceu muita gente e começou a ganhar “credibilidade”.
Durante alguns anos foi regularmente ao estrangeiro, nomeadamente à Alemanha, Bélgica, Luxemburgo e Estados Unidos, para mostrar os imóveis que tinha para venda junto dos emigrantes portugueses. “Duas semanas antes de irmos ao estrangeiro fazíamos sempre o anúncio na Gazeta das Caldas a informar da viagem”, lembra, acrescentando que aproveitavam a altura de um evento ou festa a fim de juntar o maior número de pessoas possível.
Prática comum entre os emigrantes era a compra de imóveis e a entrega de novo à imobiliária para fazer a gestão do arrendamento. Este investimento era possível porque a banca, além do crédito bonificado para jovens, tinha a Poupança Emigrante, assim como juros de créditos mais baixos para quem estava fora do país e investia em Portugal.
“Houve uma altura em que os emigrantes punham o dinheiro a render a 30% e conseguiam uma taxa de crédito de 12% e tudo isso fazia com que os negócios andassem, os construtores e as imobiliárias vendiam”, lembra.
Estes investimentos duraram até à entrada em vigor do euro, em 2002, altura em que os emigrantes do outro lado do Atlântico perderam poder de compra, com aumento do valor do euro face ao dólar, e também devido ao aumento do preço das casas.
Joaquim Couto recorda que em finais da década de 90 comprava-se um apartamento razoável por 13 mil contos (65 mil euros) e com a entrada em circulação do euro o seu valor subiu para os 90 mil euros.
Por outro lado, a diminuição da taxa de juro para o crédito à habitação, em finais de 90, veio permitir aos cidadãos começar a pensar em comprar uma casa. “Havia pessoas que tinham a sua casa alugada e, ao pedirem o crédito, percebiam que pagavam uma mensalidade menor e, passados uns anos a casa seria sua”, diz, lembrando o forte incentivo à compra que se registou durante as últimas décadas.
A “concorrência desleal” dos bancos
A partir de 2000 começou a “guerra” dos bancos pela oferta do crédito e agora assiste-se ao contrário. “É muito difícil obter a aprovação de um crédito”, diz Joaquim Couto, explicando que o banco actualmente empresta, no máximo, 70% do valor do imóvel.
Outra dificuldade com que as imobiliárias actualmente se deparam é a “concorrência desleal” por parte dos bancos, que possuem imóveis para vender, resultado de acções de incumprimento por parte das pessoas. “Por vezes, quando se chega a um banco e se apresenta um cliente para adquirir um crédito, eles dificultam esse financiamento, mas dão a alternativa de outros imóveis que possuem e aos quais dão crédito a 100%”, dizem.
A J. Couto tem actualmente mais procura para arrendamento do que para compra, mas o responsável recorda que sempre trabalharam esta vertente. “Ainda no ano passado houve um emigrante em França que nos comprou seis apartamentos e agora estão todos alugados”, disse o empresário.
“Temos cerca de 90% dos imóveis para venda e 10% para arrendamento e 90% da procura para arrendamento e 10% para aquisição”, conta Joaquim Couto, adiantando que diariamente têm vários pedidos para arrendamento, enquanto para aquisição têm um de vez em quando.
A empresa de mediação imobiliária, que já deu emprego a oito pessoas, mas é constituída agora apenas por Joaquim Couto e a esposa, Maria do Rosário. O empresário considera que esta é uma boa altura para se fazer investimento em imóveis para arrendamento porque os “juros pagos pela banca são baixos, começa a ser inseguro ter o dinheiro num banco e a taxa que a pessoa tira do arrendamento é superior ao que o banco vai buscar”, tudo isto aliado aos preços mais baixos que estão a ser praticados.
Joaquim Couto avança ainda com as mudanças da lei do arrendamento, previstas pelo actual governo, e que vão colocar uma taxa fixa para a contribuição do IRS sobre as rendas e facilitar as acções de despejo.
Em breve Joaquim Couto vai para a Inglaterra, onde há emigrantes com algum capital e interessados em investir em Portugal. “Vou pegar na mala de cartão e vou começar outra vez a dar a volta”, brinca o empresário que não fica de braços cruzados e retoma o périplo pela Europa à procura de investidores.
“Os bancos deixaram de ser bons parceiros de negócios para serem concorrentes de peso”
Marco Marcelino, caldense de 33 anos, é o responsável pela imobiliária Atlantic Vista, que tem sede na Avenida 1º de Maio. Trabalha no sector comercial desde 1995 e no imobiliário desde 2005, altura em que “havia um mercado activo e quente nas vendas, por causa do crédito disponibilizado pelos bancos”.
Tem o ensino secundário completo e conta que a sua carreira nesta área foi feita “a pulso” pois hoje é o executivo da empresa Atlantic Vista.
Marco Marcelino considera que é o mercado do arrendamento que está actualmente em grande crescimento nas Caldas e que esta imobiliária tem sido bem sucedida pois “somos muito exigentes na selecção dos clientes que vão morar para as casas arrendadas”. O mediador considera que o incumprimento é um dos maiores problemas e que urge uma clarificação na lei que o regula. Por isso, a Atlantic é muito exigente com os potenciais arrendatários que são sujeitos a um processo semelhante à concessão de créditos. “Pedimos que nos apresentem fiadores, quais são os locais de trabalho, os seus rendimentos, se já têm créditos e só depois de feito todo esse cálculo é que passamos às visitas às casas”, contou o mediador.
Na área das vendas, Marco Marcelino diz que possui clientes “que querem aproveitar o momento e fazer aquisições, aproveitando a baixa de preços”. O único tipo de imóvel que tem até conseguido subir o valor do mercado é quando se trata de prédios inteiros pois quando se fala em fracções, em média, os preços em relação ao ano de 2007 “desceram entre 20 a 30%”. O mediador dá um exemplo prático: uma habitação na Quinta da Cutileira, “um T3 simpático, com aquecimento, elevador, vidros duplos e com três quartos ia facilmente aos 130 mil euros” enquanto que, neste momento, “fica-se pelos 100 a 105 mil euros”.
Os financiamentos dos bancos para a compra de casa já não se fazem a 100%. Mas por parte dos bancos há mais um problema: “eles apresentam aos nossos potenciais clientes imóveis que detêm, de pessoas que não lhes pagaram, tornando-se nossos concorrentes”. É por isso que diz que “nalguns casos, os bancos deixaram de ser um bom parceiro de negócio para serem um concorrente de peso”.
Este responsável diz que o mercado de arrendamento está em alta, com aumento da oferta e da procura, havendo casas que antes estavam fechadas e que agora estão para arrendar.
A Atlantic Vista prefere não angariar imóveis que dificilmente se vendem no mercado actual. “Temos declinado muitos pois não queremos dar falsas esperanças aos seus proprietários, quando vemos que os valores pretendidos não vão obter resposta positiva do mercado”, disse Marco Marcelino.
Esta imobiliária tem em carteira clientes que estão a tentar aproveitar a descida dos preços para comprar imóveis que mais tarde revendem ou então para arrendar.
Marco Marcelino diz que no início do século XXI “a banca excedeu-se na concessão de crédito, mas agora está a fechar demasiado”.
Para o mediador que afirma que na generalidade dos casos “se constrói bem nas Caldas da Rainha”, uma habitação que já valeu 130 mil e que agora vale 100 mil no mercado, não voltará a tais valores. No entanto, considera que há um bom nicho de mercado que são “os imóveis de muito boa qualidade, novos e em muito boas localizações”.
Marco Marcelino diz que nas Caldas “há dinheiro para investir e clientes com disponibilidade financeira, é preciso é que haja negócios suficientemente atractivos”.