Uma ideia, um projecto plausível e um espírito empreendedor para o pôr prática. Estas as principais características para aceder ao microcrédito, uma solução que constitui o último reduto para que pessoas sem capacidade de financiamento normal pelo sistema bancário, possam aceder a um empréstimo para avançar com um negócio e criar o seu próprio posto de trabalho.
Numa sessão organizada pela Gazeta das Caldas e pelo BCP, que decorreu na segunda-feira na ETEO, foi explicado como funciona o microcrédito e esclarecidas muitas questões a potenciais micro-empresários.
O microcrédito não é uma invenção recente. Foi criado nos anos 70 por Muhammad Yunus (prémio Nobel da Economia em 2006) que tirou milhares de pessoas da pobreza ao criar no Bangladesh o Banco da Aldeia, através do qual, emprestando pequenas quantias às mulheres, estas criavam pequenos negócios e honravam escrupulosamente o pagamento das prestações.
O conceito foi alargado para todo o mundo e em 1998 chegou a Portugal através da Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC) que desde então já financiou 1700 projectos no valor total de 10,5 milhões de euros, tendo criado 2.300 postos de trabalho. Também há várias instituições bancárias, como o BCP, o BES e a CGD, que aderiram a esta modalidade de empréstimo no âmbito da sua política de Responsabilidade Social.
Edgar Costa, da ANDC, explicou qu e o microcrédito se destina “a quem não tem acesso ao crédito, mas possui uma ideia de negócio e tem características empreendedoras”. Uma ideia corroborada por João Monteiro, do BCP, para quem, “mais do que o crédito e o projecto em si, o que interessa é o querer, é a vontade de passar do sonho à realidade”.
Isto porque os avaliadores da ANDC e dos três bancos, autonomamente ou em parceria com aquela associação, no financiamento aos micro-empresários dão especial importância não só à rentabilidade dos projectos, mas também à capacidade de os seus mentores os conseguirem executar.
Daí que uma das condições para aceder a este tipo de crédito seja também a do candidato possuir um amigo ou familiar que acredite nele ao ponto de ser fiador de 20% do montante a pedir emprestado.
Os financiamentos podem ser de apenas 1.000 euros até aos 10.000 euros, podendo, em alguns casos, chegar aos 12.500 euros. No caso de pedidos autónomos ao BCP o montante pode chegar até aos 25.000 euros, mas João Monteiro diz que a média dos microcréditos concedidos ronda os 11.000 euros.
Os empréstimos têm uma duração máxima de quatro anos, podendo, em alguns casos ser de cinco, e são-no a uma taxa de juro fixa “para que o micro-empresário saiba com rigor quanto vai pagar até ao fim do crédito”, disse o mesmo responsável.
MICROCRÉDITO NÃO É SINÓNIMO DE MICRO-JUROS
Uma das questões abordadas durante o debate, que contou com inúmeros jovens numa assistência de cerca de 50 pessoas, foi precisamente o preço do dinheiro emprestado. João Monteiro não chegou a dizer a que taxa de juro o BCP concedia este tipo de crédito, mas realçou que “mais importante do que a taxa de juro, é o conforto que o microcrédito dá ao micro-empreendedor” e explicou que diferenças de um ou dois pontos percentuais na taxa de juro não tinham grande impacto em prestações de escassas centenas de euros. Referiu mesmo assim que a base era a taxa do Euribor que agora está abaixo de 1% mais o spread do risco.
Já o período de carência (começar a amortizar o empréstimo alguns meses depois deste ser concedido) varia com o caso em apreço.
Tal como aconteceu no Bangladesh no início do microcrédito, em Portugal e nos outros países onde este sistema existe, os devedores acabam por honrar os seus compromissos sendo a taxa de incumprimento de apenas 10%. E o mais importante: a maioria destes negócios assim financiados acabam por ter pernas para andar e perdurar no tempo.
“Em Portugal 70% das empresas criadas não chegam a durar três anos, mas mais de 60% das empresas [normalmente sociedade unipessoais] criadas pelo microcrédito ficam abertas para além dos três anos”, revelou Edgar Costa.
Ao criar o seu posto de trabalho, o agora empresário, que muitas vezes estava desempregado e constituía um encargo para a sociedade, acaba por se tornar autónomo e passar a contribuir para a comunidade. Em alguns casos, mais raros, os projectos crescem e transformam-se em empresas que até contratam empregados.
Mas enquanto decorre o período do empréstimo, o negócio é acompanhado por técnicos especializados da entidade bancária e/ou da ANDC que ajudam o micro-empresário a vencer as dificuldades. “Se me permitem a expressão, andamos com ele ao cólo”, contou João Monteiro, admitindo que, naturalmente, essa ajuda é do interesse do financiado (para poder prosseguir com êxito o seu negócio) e do financiador (para poder reaver o dinheiro emprestado).
“O nosso objectivo é também que o micro-empresário passe mais tarde, com o negócio mais maduro, a recorrer ao crédito normal”, disse o representante do BCP. É que, no fim de contas, o crédito comercial é que constitui a actividade principal dos bancos, sendo o microcrédito apenas uma última linha, um último reduto para quem vive à margem do sistema bancário e uma forma de exercer a responsabilidade social.
Na sessão participaram também os designers Nicola Henriques e Sílvia Duarte. O primeiro falou na sua experiência no projecto dos Silos e a segunda na constituição da empresa Ervilha Criativa. Nenhum recorreu na altura ao microcrédito.
“Se tivesse conhecimento do microcrédito não teria recorrido ao meu pai para me emprestar 1600 euros para isto”, disse Nicola Henriques. Já Sílvia Duarte contou que os três prémios de empreendedorismo que obteve com o seu sócio lhe foram muito úteis para juntar os 5000 euros necessários para pôr a funcionar a sua empresa de designer de produto.
Ambos, porém, perguntaram aos representantes do BCP e da ANDC se teriam financiado os seus projectos, ao que a resposta foi positiva.
Durante a tarde de segunda-feira, e ainda antes desta sessão, que teve lugar às 18h00 no auditório da ETEO, o técnico comercial do BCP, João Monteiro deu uma palestra sobe o mesmo tema a uma turma do curso de Gestão daquela escola. Segundo Francisco Ferraz, professor de Gestão, esta foi muito participada, com os alunos a mostrar um invulgar interesse por este tema, sobre o qual colocaram inúmeras questões. C.C.
Desde uma drogaria à pesca profissional
A sessão foi precedida pela passagem de um pequeno filme onde foram apresentados alguns exemplos de pessoas que criaram o seu próprio posto de trabalho recorrendo ao microcrédito.
Edgar Costa, que coordena uma equipa de 14 técnicos operacionais que visitam micro-empresários em todo o país, trouxe uma lista de alguns casos de sucesso na região Oeste, cuja diversidade de actividades se pode ver na lista seguinte:
*Drogaria – Cadaval
*Serviço de transporte turístico –
A-dos -Cunhados
*Revenda de Artigos Fúnebres a Agências Funerárias – Rio Maior
*Electrónica Reparações – Caldas da Rainha
*Centro de Explicações – Peniche
*Venda ambulante de electrodomésticos – Caldas da Rainha
*Café – Bombarral
*Impressão – Nazaré
*Venda de vestuário para ballet – Alcobaça
*Reparações ao domicílio – Torres Vedras
*Atelier de artes decorativas – Sobral do Monte Agraço
*Atelier de Candeeiros – Bombarral
*Loja de Vestuário em segunda mão – Torres Vedras
*Produção agrícola biológica certificada – Torres Vedras
*Loja de suplementos alimentares desportivos – Arruda dos vinhos
*Pesca profissional – Peniche
*Loja de Vestuário infantile e em segunda mão – Torres vedras
*Venda ambulante de farturas – Bombarral
Exemplos dos negócios apoiados com o microcrédito em 2013
Consultório de Podologia, Venda de tintas, reciclagem de resíduos e subprodutos alimentares, loja de flores e decoração, venda de produtos de utilidade doméstica, aluguer de bicicletas e scooters com motor eléctrico, loja de decoração, apicultura, loja de acessórios de moda e consultoria de imagem, venda de plantas e árvores, café-bar, loja de roupa de criança, gestão de condomínios, plataforma de transacção de serviços entre pessoas, café, comércio de Ad Blue e outros aditivos para viaturas, sapataria, snack-bar, venda ambulante de produtos congelados, salão de beleza, fotografia, lavandaria e engomadoria, venda de equipamento e material de combate a incêndios, estufa de flores, site de publicidade para restaurantes, loja de publicidade e design, florista, comércio de cosméticos e maquilhagem biológica, taxista, restaurante vegetariano, venda de capas com DVD e fotografias personalizadas, oficina e loja de bicicletas e acessórios, comércio ambulante de crepes e waffles, contabilista, petisqueira, prestação de serviços às famílias, limpeza a seco de veículos auto, papelaria, churrasqueira, loja on-line rações para animais com entregas ao domicílio, loja de conveniência.
João Frade
“Pode ajudar a criar o próprio emprego”
João Frade, presidente da ACCCRO (Associação Comercial dos Concelhos das Caldas da Rainha e Óbidos) considera o microcrédito como “mais uma oportunidade para os empresários” já que se trata de um extra aos canais normais de crédito. Na sua opinião, esta forma de financiamento poderá “ajudar a criar o próprio emprego ou a potenciar o emprego nas empresas existentes”.
O representante dos comerciantes considera que esta via “é uma possibilidade que pode ser interessante e viável para a economia que hoje em dia temos”.
João Frade contou que vários empresários já se dirigiram à associação para obter informações sobre “os tipos de crédito e as facilidades que temos com instituições bancárias que também os possam ajudar a financiar as suas actividades” e que “o microcrédito é sempre mais uma vantagem que tentamos arranjar para os nossos associados e comerciantes”. N.N.
Daniel Pinto
“Uma ferramenta interessante para pequenos projectos”
Daniel Pinto, director da Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste (EHTO), o microcrédito é uma ferramenta útil e vantajosa para alguns conceitos de negócio. Para os alunos das áreas mais técnicas – dos cursos de Cozinha, Restaurante e Bar e Pastelaria – o responsável considera que a média do valor apoiado (cerca de 11 mil euros) será escassa para o investimento que têm que fazer.
Já para os alunos que frequentam o curso de Gestão de Turismo “poderá ser uma ferramenta interessante para desenvolver pequenos projectos de animação turística”, refere Daniel Pinto. O responsável dá mesmo o exemplo de um jovem aluno, apaixonado pelo BTT e Outdoor, que pretende abrir uma empresa de percursos turísticos de BTT, em que o microcrédito poderá ser uma boa solução.
O director da ETHO destaca ainda que esta ferramenta terá mais sucesso junto dos formandos da área de turismo pois muitos deles já possuem cursos superiores e uma experiência profissional que lhes permite avançar com projectos passíveis de apoios.