Não há evidências em como as PPP na Saúde sejam melhores do que as EPE

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Gazeta das Caldas
Ao contrário das da Saúde, as PPP rodoviárias foram ruinosas para o Estado, disse José Inácio Faria
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José Inácio Faria, eurodeputado eleito pelo MPT – Partido da Terra, disse nas Caldas que as PPP na saúde em Portugal cumpriram os objectivos e atingiram modesto sucesso, mas não são a melhor solução para todos os casos. É necessário olhar a indicadores sobre a qualidade dos serviços, além dos económicos. Sobre os hospitais EPE, alertou para o uso da dívida como instrumento de gestão.

Numa conversa lúcida e longa com cerca de 20 pessoas em mais uma sessão do “21 às 21”, do MVC, na sede da União de Freguesias de Nª Sra. do Pópulo, Coto e São Gregório, o eurodeputado defendeu que os hospitais das Parcerias Público-Privadas (PPP) “são globalmente eficientes, mas não existem evidências de que o sejam mais do que os hospitais EPE”.
A figura de Entidade Empresarial do Estado (EPE) aparece no início do novo milénio, na lógica da empresarialização dos hospitais. Na mesma altura surgiram os Hospitais Sociedade Anónima (SA). “A figura das SA teve vida curta pois ao modelo faltava um incentivo económico fundamental: a possibilidade de falência”.
A figura dos Hospitais EPE, que surgiu em 2002, foi implementada em 2005 e “tem vindo a perdurar”. No entanto, sofrem de alguns dos problemas que afectaram os Hospitais SA, pois grande parte dos recursos humanos é contratado à luz do Direito público e não privado, “o que limita fortemente a gestão, que está sujeita à tutela do Ministério da Saúde e, implicitamente, ao Ministério das Finanças”.
Outro dos problemas é que, apesar de terem um orçamento, podem endividar-se. A dívida pode ser um instrumento de gestão corrente, o que faz subir a exposição do Estado ao risco financeiro. “Não foi por acaso que uma das principais medidas da Troika foi incorporar as dívidas dos hospitais EPE no perímetro das administrações públicas, porque esta estava por contabilizar, era dívida escondida”, fez notar José Inácio Faria.
E ainda há uma outra questão: os hospitais EPE têm défices operacionais que se materializam, mais cedo ou mais tarde, no défice público, seja por via das necessárias transferências adicionais seja através de aumentos de capital.

O APARECIMENTO DAS PPP NA SAÚDE

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José Inácio Faria defende que o modelo das PPP procura colmatar estas situações porque “o endividamento não onera o Estado”. A primeira experiência teve lugar em 1995 com a gestão do Amadora-Sintra.
No segundo mandato de António Guterres sugeriu-se a constituição de PPP para construir os hospitais de Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures. “Alegava-se que eram a única forma de modernizar o parque hospitalar numa altura em que os recursos financeiros eram escassos” e em que se acreditava que o privado construía mais rápido e que era mais eficiente na gestão.
Foram criados oito contratos, dois para cada hospital (cada um tinha um para a gestão e manutenção do edifício e um para a prestação clínica). Actualmente vive-se uma segunda vaga de PPP, à luz do qual será construído o Hospital Oriental-Sintra. Nestas apenas a construção e manutenção do edifício é concessionada. A gestão clínica fica no Estado.
O eurodeputado nota que em Portugal há uma percepção das PPP que não corresponde à da maioria dos outros países europeus. Aqui, olha-se para elas como negociatas para retirar dinheiro do Estado para o fazer entrar nos bolsos de privados. Mas elas foram criadas com um objectivo. “O principal propósito das PPP é transferir o risco e a incerteza de uma operação pública para uma entidade privada, que assume os potenciais ganhos ou quebras. Na génese servem, ou deveriam servir, para proteger o Estado de elevados riscos financeiros. Colocado de uma forma simples, podem ser uma solução chave na mão”, salientou.
Para tal, tem que existir transparência e os cadernos de encargos devem ser elaborados com o máximo rigor e orientados para o doente. Além disso, o Estado tem que monitorizar adequadamente o cumprimento do que fica estabelecido.
Esta é a teoria. Mas as PPP rodoviárias, que José Inácio Faria considerou “ruinosas”, deram má imagem às PPP no geral. Isto porque são “rendas contínuas e seguras ao sector privado”.

NEM SEMPRE É O ESTADO O LESADO

“Mas nem sempre é o Estado o único lesado”, ressalvou o eurodeputado, exemplificando com o caso do Túnel do Canal da Mancha, construído à base de uma PPP, que levou a empresa com a concessão, Euro Tunnel, à falência.
“O risco foi passado para o privado, a obra foi finalizada e o Estado não saiu penalizado pela falta de lucros. Se fosse este o sistema das PPP rodoviárias em Portugal seguramente os rombos nos cofres do Estado não teriam acontecido”, afirmou.
A experiência em PPP na saúde em Portugal não se equipara nem às rodoviárias, nem à do Túnel do Canal da Mancha. “São o exemplo mais comum de uma implementação bem sucedida deste modelo em que todos beneficiam, o Estado, os privados e os cidadãos”, referiu, acrescentando que os três grandes objectivos com as PPP na saúde foram atingidos: construir novos hospitais sem derrapagens temporais e orçamentais, assegurar custos operacionais mais baixos e alcançar ganhos, eficiência e poupança para o Estado.
Actualmente Portugal tem 1685 camas de internamento nos hospitais com PPP, que têm 35 salas de bloco operatório e 169 gabinetes de consulta externa.
No último ano o Estado investiu 447 milhões de euros com as PPP na área da saúde e prevê-se que em 2018 este valor aumente para 471 milhões de euros. Um número que representa 5% do OE para a saúde, “que tem vindo a decrescer e a sofrer de uma enorme dificuldade de sustentabilidade”.
Mas há ainda um outro problema muito pouco falado no que aos hospitais PPP diz respeito. É que os parceiros privados podem vender as suas participações nos negócios. “Estas transições normais no mundo dos negócios são preocupantes quando se trata de saúde”, alertou.

ESTADO NÃO SE PODE EXCLUIR DA SAÚDE

Na óptica de José Inácio Faria, “o Estado não se pode excluir da saúde, que é uma questão pública”. Defende que “não se inventou sistema melhor para gerir as coisas que o Estado”, sendo que este pode melhorar os sistemas colaborativos para fazer o seu trabalho.
A terminar, o eurodeputado salientou que, “de acordo com os pressupostos do Tribunal de Contas, projectados em 2013 deveríamos ter entrado no troço da curva descendente dos gastos e começar a auferir os ganhos das PPP na saúde em 2017. Afinal parece que não…”. Isto porque ao contrário do que estava previsto, a descida dos encargos plurianuais do Estado não aconteceu.

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