O Garfo – um refeitório que é uma porta aberta à inclusão

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Diariamente são servidas mais de 200 refeições neste refeitório
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Refeitório recebe diariamente os utentes do Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor e os clientes externos. Ensina a incluir e integrar e demonstra que a comida une as pessoas.

Há 28 anos era criado nas Caldas O Garfo, o refeitório do Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor. Quase três décadas depois, muito mudou, mas o princípio mantém-se o mesmo desde a sua criação, em 1997, explica Ana Domingos, presidente da direção da instituição. “É uma porta aberta para a inclusão social”, esclarece, complementando: “é sempre uma forma de nós desafiarmos a mudança, porque as pessoas que frequentam este espaço acabam sempre por ser desafiadas para os seus preconceitos, para os seus estereótipos”, nota, acrescentando que “são obrigados a confrontar os seus próprios medos e receios e é um um instrumento de combate à discriminação, porque promove a aceitação das pessoas com deficiência que estão a trabalhar. É um exemplo de que as pessoas com incapacidades têm tarefas, têm funções e criam um produto final útil para todos nós”.
O primeiro objetivo era empregar pessoas com incapacidades, mas também “mostrar à população que a incapacidade não significa não poder trabalhar”.
O Garfo tem o condão de fazer com que “todos nós estejamos a fazer a nossa refeição em simultâneo com outras pessoas com diagnósticos de deficiência, com comportamentos, necessidades e incapacidades diferentes”.
Diariamente, o trabalho começa às 8h00. A essa hora põe-se logo a panela para a sopa ao lume e começam a preparar-se os pratos e saladas.
Na cozinha trabalham nove pessoas e apenas a cozinheira, Fátima Costa, não tem incapacidade diagnosticada. É cozinheira d’O Garfo há nove anos. “Ao início custou um bocadinho porque não era a minha área, mas fui bem recebida pelos colegas e estou bem”, refere.
É ela quem orienta e supervisiona tudo, mas, realça, “a maioria dos jovens são muito autónomos, até na preparação das receitas, onde dou apenas uma ajuda”. A coordenação da equipa “depende dos dias” e o aumento do volume de trabalho tem criado novos desafios. “Adaptei-me bem e gosto de trabalhar cá, estou orgulhosa de termos muitos clientes”, analisa, dizendo que no dia-a-dia sentem que quebram aqui barreiras e preconceitos.
As ementas são fixas e rotativas a cada oito semanas, “sempre com muita preocupação com a saúde, porque para nós alimentar as pessoas que atendemos também é, obrigatoriamente, ter preocupações com a sua saúde”, nota Ana Domingos, acrescentando que têm “uma horta biológica no centro de formação profissional que acaba por, em termos de legumes e às vezes de fruta”, fornecer o refeitório. A base é a comida tradicional portuguesa. As ementas contemplam dois pratos diários e o facto de serem fixas permite um planeamento e gestão mais fácil, com encomendas semanais.
Para o bom funcionamento ajuda também a formação dos próprios jovens e a experiência de cada um nas suas funções. “Nós fazemos muita formação. tanto em HACCP, como em procedimentos e isso, associado à rotina, é que lhes dá conforto para fazerem também as tarefas diárias, sempre com mais foco”.
Ana Domingos frisa que o apoio do BPI Capacitar de 2023 permitiu “alterar em termos de estrutura, as zonas de refrigeração, a despensa, as zonas de confeção e a copa, portanto, a parte interna foi reformulada e conseguimos criar mais 50 lugares para acima dos 190”. Este novo layout “tem atraído muito mais pessoas, mas também temos feito uma maior divulgação”. A procura quase duplicou, porque uns têm trazido os outros . Este ano, estão a renovar os equipamentos, como fogões e frigoríficos e têm uma expetativa de gerar um lucro acima dos 90 mil euros.
Retornemos à cozinha, onde ao longo da manhã a azáfama é grande, com a equipa a trabalhar para cumprir os exigentes horários. É que as primeiras 30 refeições saem sempre às 11h45 para serem entregues na instituição aos jovens com deficiência profunda.
Entre o meio-dia e as duas são servidas as refeições e é já depois do almoço que encontramos o caldense Samuel Seixas, que é carteiro. “Comecei a vir cá em setembro de 2023 e a primeira vez vim um bocadinho a receio, mas nunca mais deixei de vir”, partilha. “Vi crescer o Centro de Educação Especial e tenho um carinho muito grande pela instituição”, conta. Por outro lado, “gosto muito desta malta, falam-me todos, eu meto-me com eles e a comida é boa e barata e o espaço é muito asseado”. Este caldense sente que dentro do refeitório as diferenças estão ultrapassadas. “Os jovens são impecáveis, muito simpáticos”, frisa, destacando a exposição feita no Halloween com pinturas dos utentes. “Aqui têm uma dinâmica muito porreira, nada é feito à balda e é bom, porque ao vir cá, ganho eu e ganham eles”, diz, acrescentando que há um ambiente muito familiar. “Quando não venho um dia, perguntam-me logo”. Essa boa relação entre clientes e funcionários é atestada por Ana Dias, utente do CEERDL que trabalha no refeitório há 22 anos, quase desde o início do projeto. “Já o vi mudar duas vezes”, conta, salientando que esta última mudança trouxe muito mais gente, “e ainda bem”. Ainda assim, “às vezes ando aqui a pensar onde é vou sentar tanta gente?”. Quando chega, depois de se fardar, trata do pão, faz talheres e ajuda a descascar fruta e a preparar saladas e pratos, “tudo o que seja preciso”.
“Dou-me bem com os clientes, brincam connosco e é tudo malta porreira, alguns que vêm quase todos os dias, outras vezes vêm clientes novos e o que nos dizem é que a comida é boa e nos gostamos de ouvir!”, diz antes de concluir com um simpático “tudo de bom e que venha mais gente”.
Por sua vez, Sandra Silva, que trabalha aqui há 13 anos, diz que “é bom trabalhar n’O Garfo, temos uma boa equipa”. A sua primeira tarefa, quando chega, e após vestir a farda, é ir verificar a temperatura das arcas e depois vai ajudar a preparar e temperar as saladas. “Durante a manhã e a hora de almoço há sempre pressão, o relógio está sempre a contar”, afirma, realçando os muitos quilómetros que percorrem neste pequeno espaço ao longo de um dia.
Durante a tarde, e até às 18h00 faz-se a preparação das sobremesas, que são todas confecionadas n’O Garfo e, por fim, as limpezas.
O refeitório funciona todos os dias da semana, aos almoços. Mas também confeciona jantares e as refeições aos fins de semana, nesses casos, para consumo interno da instituição. Diariamente servem um total de mais de 200 almoços e 46 jantares (número que se repete nas refeições dos fins de semana).
A presidente da direção realça que O Garfo “não é um restaurante, será sempre um refeitório, até pela forma de funcionamento, mas também pelo tipo de ementas que tem, e pelos preços” praticados. Foi construído neste local com o objetivo também de captar um público da zona industrial e proporcionar a essas pessoas uma refeição a preços baixos.
“Só que entretanto, a nossa clientela não são só pessoas aqui da zona industrial, são de todo o concelho, porque estamos perto das Caldas, a acessibilidade, o estacionamento muito fácil nas instalações, a forma como é servido relativamente rápido fazem com que, mesmo para quem tem que se deslocar para vir ao refeitório e apesar de ser na zona industrial, acabe por ser relativamente fácil”, frisa Ana Domingos.
Se, por um lado o take away é cada vez mais procurado, por outro também já surgiram parcerias interessantes. “Temos aqui uma empresa que está a colaborar connosco, a quem nós entregamos diariamente refeições na própria empresa, que é a Tekever”. Os funcionários inscrevem-se num documento comum e depois são-lhes entregues as refeições. “São entre 20 a 30 por dia”, conta. Uma particularidade, para reduzir desperdícios, não usam embalagens descartáveis, mas sim recipientes plásticos que são lavados.
O CEERDL apoia nas suas respostas sociais quase 600 pessoas. Os serviços à comunidade tiveram mais de 1300 clientes e, no total desses cinco serviços – refeitório, lavandaria, jardinagem, floricultura e piscina – empregam 40 pessoas com incapacidade. No total, a instituição tem 137 funcionários.
Os serviços à comunidade têm a particularidade de, além de criar emprego para pessoas com incapacidade, serem um importante contributo na sustentabilidade. “As respostas sociais têm apoio estatal, mas se nós quisermos melhorar e se quisermos dar outras oportunidades às pessoas que estão nas respostas sociais, precisamos de crescer em termos de recursos financeiros e estas áreas acrescem disponibilidade financeira para as respostas sociais”, afirma esclarecendo que representam mais de um terço (cerca de 35%) das receitas. ■

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