Há mais de 40 anos que Américo Bernardino tem um quiosque ao cimo da Praça da Fruta, em frente à Ermida de S. Sebastião. Desde essa altura muito mudou. O quiosque é outro e já não há burros, cavalos e vacas a trazer as carroças para o mercado. Mas o Quiosque do Bernardino continua a ser um ponto de encontro.
São 5h30 da manhã quando Américo Bernardino sai da cama para poder chegar ao seu posto de trabalho uma hora depois, aquele quiosque verde que todos nos habituámos a ver no topo da Praça da Fruta, em frente à Ermida de S. Sebastião.
A essa hora recebe os jornais. Corta os maços, conta os exemplares e coloca-os no interior do quiosque. Quando há suplementos, é ele quem os intercala nas páginas dos jornais. Abre as janelas do quiosque, expõe os jornais e revistas nas bancas e pendura-os.
Sujeito a qualquer tipo de meteorologia, Américo Bernardino salienta que aquele é um trabalho duro. Até não se queixa do calor, apesar de às vezes ter de ligar uma ventoinha – que não pode ter muita potência “porque senão os papéis voam todos”. Ainda assim, assegura, “com o frio é pior”.
Este é um trabalho complicado. É preciso estofo em termos físicos e é preciso ter jeito para lidar com as pessoas. O quiosque é um ponto de encontro para muita gente. São amigos que ali se reúnem para conversar e passar o tempo. “Falamos de tudo, das coisas boas e das más, os temas do dia-a-dia, a bola e outras coisas”, conta. À sua espera sabem que têm alguém que os ouve e que fala com eles, que muitas vezes tem uma piada para dizer.
À sexta-feira, quando a Gazeta chega à banca, discute-se especialmente o futebol do Caldas e a necrologia, mas também se abordam outras notícias. “Já não se discute tanto, mas a primeira página tem sempre muito impacto, por exemplo, esta última semana foi a notícia da nova administração do Centro Hospitalar do Oeste”, conta.
Embora note que, como em todos os jornais a nível nacional, há quebras nas vendas, apercebe-se que nesse dia também ainda há muita gente a procurar a Gazeta para ver os anúncios de emprego.
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UM QUIOSQUE COM QUASE 100 ANOS
Este quiosque verde que hoje conhecemos só existe há 25 anos. Antes, estava naquele local uma outra estrutura onde Américo Bernardino tinha o seu quiosque. Ficava abaixo das escadas da igreja e era feita de chapas de metal. Entre a estrutura e as escadas estava uma arca de gelados.
Mas já antes Américo Bernardino vendia ali perto. Com 28 anos, em meados da década de 70 do século passado, iniciou-se a vender revistas e livros numa pequena barraca de madeira dois ou três metros mais abaixo, também em frente à igreja.
Nessa altura, mais acima, onde hoje está o quiosque, havia um outro quiosque de madeira, que era de um engraxador. Américo Bernardino acabou por comprá-lo e, mais tarde, por substituí-lo pelo tal, de chapa, que deu depois lugar ao actual. “Há quase 100 anos que existe aqui um quiosque”, salienta, enquanto pega num frasco de álcool que tem sempre no quiosque e limpa a tinta dos jornais das mãos.
“Sou do tempo em que à Praça chegavam carroças puxadas por vacas, burros e cavalos que iam beber água ao Chafariz das Cinco Bicas e que ficavam nas cocheiras que foram transformadas em garagens”.
Antes da requalificação da ermida de S. Sebastião e da colocação desta estrutura, que foi o próprio que pagou, existia ali uma casa de banho pública, que está actualmente debaixo do quiosque, mas que está fechada. Ainda assim, com 40 anos desta vida, Américo Bernardino já tem o organismo adaptado em relação às necessidades fisiológicas e só muito raramente tem de recorrer à casa de banho do posto de turismo.
TIPÓGRAFO E MARINHEIRO
O seu primeiro trabalho foi na drogaria do Sr. Marcelino, na Rua Miguel Bombarda (onde hoje está a Benetton e onde durante muito tempo esteve a Almerindo & Silva). Começou a sua vida profissional com 11 anos e um ano depois tornou-se tipógrafo. Ainda tem a carteira profissional e recorda as perto de duas décadas de trabalho na Gráfica Caldense com um entusiasmo contagiante. Lembra-se bem das máquinas e do cheiro a tinta, da diversidade de funções… “Cheguei a imprimir lá a Gazeta das Caldas uma ou duas vezes”, conta.
Pelo meio, Américo Bernardino – hoje com 70 anos – esteve embarcado para não ir à tropa. Na marinha mercante, em três anos, conheceu os Açores, Angola e Moçambique e os Emirados Árabes Unidos. “O bichinho de viajar vem daí”, nota.
Mas, com 22 anos, acabou mesmo por ir fazer a tropa a Coimbra, servindo depois no RI5, nas Caldas (actual Escola de Sargentos do Exército).
Entretanto é hora de almoço e Américo vai comer qualquer coisa num café com refeições rápidas. Almoça e ainda aproveita o tempo para ir buscar fichas do Toma à Câmara e selos aos Correios, para poder vender no quiosque. E daí, lá vai ele até ao seu posto de trabalho.
JOVENS NÃO COMPRAM JORNAIS
A tarde é, por norma, mais calma do que as manhãs. Mas a azáfama e a correria aos jornais logo de manhã também já não é o que era. “Sente-se uma quebra muito grande na compra de jornais e revistas, a geração mais próxima à minha ainda compra, mas a mais nova já não… têm telemóveis e tablets”, conta. Acresce que as grandes superfícies e os postos de combustíveis também vendem hoje jornais e tabaco.
Mas o quiosque do Bernardino sempre procurou ter outros produtos complementares, como as cassetes de música, os serviços pay-shop e outros. Hoje em dia um dos produtos mais procurados é a raspadinha.
As horas vão passando, Américo vai dando as novidades às pessoas, a quem não rejeita dois dedos de conversa ou uma piada. Essa é, aliás, uma das imagens de marca do Bernardino: as brincadeiras que faz. Uma vez, por exemplo, colou uma moeda no chão para ver as pessoas tentarem, sem sucesso, apanhá-la. E outra vez ainda fez uma cópia de uma nota de 20 euros que colocou no chão para pregar uma partida aos amigos.
Há outra brincadeira que costumava fazer no Carnaval, quando estacionava o carro em frente ao quiosque para carregar ou descarregar. Colocava uma imitação de um pé presa na porta do porta-bagagens, de maneira a parecer que dentro da bagageira estaria uma pessoa morta. “Havia muitas pessoas que se assustavam”, recorda, entre gargalhadas.
Entretanto são 19h00 e está na hora de recolher os jornais e revistas, de arrumar tudo e ir embora, que amanhã de manhã chegam as novidades fresquinhas e os clientes de cada dia.
As taças do Quiosque Bernardino e da Gazeta das Caldas
[caption id="attachment_123389" align="alignleft" width="200"] O prémio de melhor marcador para os atletas do Caldas trazia uma novidade: era atribuído em todos os escalões. A primeira referência a esta distinção que encontramos data do ano 2000.[/caption]
Há quase 20 anos que no fim das épocas desportivas o Quiosque do Bernardino e a Gazeta das Caldas entregam taças ao Melhor Marcador dos vários escalões do Caldas Sport Clube.
O Sr. Américo, como é conhecido por muitos, recorda vários dos jogadores a quem entregou taças, como Pedro Alberto (o primeiro a ganhar esta distinção) ou João Rodrigues “Tarzan” (o último).
Mas há um, em particular, que ficou na memória: “o Fábio Sabino, que é um jogador do caraças, entreguei-lhe tantas taças, mas tantas taças que nem queiras saber! Ganhou várias nos diferentes escalões e houve uma época em que marcou alguns 60 golos. É um puto espectacular”.
E, diga-se, logo no ano em que o troféu foi criado, lá estava Sabino a ganhar nos iniciados.