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São menos de 100 os habitantes que vivem dentro das muralhas de Óbidos. Mas são muitos milhares os seus visitantes, sobretudo no Mercado Medieval, Festival do Chocolate e Vila Natal.
Como vai ser o futuro deste burgo com origens medievais cuja notoriedade extravasa fronteiras? Um simples e bem decorado cenário para visitantes e festas, ou poderá aspirar a mais residentes e a ter vida própria?
De acordo com um inquérito realizado pela Câmara em 2008, no âmbito dos estudos de caracterização para a elaboração do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Vila de Óbidos, o número total de residentes permanentes na vila era de 209, dos quais 118 na área intramuros e 91 extramuros.
Deste inquérito extrai-se ainda um número interessante: havia há cinco anos uma população com residência secundária de 278 indivíduos, “que assume um papel e uma expressão muito significativa no tecido social da vila”, diz a vereadora Rita Zina, que tem o pelouro do Ordenamento do Território, e da Conservação do Património Cultural. Destes habitantes que aqui vêm aos fins-de-semana ou em períodos de férias, 58% têm ascendência na vila de Óbidos.
Hoje serão entre 80 a 100 as pessoas que vivem dentro das muralhas e a tendência tem sido de desertificação.
A par disso, eventos como o Festival do Chocolate, Mercado Medieval e Vila Natal fazem afluir a Óbidos centenas de milhares de visitantes. Só na Vila Natal deste ano, que terminou a 2 de Janeiro, estiveram 150 mil pessoas, segundo dados da organização. E contando os outros dois eventos (100 mil pessoas na feira medieval e 200 mil no Festival do Chocolate), estes picos de visitantes terão ultrapassado os 450 mil em 2012.
É claro que por vezes há ruas congestionadas, estacionamento caótico e acessos bloqueados, mas para o comércio local e para os empresários e artesãos presentes nos eventos, são momentos ímpares para facturar. E a vila ganhou uma projecção como nunca teve durante todo o século XX.
Mas fora destas épocas, e sobretudo durante a época baixa, a experiência de passear à noite nas vielas do burgo pode ser deprimente. Parece uma cidade fantasma, com ruas vazias e os passos a ecoar na calçada, sem se avistar mais vida que algum bar aberto ou a recepção de um estabelecimento hoteleiros.
Cristina Rodrigues, deputada municipal pelo PS, é crítica da política encetada há 11 anos pelo presidente da Câmara, Telmo Faria tomou posse. Diz que desde então o turismo e o comércio tomaram conta das ruas e substituíram os habitantes. “Património são pedras, edifícios, lugares, espaços, mas são as pessoas que estão em primeiro lugar e por isso a preocupação primeira da autarquia deveria ser criar condições para fixar residentes, para uma vida confortável no espaço histórico”.
Neste sentido, diz que a recuperação de casas da autarquia dentro das muralhas para ateliers criativos pode ser uma boa ideia para criar empregos, mas que tão importante quanto isso seria reabilitar os edifícios para os tornar habitáveis e fixar população.
Rita Zina diz que este problema está acautelado num programa de acção elaborado pelo município – “Óbidos Criativa – Parcerias para a regeneração urbana” – no qual se terão gastos, entre 2007 e 2013, cerca de 1,4 milhões de euros.
Neste âmbito, a Câmara tem exercido o seu direito de preferência para comprar edifícios na zona histórica (cinco em diversos pontos da vila e quatro no arrabalde da Porta da Vila) que serão lançados no mercado de arrendamento “como forma de potenciar o número de residentes e de actividades económicas associadas ao sector das economias criativas”, diz a vereadora.
Os franceses nalgumas vilas vilas e pequenas cidades da Côte d´Azur, como por exemplo Frejus (www.ville-frejus.fr), desenvolvem projectos de recuperação de casas antigas transformadas em residência e ateliers, que depois as alugam a preços simbólicos a artesãos com a condição mínima: ali viverem, desenvolverem uma actividade e não venderem produtos que não sejam feitos por eles. Os preços dos alugueres são flexíveis e variavam há meia dúzia de anos entre os 50 e 200 euros por mês.
“Um centro histórico só tem vida se tiver gente”
Luís Tudella mora em Óbidos há 40 anos. Considera que é uma vila muito “bucólica e calma” e que já teve fases muito boas para quem lá reside. No entanto, nos “últimos anos tem sido péssimo por causa dos eventos criados e que não têm nada a ver com a terra”, disse à Gazeta das Caldas. O morador contesta o que considera ser uma massificação na vila e lembra que “no princípio foi uma má vivência enorme, em que para sair com o carro era preciso pedir por favor para as pessoas chegarem para o lado”.
A residir numa das ruas paralelas à Rua Direita, Luís Tudella defende que os grandes eventos sejam feitos fora da vila, “que tem muita força histórica”.
O morador recorda-se que quando veio para Óbidos, esta tinha muito mais residentes, mas esclarece que a “desertificação premeditada” vem da década de 50 do século passado e do “erro de calculismo” dos responsáveis de então em fomentar a saída das famílias pobres para os arredores da vila para que as casas fossem compradas por famílias com posses para segunda ou terceira habitação. “Qualquer centro histórico só tem vida por ter lá gente”, diz, reportando-se a um tempo, de que ainda se recorda, em que havia crianças a jogar à bola dentro das muralhas.
Por outro lado, nota uma melhoria ao nível da disciplina do trânsito em Óbidos e destaca que, apesar das condicionantes de um centro histórico, “as coisas podem funcionar bem se houver harmonia e respeito pelos outros”.
Já Arlinda Ribeiro, uma obidense a residir no Alentejo e que se mostra profundamente desiludida com o rumo da sua terra, diz que Óbidos está a ser transformada numa “parada carnavalesca”.
Com uma especial sensibilidade para as questões do património, uma vez que trabalha em conservação e restauro, a agora residente em Monsaraz diz que “tudo o que tem alguma verdade em Óbidos está a ser mascarado, transformado numa caixa de bombons” e que os eventos anuais que ali se realizam “são uma alegoria, uma espécie de parada carnavalesca”. A prioridade, defende, deveria ser cuidar do património humano pois “quase não há obidenses a viver em Óbidos”.
“Excessiva presença de habitações sazonais”
Rita Zina tem, naturalmente, uma opinião diferente: “os eventos constituem um importante contributo para a dinamização económica da vila, pelo elevado número de visitantes que proporcionam ao longo de todo o ano, mas também para o desenvolvimento social e cultural de todo o concelho, pelo envolvimento e participação activa da comunidade local na sua realização, através das suas associações culturais e comunidade escolar, com todos os benefícios daí decorrentes”.
A vereadora diz ainda que, tendo presente o problema da desertificação e da “excessiva presença de habitações sazonais”, torna-se fundamental que “a população de Óbidos vivencie cada vez mais a sua sede de concelho, e que esta continue a centralizar a vida dos seus munícipes e a constituir o centro nevrálgico da economia local”.
Luís Cajão, presidente da Óbidos.com, diz que a vila tem hoje uma grande visibilidade graças aos eventos que nela se realizam e ao facto de ter sido escolhida como uma das sete maravilhas de Portugal. Mas considera que “fixar gente intra-muros é fundamental para haver vida própria na localidade e para que o próprio comércio tenha a possibilidade de ser uma actividade não dependente dos picos”.
Destaca ainda a questão da segurança pois, apesar de não se registarem ocorrências policiais frequentes, uma povoação deserta é potencialmente insegura. Até agora a GNR tinha o seu posto dentro das muralhas, mas em breve deverá passar para o arrabalde, sendo mais uma instituição pública a sair da vila. Lá dentro só ficarão os correios, as finanças e a Câmara Municipal.
“Quem me tira Óbidos tira-me tudo!”
“Quem me tira Óbidos tira-me tudo!” A expressão é de Maria Isabel Vieira Mouga, conhecida na vila por Belinha. Actualmente com 70 anos, foi residir para Óbidos com apenas dois anos de idade com os primos depois de ter ficado órfã. Foi ali que aprendeu a ler e a escrever, que namorou e casou. Mais tarde iria com a família para Lisboa, depois Montijo e a seguir Moçambique, até que regressou a Óbidos e à sua casa na Rua Direita, onde permanece.
Considera que a vila é muito sossegada e compreende que os jovens procurem outros sítios para morar, onde “haja mais diversão”. Reconhece que a falta de estacionamento é uma condicionante, mas realça que estão muito bem servidos ao nível de equipamentos e de serviços. “Temos um supermercado aqui ao lado, um centro de saúde, escolas, piscina e uma farmácia”, conta a septuagenária, acrescentando que quando precisa de fazer compras maiores chama um táxi que lhas deixa à porta, enquanto para as outras deslocações conta com a ajuda da filha ou então da carrinha do programa Melhor Idade, que a deixa à Porta da Vila. “É tudo uma questão de orientação”, resume.
Mas Belinha gostava que houvesse mais gente a viver na vila. “Gostava de ter mais companhia, um sítio onde as pessoas se pudessem encontrar e ter momentos de convívio”, conta, lembrando que há 60 anos havia “três casas de baile sempre cheias” e que, por exemplo, na Casa da Música, fazia-se o baile das chitas.
“Deve ser aquilo que os seus habitantes quiserem”
Um cenário para eventos ou um burgo habitado? “Tecnicamente e cientificamente as duas estratégias são válidas. Numa estamos a criar um centro histórico artificial, sem gente e sem vivência quotidiana. Noutra temos um potencial imagético brutal, com projectos culturais que podem ter um efeito produtivo que não sei se teriam com população lá dentro”.
Teresa Marques, geógrafa, professora doutorada da Universidade do Porto, resume assim a validade das duas opções. Mas acha que devem ser os habitantes a decidir. “As decisões políticas partem de processos participativos e estas escolhas devem ser discutidas com os residentes”, defende.
A especialista em planeamento urbano diz que o repovoamento deste tipo de centros históricos é normalmente feito por populações muito específicas, normalmente casais jovens, devendo acautelar-se eventuais conflitos com os habitantes que já lá estão. Mas sublinha que a escolha deve ser feita entre preparar estes locais para quem os visita ou para quem neles reside. “E é quem lá vive que deve decidir”, conclui.
O presidente do Turismo do Oeste, António Carneiro, considera que o centro histórico de Óbidos tem sido dinamizado nos últimos anos. “A centena e meia de residentes que tem agora é a que tinha há 10 anos”, disse, reconhecendo que tem havido alguma dinâmica da parte da autarquia em tentar atrair pessoas para a vila. O responsável acrescenta que o mesmo tem acontecido com Torres Vedras, cidade que também tem um centro histórico classificado, em que a Câmara, depois de o ter revitalizado, tem tentado dinamizar a sua utilização, privilegiando a instalação de associações culturais e de jovens.
António Carneiro diz que o facto de Óbidos estar muito perto das Caldas leva a que as novas gerações se sintam atraídas a comprar apartamentos novos, com todas as condições, na cidade, sem as limitações ao estacionamento que existem em Óbidos.
No entanto, há uma tendência actual nos jovens para “voltar às origens”, o que o leva a acreditar na revitalização dos centros históricos. “Verifica-se também um orgulho cultural e algum revivalismo nessa matéria”, concretiza.
Três casas recuperadas no centro histórico
Dar a oportunidade às pessoas para viver e trabalhar no centro histórico é o objectivo da Câmara com a recuperação de três casas que estavam degradadas e que transformou na rede de Espaços Criativos.
Duas das habitações estão praticamente recuperadas e uma terceira está a ser alvo de obras de reabilitação, mas a autarquia prevê que nos próximos meses estas possam já estar habitadas, “especialmente por jovens famílias que tenham actividades criativas”, disse o presidente da Câmara, Telmo Faria, no passado dia 26 de Janeiro durante a visita feita aos vários espaços.
Denominados Casa José Joaquim dos Santos, Casa Josefa d’Óbidos e Casa André Reinoso (artistas ligados a Óbidos), estes edifícios sofreram melhoramentos no valor de 343 mil euros, comparticipados por fundos comunitários. Os espaços pretendem atrair para o centro da vila artistas, músicos, arquitectos, publicitários e designers, que fomentem actividades e dinâmicas de interacção com forte conteúdo artístico e cultural. A autarquia já está a preparar os requisitos necessários para as pessoas se candidatarem à ocupação das casas. No entanto, o edil garante que não são agentes imobiliários e que pretendem ceder os espaços por “rendas justas e equilibradas” .
Uma estratégia que dá a resposta possível “dentro de um quadro geral em que não há uma política pública de apoio à recuperação do património”. O autarca diz que é muito difícil contrariar a tendência de poucas pessoas a morar dentro do centro histórico por inexistência de políticas públicas, nomeadamente de gavetas financeiras ou acções que privilegiem a recuperação do património, tanto por parte das autarquias como dos proprietários.
Telmo Faria defende, por isso, a criação de incentivos financeiros que “encorajem e incentivem as pessoas a recuperar casas para continuar a permanecer dentro das áreas classificadas”, como é o caso dento do centro histórico de Óbidos. O autarca chamou ainda a atenção para o facto do actual QREN ter ignorado as áreas classificadas no âmbito da requalificação das cidades. “O país inteiro tem imensas zonas que deviam ser requalificadas e está tudo dentro de uma coisa chamada política das cidades”, criticou, adiantando que as medidas previstas não estão adaptadas às especificidades da recuperação do património.