
O físico, professor catedrático e deputado da Assembleia da República, Alexandre Quintanilha, esteve nas Caldas para dar uma verdadeira lição de ética e política. Convidado pelo PS local, o orador fez uma viagem pela evolução dos direitos humanos e alertou para o facto destes serem frágeis e facilmente poderem ser revertidos.
Referindo-se à política, disse apreciar a ideia de não haver maioria absoluta e da importância de se fazerem compromissos.

Há 700 anos os reis detinham o poder absoluto e se não gostavam de uma pessoa mandavam cortar-lhe a cabeça ou exilá-la. O documento que começa a questionar esse tipo de poder foi a Magna Carta, no século XIII. Uma questão que, à partida, nem fará sentido na Europa dos nossos dias porque não existem monarquias absolutas, mas é importante ter em conta que há poucas semanas um jornalista desapareceu no consulado da Arábia Saudita em Istambul (Turquia) e há muita gente que acha que ele foi desmembrado porque o rei da Arábia Saudita não gostava dele.
O exemplo foi dado por Alexandre Quintanilha para mostrar que ainda há sítios no mundo onde os reis têm poder sobre a vida de outrem, pondo assim em causa direitos humanos que damos por adquiridos.
A conquista da liberdade religiosa, a abolição da escravatura e o direito de voto pelas mulheres foram outros ganhos a que o orador também se referiu. Mas chamou também a atenção para as fragilidades destas conquistas. No caso do direito de voto, por exemplo, lembrou que o primeiro país a aprovar a lei para as mulheres votarem foi a Nova Zelândia, em 1893, e que a França tida como o país da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, apenas deu esse direito às mulheres em 1943. Em Portugal as mulheres passaram a ter esse direito em 1974 e houve um cantão na Suíça onde esse direito só existe desde 1991.
“Quis falar destes quatro direitos conquistados que, além de serem recentes, ainda são extremamente frágeis em alguns sítios”, disse Alexandre Quintanilha, lembrando que actualmente existe na América do Norte um presidente (Trump) que é “misógino, racista, homofóbico e que está a questionar alguns destes valores conquistados”. Também o novo governo do Brasil preocupa muita gente em relação aos direitos conquistados.
Alexandre Quintanilha falou também da área da bioética médica, sobre os direitos das pessoas num mundo em que a medicina teve avanços extraordinários no último século. Toda a medicina é uma “forma de interferir com o processo de vida para ir contra a natureza”, disse o investigador em tom de provocação e lembrando que, por exemplo, os antibióticos e as vacinas foram feitos para interferir com o processo natural da doença.
Alexandre Quintanilha lembrou a reacção inicial “extremamente” negativa da sociedade à procriação medicamente assistida, mas que actualmente existem milhões de crianças a nascer dessa forma. Mas também há outro tanto que continua a achar que a procriação medicamente assistida não devia existir, pois não se deve interferir com a natureza.
Também a realização de transplantes não é consensual. O investigador estava na África do Sul quando foi feito o primeiro transplante de coração, em finais dos anos 60, e a grande discussão na altura era se este podia ser feito de um preto para um branco. Agora, a questão ética tem a ver com o facto de ser muito mais barato ir buscar um rim ao Bangladesh do que à Alemanha, por exemplo.
“A ideia destes avanços na medicina teve enormíssimas resistências”, salientou.
Iniciar-se na política aos 70 anos
O professor catedrático deu a sua última aula em Julho de 2017, prestes a fazer 70 anos, e nunca tinha feito política na vida. Foi convidado por António Costa para encabeçar a lista do Porto nas últimas legislativas, aceitou e diz não estar arrependido. Considera que o Parlamento pode ser visto como a sociedade em miniatura, onde há pessoas de quem se gosta e outras que se despreza.
Referindo-se à realidade actual, considera que o país vive uma situação especial e que está a transmitir uma mensagem de esperança. Tem, inclusivamente, amigos americanos que querem vir para Portugal pois não querem que os filhos cresçam naquela América.
Quanto à política, diz: “aprecio a ideia de não haver maioria absoluta… é como nos casamentos, aprendemos a fazer compromissos”.
Na conversa de mais de uma hora que decorreu no Café Central, o convidado falou ainda da desigualdade que existe entre homens e mulheres, dos perigos de líderes como Trump ou Bolsonaro, que reforçam nacionalismos e racismos primários.
Para dia 23 de Novembro, pelas 18h30, estava prevista uma conferência sobre “agricultura sustentável, que futuro nas Caldas da Rainha?”, também organizada pelo PS local.
A acção teve lugar na biblioteca municipal e contou com a participação de Eugénio Sequeira, presidente da Liga para a Protecção da Natureza, Carlos Mendonça, engenheiro electrotécnico, e Isa Nobre e Tiago Ferreira, da empresa Gramas com Sabor.