Marta Verdugo
Caldas da Rainha
22 anos
Haia – Holanda
Finalista do mestrado
em Engenharia Aeroespacial
Percurso escolar: Escola Primária
Bairro da Ponte, EB 2,3 D. João II,
Escola Secundária Raul Proença
Instituto Superior Técnico.
Do que mais gosta do país onde vive?
O que me fascinou logo à chegada foi a Natureza. Em primeiro lugar, aqui tudo é plano! Tendo vivido rodeada pelos montes e vales característicos do Oeste; custa a acreditar que seja possível haver uma terra tão plana, tão nivelada. Depois, tudo é verde: a chuva, sempre presente ao longo de todo o ano, mantém toda a paisagem verde em todas as direcções. E sem esquecer os canais! Numa província abaixo do nível médio das águas, os holandeses são obrigados a abrir canais para a água passar e assim evitar que em tempos de cheia as cidades e os campos sejam alagados.
As ruas das cidades são interrompidas pelos canais que se cruzam entre si, o que traz a natureza para dentro da cidade: há patos e cisnes e até garças junto aos canais nas cidades. O planeamento urbano aqui é excelente, e para onde quer que se olhe se sente paz e tranquilidade. Acredito que o stress não faz parte do vocabulário dos holandeses.
O que menos aprecia?
O grande ponto fraco da Holanda é a comida. Mais precisamente, a inexistência de comida no sentido português da palavra. O facto é que os holandeses não têm tradição de comer por gosto, e simplesmente comem por necessidade. As pausas do almoço são de 30 minutos, o suficiente para comer uma sandes de pão de forma com um qualquer paté no interior. E é impossível testemunhar um holandês a comer algo a meio da manhã, ou mesmo a lanchar à tarde.
Claro que a grande vantagem deste hábito é a inexistência de pessoas com “alguns quilinhos a mais”. Nem a comum “barriga de cerveja” vive por estes lados. A fisionomia dos holandeses (e das holandesas) é de um eterno jovem de 20 anos. Mas no meu entender, e julgo que no entender do leitor, não há nenhuma vantagem que supere os longos almoços com a família e os amigos, em que ficamos
à mesa a conversar e a rir sobre tudo e sobre nada. É uma falha desta cultura, que eu tento corrigir nos amigos holandeses que tenho.
De que é que tem mais saudades de Portugal?
Os amigos e a família são claramente a grande ausência. Tento ir a casa com alguma recorrência,e durante esses poucos dias faço maratonas entre Lisboa e Caldas da Rainha para tentar não deixar nenhum amigo de fora. As redes sociais ajudam a encurtar a distância, mas não há nada como o convívio presencial.
O clima é também o meu ponto fraco. Receber fotos de amigos em Portugal a experenciar 20 ou 30 graus quando aqui não passa dos 13 graus dá vontade de marcar um voo só para ir sentir o calorzinho no corpo. No entender de um português, a Holanda tem Outono de Setembro a Novembro, Inverno rigoroso de Dezembro a Março, depois (aparentemente) volta o Outono até cerca de Junho; e contentamo-nos com uma suave Primavera em Julho e Agosto. Já fui alertada de que nos meses mais quentes aqui só deve chegar aos 25 graus de máxima. Estou em modo de preparação para essa realidade.
Finalmente, não posso deixar de falar nas saudades da comida. Como boa emigrante, trago as minhas provisões básicas de comida de Portugal; inesperadamente, há bacalhau salgado em supermercados turcos (!). E seguindo as receitas portuguesas até se consegue recriar os pratos a que estamos habituados, à excepção do peixe claro. Aqui os supermercados resumem-se a salmão, peixe-gato e arenque. Mas em geral, as saudades gastronómicas conseguem ser satisfeitas.
A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
Estou neste momento a meio da minha tese na Faculdade de Aeroespacial da Universidade Tecnica de Delft. Em Setembro voltarei a Portugal para a apresentar no Instituto Superior Técnico, e depois regressarei à Holanda. Consegui o meu primeiro trabalho numa sucursal da Lockheed Martin (empresa americana mais conhecida por ter construído os caças F-16, F-18 e F-35). Nesta sucursal trabalhamos no ramo comercial e eu vou colaborar com as equipas que constroem os simuladores de voo que os pilotos de avião civil usam para treinar. Como usar aviões reais para o treino de pilotos é demasiado caro, são construídos simuladores que procuram imitar tudo o que se passa num cockpit: as sistemas, as falhas dos sistemas, as falhas mecânicas… e até os sons dos motores são recriados!
“Os parques de estacionamento de bicicletas junto às estações de comboio têm capacidades superior a 10.000 bicicletas”
Não é possível falar da Holanda sem falar das bicicletas. Aqui toda a gente tem uma bicicleta, e por vezes até mais do que uma: é comum ter-se uma bicicleta em cada cidade que se visita com frequência. Torna-se natural ver bicicletas por todo o lado e até deixamos de nos chocar com os parques de estacionamento de bicicletas junto às estações de comboio com capacidades superior a 10.000 bicicletas (mas que é sempre um bom sítio para levar os amigos que nos vêm visitar e deixá-los de queixo caído).
O nível de vida é mais caro. Os transportes, os alimentos, os arrendamentos das casas, e até ir comer fora é demasiado caro para os padrões portugueses. No entanto, a proximidade à Bélgica faz com que os chocolates sejam bem mais baratos! (Há que encontrar sempre o lado positivo.) E ainda o facto de estar no ‘centro’ da Europa faz com que viagens à Alemanha, Bélgica, Reino Unido sejam muito mais em conta do que vindo de Portugal.
Quanto ao povo holandês, eles são certamente diferentes de nós. Em primeiro lugar nota-se logo a elevada organização dos sistema público. Os funcionários são altamente eficientes. O que me demorou uma semana a obter pelo Técnico, consegui aqui na faculdade numa tarde! Até nas obras públicas se nota a organização e eficiência: estão constantemente a ocorrer reparações nas estradas e nas pontes, mas nota-se claramente a rapidez e eficiência do trabalho. Profissionalmente, os holandeses são a elite.
A grande falha está na componente pessoal. Isso foi o meu maior choque cultural. Os holandeses são muito simpáticos, mas há uma clara diferença entre colegas e amigos. Por exemplo, raramente se partilham historias pessoais com os colegas. O espírito de entreajuda entre alunos do mesmo curso é muito fraco, se não inexistente. E ao almoço, só se conversa durante o tempo necessário para comer a sandes, depois volta-se logo ao trabalho.
Mesmo entre amigos, espontaneidade é coisa que não existe. Planos com amigos holandeses têm de ser definidos com cerca de três dias de antecedência. E não só a hora do encontro é definida, como também a hora de fim. É impensável aparecermos em casa de um amigo sem estar planeado: ele ou ela irá dizer algo do género “Não estou preparado para te receber” e poderemos levar com a porta na cara. Não há qualquer dúvida de que os holandeses são um povo muito simpático e aberto a outros povos e mentalidades, mas existem limites. Limites esses que um europeu do Sul não estará à espera. Falta-lhes a espontaneidade e vivacidade que alegra a vida.
Em todo o caso, eu trago essa alegria de viver com os meus genes portugueses e por isso estou a adaptar-me muito bem. A Holanda é agora a minha segunda casa e será pelo menos por mais um ano. As visitas periódicas a Portugal ajudam a repor o equilíbrio e assim consigo captar o melhor dos dois mundos. Marta Paz Gomes Verdugo