Sabia que 36% do território nacional está abandonado, coberto por matos altamente inflamáveis? E que a forma de vida triunfante em zonas de incêndio é o arbusto e não a árvore? Ou que a aposta na silvopastorícia pode contribuir para a prevenção dos incêndios? Estas foram algumas das questões abordadas na sessão “A Floresta, os Fogos e o Futuro do Território Português”, realizada no dia 21 de Janeiro, que teve como orador Pedro Bingre do Amaral, engenheiro florestal. Este foi o mais recente convidado do “21 às 21”, debate mensal organizado pela Associação MVC – Movimento Viver o Concelho.
Pedro Bingre do Amaral já tinha sido convidado do “21 às 21” em 2011 e na altura não trouxe uma perspectiva animadora sobre a crise imobiliária em Portugal. Sete anos depois regressou às Caldas para falar sobre a temática dos incêndios e o panorama volta a ser tudo menos sorridente. “Pese embora factores causais que se prendem com a ecologia, o impacto negativo dos incêndios tem muito que ver com erros nas políticas fiscais, nas políticas de ordenamento do território e com os direitos de propriedade”, disse o professor do Politécnico de Coimbra, salientando que a longo prazo nenhum país consegue ser sustentável se não souber gerir a terra que tem a seus pés.
É verdade que Portugal não tem sido um bom exemplo na gestão do seu território, mas também há desde logo um factor incontrolável que explica o elevado número de incêndios no país. Chama-se “clima mediterrânico” e caracteriza-se por um Inverno em que as temperaturas médias não costumam baixar dos 10 graus e por um Verão em que não é habitual que o termómetro supere os 30 graus. Mas ao contrário do clima atlântico (mais comum em países como França, Inglaterra ou Alemanha) em que chove durante todo o ano, em Portugal a precipitação concentra-se sobretudo nos meses de Inverno e o Verão é extremamente seco.
“Quando há épocas secas, toda a competição que as espécies vegetais fazem pelo território ganha uma nova dimensão”, explicou Pedro Bingre do Amaral, realçando que o clima mediterrânico é tão raro que as quatro estações tais como as conhecemos (Primavera, Verão, Outono e Inverno) só existem em 4% do território mundial.
Aquilo que acontece é que quando surgem incêndios, uma planta tem duas estratégias ecológicas para poder dominar o território: ou cresce em altura para ensombrar as suas rivais – podendo correr o risco de as chamas eliminarem o seu esforço num grande fogo – ou então opta por um ciclo de vida mais curto, libertando as suas sementes mais depressa e transformando-se em arbusto (em vez de árvore). “Se os incêndios forem muito recorrentes já nem compensa ser árvore, compensa é ser arbusto”, esclareceu o especialista, dando conta que actualmente já existem espécies vegetais – como a esteva – que produzem sementes resistentes aos incêndios que até germinam melhor quando são chamuscadas. “O que acaba por ser perverso, porque já são as próprias plantas que estão a criar condições para que os seus descendentes cresçam por outras vias quando há incêndios”, acrescentou Pedro Bingre do Amaral.
“MAIS DE 30% DO TERRITÓRIO ESTÁ ABANDONADO”
Actualmente, Portugal é o dos únicos países do ocidente que está a diminuir a sua área florestal em vez do contrário. Desde a década de 60, quando os campos agrícolas começaram a ser abandonados por toda a Europa, muitos países aproveitaram para investir nas florestas, mas em Portugal a maioria dos terrenos continuou ao abandono. O resultado está à vista: 36% do território está abandonado, coberto por matos altamente inflamáveis (dois em cada três incêndios começam em terrenos pouco densos ou deixados ao abandono), restam apenas 200 das 800 casas florestais criadas no Estado Novo e em vez de mais de um milhão de hectares de mata nacional, o país tem apenas 600 mil hectares.
Mas depois há vários entraves ao investimento nas florestas. A começar, “a floresta só consegue ser rentável quando é gerida acima dos 500 hectares, pressupondo uma lógica de baixo investimento por unidade de área e longos períodos de retorno”, explicou Pedro Bingre do Amaral, realçando que a maior parte dos terrenos não estão à venda no mercado, adquirem-se antes por herança. “Em Portugal, o direito sucessório entende que filhos e filhas herdam em partes iguais as propriedades dos seus progenitores, o que faz com que geração após geração os terrenos tenham cada vez mais co-proprietários, o que vem dificultar os acordos para que estes façam alguma coisa nas propriedades ”, acrescentou o especialista.
Tudo isto com a agravante que há muitas pessoas que não sabem sequer que são proprietárias dos terrenos ou onde é que estes se localizam. Por exemplo, em Oliveira do Hospital – um dos concelhos mais afectados pelos incêndios este ano – actualizou-se o cadastro geométrico da propriedade rústica mas 40% do território ficou por declarar porque ninguém apareceu. “Entretanto os incêndios continuam a propagar-se sobretudo nestes terrenos que estão abandonados, prejudicando uma casa vizinha que arde pelo absentismo de quem não se responsabiliza”, frisou o engenheiro florestal, que critica o facto de ser o Estado (ou seja, todos os contribuintes) que vem depois suportar os danos provocados pelos fogos.
O que seria, por exemplo, se nas estradas portuguesas um em cada três carros circulasse sem matrícula, sem seguro e ou sem ir à inspecção, provocasse um acidente e depois os danos fossem suportados pelo Estado? “Não se quer que um proprietário de um terreno seja tão responsabilizado como o proprietário de um carro”, acusou Pedro Bingre do Amaral.
Nota positiva é que recentemente o governo aprovou uma lei que permite ao Estado tomar posse dos terrenos não declarados, passando estes a sua propriedade se em 15 anos ninguém o fizer.