Quando a força de vontade é maior que a deficiência não há barreiras – apenas ondas para surfar

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Perto de meia centena de pessoas portadoras de deficiência foi a banhos na Praia d’el Rei
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À primeira vista as dezenas de pessoas e algumas pranchas na água indiciavam que a manhã estaria boa para a prática de surf e era visível o convívio e a alegria que reinava à beira-mar. Mas um olhar mais atento identificava no areal cadeiras de rodas, muletas e outros equipamentos que os participantes, portadores de deficiência, deixaram em terra antes de embarcar na aventura de apanhar uma onda.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

Foram quase meia centena os “surfistas” que, no passado dia 20 de Julho, se dirigiram à Praia d’el Rei para participar numa actividade promovida pela Associação Portuguesa de Surf Adaptado – SURFaddict em pareceria com o município de Óbidos.
Filomena Oliveira, de 42 anos, irradiava felicidade quando, na manhã de sábado, regressava da água onde minutos antes tinha estado em cima de uma prancha. Foi a primeira vez que experimentou surfar. “É extraordinário, já tinha visto os meninos a fazer surf, mas não tinha noção de como se manobra a onda”, conta, para logo a seguir dar nota do prazer que sentiu ao deslizar e chegar à beira mar.
Uma lesão na coluna tornou-a paraplégica há três anos mas a residente na Serra do Bouro não baixa os braços e mostra que não há limitações quando há força de vontade. “É para repetir”, diz, enaltecendo as vantagens da prática do desporto, não só para o corpo, mas também ao nível mental. O seu próprio caso é inspirador. Com a lesão veio a descobrir que o desporto “é algo maravilhoso” e actualmente é campeã nacional de hand bike (bicicleta pedalada com as mãos), modalidade que começou a praticar há ano e meio. E não se fica por aqui. Em meados de Agosto vai representar Portugal no campeonato do mundo de salto em paraquedas, em Évora.
Sentado na cadeira anfíbia e prestes a entrar na água, estava Rafael Andrino, de Leiria. Tratava-se de mais um “baptismo” na prática de surf, de um jovem a quem foi diagnosticada uma encefalomielite aos 15 anos, deixando-o paraplégico. A acompanhá-lo estava a mãe, Maria Moreira Andrino, que realça a importância destas iniciativas, que potenciam a actividade da pessoa com deficiência. No caso de Rafael a prática desportiva estende-se ao basquetebol e andebol adaptado.
A experiência estendeu-se a perto de meia centena de pessoas com mobilidade reduzida e necessidades educativas especiais. A organização é da SURFaddict, uma associação criada por um grupo de amigos, entre os quais Nuno Vitorino, antigo nadador paralímpico e Teresa Abraços, antiga campeã nacional de surf, que partilham a sua paixão pelo surf com as pessoas que têm mais dificuldades.
Estes eventos decorrem mensalmente, entre Abril e Setembro, em diversas praias do país e já contam com alguns participantes regulares. Um deles é Caiá, de 44 anos e portador de Trissomia 21, que já ajuda a organização e faz as honras da casa a quem chega à praia. Também o pai é voluntário da associação e ajuda nos preparativos e no transporte das pessoas com mobilidade reduzida para a água.
“Temos também uma jovem da Ponta Delgada, que veio com o pai e um irmão com deficiência, que pusemos na água o ano passado. Ficaram tão encantados que nos encararam como família e fizeram questão de vir para o continente durante um mês, de férias, para participar nos eventos, ajudar e conviver connosco”, conta Teresa Abraços à Gazeta das Caldas.

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Puro altruísmo

“É um trabalho de equipa e de puro altruísmo”, vinca a vice-presidente da associação, referindo-se aos vários voluntários que abdicam do seu dia de lazer para ajudar outros que têm mais necessidade e que, se calhar, nunca poderiam surfar ou ir a um simples banho de mar.
A associação conta também com parceiros locais para desenvolver a actividade, como é o caso da Câmara de Óbidos, que a realiza na Praia d’el Rei pelo segundo ano consecutivo. “É uma boa praia, tem condições excelentes, mas ainda há um caminho a fazer do ponto de vista das acessibilidades”, reconhece Teresa Abraços.
Também a vereadora com responsável pelo programa Óbidos + Ativo (que integra esta actividade), Margarida Reis, reconhece esse problema, mas garante que contam intervir a curto prazo para o minimizar e tornar a praia mais acessível a todos.
A autarca explicou que a associação está a dar formação a nadadores salvadores e aos professores afectos a este projecto no município, de modo a que a actividade possa vir a ser desenvolvida mais vezes neste concelho e sem a presença da SURFaddict. Também várias entidades locais colaboram para a concretização da actividade, como é o caso dos bombeiros de Óbidos, o hotel Marriott com a disponibilização de uma casa de banho adaptada, as refeições para os participantes e dos nadadores salvadores, e do restaurante Capinha de Óbidos, que disponibilizou o lanche.
Para além da vertente de lazer, a associação SURFaddict também promove a competição e a componente terapêutica, esta última em parceria com a Escola Superior de Saúde de Alcoitão, com quem está a desenvolver um estudo científico para aferir em que medida o surf tem impacto no dia a dia das pessoas com deficiência física ou mental. “Queremos que, de futuro, isto seja uma alternativa às terapias tradicionais, como a fisioterapia em ambiente fechado e repetitivo”, explicou Teresa Abraços, que sonha poder trabalhar em conjunto com fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e até terapeutas da fala em ambiente lúdico, de praia.

 

Voluntários de todo o país garantem a prática do surf a pessoas com deficiência
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