Ao contrário do que era esperado a junção da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro com as escolas de Sta. Catarina não resultou num novo agrupamento com o nome da primeira escola, facto que motivou forte contestação na comunidade escolar (e não só porque se trata também de uma problema da cidade ao afectar a memória de uma das pessoas que mais a distingue). Este aparente esquecimento foi tornado público no concurso de professores em que nas Caldas desaparece na lista de escolas e agrupamentos o nome de Rafael Bordalo Pinheiro.
O director, António Veiga, e o vereador da Educação, Tinta Ferreira, dizem que não sabem de nada.
Uma portaria do Diário da República de 19 de Abril para a colocação de vagas para professores refere três agrupamentos nas Caldas da Rainha: D. João II, Raul Proença e Santa Catarina. Os professores e comunidade educativa não se conformam com a perda do nome da escola, Rafael Bordalo Pinheiro, fortemente associado à cultura e identidade da cidade.
Para o presidente do Conselho Geral da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro (ESRBP), José Manuel Pereira da Silva, o facto do agrupamento aparecer denominado de Santa Catarina ao invés de Rafael Bordalo Pinheiro, representa um “grave prejuízo para uma instituição centenária”.
O professor manifestou a sua “estranheza” e “preocupação” por “vermos cair as termas, que são a primeira pedra fundadora da cidade, e vermos cair o nome Bordalo Pinheiro, que é a segunda refundação da cidade, ainda por cima na sua ligação a uma escola secundária que é a mais antiga do país” (foi criada em 1884).
O responsável destaca que esta escola está profundamente identificada com o espírito bordaliano, pelo que deixar cair o seu nome “é uma coisa que não passa pela cabeça de ninguém, sobretudo dos bordalos, que inclui os que passaram por esta casa como alunos, professores e funcionários”.
Por considerarem que este é um problema da cidade e não apenas da escola, os professores já agendaram uma reunião com o Conselho da Cidade e com o vereador da Educação, Tinta Ferreira.
José Manuel Pereira da Silva recorda que este processo é estranho desde o início. “Sempre pensámos que o agrupamento fosse com a escola do lado, D. João II, porque a legislação que enquadra a criação de agrupamentos tem um conjunto de critérios assentes na proximidade geográfica e continuidade pedagógica”, explicou. Tendo em conta que a decisão sobre o novo agrupamento, tinha que ser precedida de uma consulta aos conselhos gerais e tal não aconteceu, o responsável dirigiu uma carta ao director regional de Educação, ao secretário de Estado e ao ministro da Educação, onde impugnava a decisão por entender que não foram cumpridos os pressupostos da legislação.
O ministro e o secretário de Estado informaram que o assunto era da responsabilidade do director regional, mas desde o início do ano que este cargo foi extinto e José Pereira da Silva nunca obteve uma resposta, tendo ficado com o “facto consumado de haver um agrupamento composto por duas escolas que não têm qualquer espécie de proximidade pedagógica nem territorial”.
A professora Manuela Silveira recorda que também a comunidade escolar se manifestou contra a junção da Escola Bordalo Pinheiro com Santa Catarina, numa exposição escrita dirigida a vários órgãos, e que nenhum respondeu. A docente considera que a identidade da escola “já está posta em causa quando agrupa com Santa Catarina, nos confins do concelho, deixando ao lado uma escola com quem sempre teve grande proximidade”.
E explicou que o pressuposto destes agrupamentos é que o aluno ali faça o seu percurso escolar desde o primeiro ciclo até ao secundário, mas que isso não acontece com o agrupamento D. João II, que fica sem garantir o secundário e que leva os docentes a suspeitar das razões de ficar esta “porta aberta” nas Caldas.
“Não consegui contactar com eles”
Questionado pela Gazeta das Caldas, o director da ESRBP, António Veiga, contou que ficou decidido em Dezembro, numa reunião com a Direcção Regional de Educação, a Câmara das Caldas e os responsáveis das escolas, que o novo agrupamento passaria a ter sede na escola caldense e chamar-se-ia Rafael Bordalo Pinheiro. Essa deliberação, disse, consta de uma acta.
O director procurou explicar que “a mudança de nome e de sede é um processo paralelo aquilo que saiu em Diário da República, que foi a publicação de vagas para efeitos de concurso”. Mas não soube responder se o teor da portaria de 19 de Abril diz respeito ao conjunto da ESRBP e Agrupamento de Santa Catarina porque, diz, “somando as vagas negativas das duas escolas há pequenas discrepâncias”.
O responsável contou à Gazeta das Caldas que durante o dia de segunda feira tentou obter informações sobre a mudança de nome e de sede, assim como das vagas, junto dos diversos organismos do ministério, mas “não consegui contactar com eles”.
O responsável, que vai ser o presidente da Comissão Administrativa Provisória para a constituição do novo agrupamento – contra o qual nunca se insurgiu -, reconhece que esta foi uma situação que “causou alarme” na comunidade educativa com a qual se mostrou solidário.
Só pode ser um engano
O vereador da Educação, Tinta Ferreira, disse ter tomado conhecimento da situação pela Gazeta das Caldas e garante que se trata de um engano. “Não pode ser de outra maneira”, disse o autarca, acrescentando que há um despacho da tutela no sentido de que o novo agrupamento terá o nome de Rafael Bordalo Pinheiro.
Gazeta das Caldas questionou o Ministério da Educação sobre esta situação, mas, tal como aconteceu com o director da escola caldense, também não teve respostas.
Testemunhos
“Esperamos que a situação seja rectificada”
Herculano Elias
“Não compreendo a atitude, não há razão nenhuma para este esquecimento de Rafael Bordalo Pinheiro a quem a cidade deve a sua arte cerâmica e o prestígio conseguido no passado”. As palavras são do ceramista Herculano Elias, que possui uma grande ligação à Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, primeiro como aluno, onde ali ingressou aos 11 anos, e depois como professor. Ainda hoje o mestre miniaturista mantém uma estreita relação com a escola, leccionando um curso de formação livre de cerâmica.
“Esperamos que a situação seja rectificada” adiantou Herculano Elias, que disse também não compreender como é que aquela escola, tendo a D. João II ao lado, é agrupada com Santa Catarina, situada a 17 quilómetros de distância.
“Estamos a perder aquilo que nos diferencia”
Isabel Castanheira
“Acho que é verdadeiramente chocante. Nas Caldas da Rainha estamos a perder aquilo que nos evidencia e que nos faz ser diferente dos outros”, diz Isabel Castanheira, uma estudiosa e apaixonada pela obra de Rafael Bordalo Pinheiro.
Isabel Castanheira não sabe quem foi Santa Catarina mas sabe muito bem quem é Rafael Bordalo Pinheiro e por isso, e por achar que a cidade não merece este “disparate”, começou logo na segunda-feira a recolher assinaturas para uma petição pública, a ser entregue ao Ministério da Educação, para que o nome de Rafael Bordalo Pinheiro seja reposto à escola.