A caldense Rebeca, (nome artístico de Cláudia Henriques) é uma mulher de força e de coragem. A lutar contra o cancro da mama, a cantora acaba de lançar um livro sobre a sua vida e, em breve, vai abrir uma loja de roupa na sua terra natal.
“Quero viver cada dia intensamente”, disse a artista à Gazeta das Caldas numa entrevista onde viajou por mais de 20 anos de carreira.
Além das digressões, em Portugal e no estrangeiro, a caldense abriu a Academia de Música e de Dança Rebeca, no Campo, onde é professora de piano e de voz.
Conhecida do público por canções como “O meu nome é Rebeca” ou “Porta-te bem rapaz”, a professora-cantora contou que, dependendo do contexto, tanto gosta de ouvir Beethoven, como Guns n‘ Roses, ou Xutos & Pontapés.
“Sempre fui muito tímida, fechada e reservada”, disse Rebeca, cantora de 39 anos que se encontra a assinalar mais de 20 anos de carreira. “Quando entro em palco sou uma pessoa totalmente diferente. Costumo dizer que a Rebeca é uma boneca e eu enfio-me nela para fazer o meu trabalho da melhor forma possível!”, contou a artista, cujo nome é Cláudia Henriques à Gazeta das Caldas. Em criança já era convidada para cantar nas festas lá de casa, da escola, ou nos casamentos.
Conta a artista que o seu pai, Joaquim Henriques, era baixista dos Skylab e que era na sua casa que o grupo ensaiava. “Lembro-me de adormecer a ouvi-los a tocar”, disse, acrescentando que sua mãe também canta bem, assim como já o fazia a sua avó. Mas sempre só lá por casa. O pai ofereceu-lhe um piano pequeno e Rebeca imitava os temas dos Skylab, “mas não me passava pela cabeça cantar ao vivo para o público!”.
Antes de entrar para o Conservatório, frequentou uma escola de piano com a professora Patrícia Costa. Tinha então seis anos e recorda que a docente “teve muita paciência” para com ela. Ainda assim foi tempo para fazer uma pausa pois Cláudia Henriques não sabia “se a música era o que eu queria”.
Tinha 11 anos quando o pai a informou que iria cantar e tocar no casamento da madrinha. Desde esse dia nunca mais parou. Começou também a frequentar o Conservatório de Torres Vedras, pois ainda não havia escola de música nas Caldas. Ia de manhã cedo, de comboio, sozinha, pois os pais estavam a trabalhar.
Os seus familiares perceberam que a filha ia evoluindo mesmo sem querer participar em festivais ou concursos de talentos pois Rebeca diz que não gosta de imitar ninguém.
E cedo começou a trabalhar e a ganhar dinheiro. Com 13 anos era a teclista do restaurante Os Queridos, actuando nos seus eventos e casamentos. Também cantou nos restaurantes Cortiço, Nascer do Sol e Aviário. Sempre soube diferenciar os públicos e mudava o repertório consoante o local onde dava os espectáculos.
Só que Joaquim Henriques continuava a querer ter uma filha cantora e famosa. Sem a informar, enviou cassetes para todas as editoras em Portugal. Em 1997, “uma delas chamou-me passado três dias para firmar contrato!”, recordou a artista. Passados 20 anos, mantém-se na mesma editora, a Espacial, “uma das melhores editoras que tem todos os cantores do meu género, a música ligeira ou romântica”, disse a cantora, referindo-se a Tony Carreira, Marco Paulo, Toy, Ágata, Leandro e vários cantores brasileiros.
“Eles queriam uma cantora tipo Ruth Marlene e decidiram que era eu”, recordou a artista, acrescentando que lhe disseram que teria também que mudar de nome. “Não lido bem com a mudança repentina, gosto de fazer as coisas com calma…”, disse. Foi a cantora Ágata que escolheu o seu nome artístico. Aos 17 anos, a caldense lançava assim o seu primeiro álbum “Vai ver se chove”. Este rapidamente se transformou em disco de prata (vendeu 10 mil unidades), num ano que ficaria marcado, não só pela escolha do nome artístico e o primeiro álbum, como também pela primeira viagem até aos EUA.
Não foi fácil a primeira viagem ao estrangeiro sem os pais. A cantora diz mesmo que chorou com saudades. Chegada a terras americanas, tudo correu muito bem, apesar de na altura “ainda não conhecerem a minha cara, voz ou as minhas músicas”. Foi para Rebeca muito positivo ter ido lá fora pois também nunca mais parou. Estas actuações não contam apenas com emigrantes pois “temos muitos estrangeiros que gostam da nossa música”, referiu.
A caldense passaria a gravar de dois em dois anos e por isso desde o início da sua carreira já soma 12 álbuns. O segundo álbum “Peço-te Ajuda” “deu-me o balanço e estrutura para alcançar o sucesso, dado que chegou à platina”, tendo ultrapassado também as 20 mil unidades vendidas.
Rebeca trabalha desde sempre com o compositor Ricardo Landum que é de Lisboa. Ele conhece bem a cantora e trabalha também com outros artistas como Tony Carreira, Ágata, Ruth Marlene e Romana.
É deste compositor um dos hits de maior êxito – “O meu nome é Rebeca” -, que data de 2013 e que foi também platina. “Permitiu-me chegar a mais público e a mais idades. Tenho sempre crianças atrás de mim!”, disse a cantora que tem uma equipa de 20 pessoas a trabalhar nos seus espectáculos. Em palco estão sete pessoas (cantora, bailarinas, coristas), mas a estes juntam-se o manager (o pai), técnicos de som, músicos e carregadores.
Cada tournée pode ter entre os 90 e 100 concertos por todo o país e estrangeiro. Os concertos têm por norma uma hora e dez minutos e o que mais custa são as viagens pois “amanhã estamos no Algarve e no dia a seguir em Bragança”, contou. Acrescenta que faz também muitas festas universitárias, referindo que sempre a trataram bem. Nesses festins já sabe que no encore não pode faltar o seu sucesso “O meu nome é Rebeca”.
Selfies e autógrafos
A promoção deste trabalho já está na estrada e Rebeca já fez 28 concertos entre Junho e Setembro.“Este foi o Verão que eu mais gostei de fazer”, disse a cantora que se sente apoiada pela sua equipa e pelos seus fãs. “Acabamos por ser outra família também!”, disse a artista, que sente o apoio de todos, tendo salientado o da sua irmã, Vanessa, que considera “uma excelente profissional que trabalha com o coração”.
“Depois dos concertos passo pelo menos uma hora e meia a dar autógrafos e a conversar um pouco com cada pessoa”. Os fãs fazem fila e “eu tenho que estar disponível para elas”, disse Rebeca, que acha que faz parte do seu trabalho artístico conversar com os fãs e aceder aos seus pedidos para tirar fotografias.
As digressões vão continuar a ser de Norte a Sul do país, e este Verão, Rebeca já voltou às mega-actuações com 40 mil pessoas em Cortegaça ou 30 mil na Póvoa do Varzim. Actualmente a cantora constata que os seus concertos têm no mínimo entre 4000 a 5000 pessoas.
A caldense conta que entrar em palco implica algum nervosismo inicial, mas que depois “passa e as coisas vão fluindo pouco a pouco”. É uma verdadeira experiência “calarmo-nos e ouvir as pessoas a cantar as nossas músicas. É muito gratificante”. Este ano, Rebeca deu com alguns fãs a chorar ao vê-la cantar. “Algumas achavam que eu estava muito doente, sem me poder mexer, mas nós, com a nossa força e vontade de viver, fazemos tudo, não é?”
Agora não podia estar mais satisfeita pois a sua médica já lhe permite viajar de avião e actuar no estrangeiro. Até agora, por causa dos efeitos secundários dos tratamentos, não achava aconselhável. Actualmente já estão previstas actuações em França, Suíça e Alemanha.
A cantora que ensina na Academia
A caldense, para além da sua vida nos palcos, já deu aulas no Centro da Juventude e agora lecciona na sua Academia de Música e da Dança, designada Rebeca, que abriu há três anos no Campo, onde vive. “Já dou aulas de piano e voz há mais de 15 anos”, disse a artista, que adora ensinar e ver os seus alunos evoluir. Neste momento tem 18 estudantes, mas já foram mais.
“Como professora não posso dizer que música pimba não presta ou que só a música do Conservatório que é boa”. O que se passa é que Rebeca gosta de todo o tipo de música desde que esta “seja bem cantada e tocada”. Quanto aos géneros, tudo depende do sítio onde estiver. “Se eu for para um local onde me apetece dançar, não vou ouvir piano”, disse a cantora à Gazeta das Caldas, explicando que este último tipo de música é o que prefere quando descansa.
A cantora diz que se dedica à música ligeira, popular ou romântica e que não vai dar um concerto para o Norte do país a cantar 12 canções para piano.
“As pessoas querem ouvir as canções que têm sucesso e se nos chamam cantores pimba, então estão a chamar pimba aos portugueses que são quem compra os nossos discos!”, referiu a artista que sublinha que canta para o público e não para si própria. O que gosta, ouve em casa. E no seu caso, os géneros são variados. Vão desde a música clássica (entre os eleitos está Beethoven), passando pelos Queen, Guns and Roses, os brasileiros Roupa Nova (que actuaram recentemente em Lisboa) e pelos Xutos & Pontapés.
Na sua opinião, a música portuguesa não é suficientemente valorizada. “Em Espanha só se ouvem músicas deles, nem uma única portuguesa enquanto que nós fazemos ao contrário”, disse a cantora. Rebeca vê alguns sinais de mudança como, por exemplo, pelo facto de “O meu nome é Rebeca” ter passado na Rádio Renascença e na RFM, algo que até agora ainda não tinha acontecido.
Um novo livro e uma loja de roupa
Recentemente foi dado à estampa o livro “Eu e Vida” que é a biografia de Rebeca. Foi escrito por Manuela Pereira que é também a responsável da editora “A minha vida dava um livro”. A obra está a ser promovida nos programas de televisão e nas Fnac’s, mas a cantora quis que o lançamento fosse nas Caldas, no Céu de Vidro, a 15 de Setembro, apesar de toda a gente lhe pedir que o fizesse em Lisboa, onde tudo acontece.
“Sempre vivi nas Caldas, é cá que tenho a família e amigos, logo quis que fosse feito o lançamento cá”. Parte do lucro desta obra reverte a favor da Associação de Ajuda à Mulher com Cancro de Mama.
No dia do lançamento do livro, uma sessão muito emocionada e partilhada por Rebeca com familiares e amigos, o presidente da Câmara Tinta Ferreira convidou a cantora para actuar no CCC.
“A cidade merece um concerto bonito e bem diferente”, disse Rebeca que vai preparar uma actuação diferente, com temas ao piano, e que se vai realizar antes do próximo Verão.
A artista tem uma óptima relação com a sua cidade e todos os anos diz que não vai cantar nas Tasquinhas, na Expoeste pois “não quero massacrar o público”. Mas é o próprio presidente, Tinta Ferreira, quem a convence, dado que “a casa está sempre cheia!”. Enquanto as pessoas a forem ver ela actuará, mas diz que não o vai querer fazer até ser velha. “Quero dar a vez aos outros pois também gostei que me fizessem o mesmo”, diz.
Além do Parque, a artista gosta de ir à Foz do Arelho e às esplanadas de S. Martinho do Porto. Rebeca refere-se com apreço à Praça da Fruta, local por onde passa quando chega de madrugada, dos concertos. É também um dos locais que deveria ser mais valorizado e por isso já gravou naquele local o videoclip do tema “Porta-te bem Rapaz”.
Em breve, a cantora vai abrir, perto da Praça de Touros, uma loja de roupa, acessórios e sapato.
“Agora vou fazer na vida tudo aquilo que me apetece e que aquilo que mais amo”, disse a artista para quem não há nada melhor do que estar com o seu filho, Rubin, de 11 anos, que já acompanha a mãe nalguns temas com a sua guitarra.
A recuperar de um segundo cancro
Em 2010 a cantora teve um cancro na tiroide. “Era maligno e ficou tudo resolvido”, disse a artista, acrescentando que após esse período da doença lançou o tema “Voltei a Viver”, também de Landum, uma celebração à vida.
Em 2017, durante uma pausa nos concertos, foi descoberto que sofria de cancro na mama. Tinha um tumor, mas felizmente “encontrei-o a tempo”, disse Rebeca, explicando que o mais importante em relação a esta doença é detectá-la o mais cedo possível. “Só se consegue vencer se formos a tempo e não estiver metastizado, temos que ser realistas”, afirmou.
Rebeca iniciou os tratamentos e não cessou de batalhar contra o cancro, tendo feito tratamentos de quimioterapia e de radioterapia. Chegou a uma altura em que deixou de ter forças para fazer concertos. “Se cantava uma canção ficava ultra cansada, cheia de dores no estômago, com muitos enjoos”, contou a cantora recordando que os tratamentos à doença provocam estes efeitos secundários. “É uma doença que desgasta”, contou a caldense que chegou a ter vergonha do seu aspecto físico, que a deixou sem cabelo, pestanas ou sobrancelhas.
“A vida é mesmo assim. A minha médica diz que basta ter mamas para poder ficar doente”, disse, voltando a sublinhar a importância da própria mulher conhecer o seu corpo e de fazer rastreios, que têm que ser pedidos pelos médicos de família.
Por tudo o que estava a viver, Rebeca sentia-se numa gaiola, completamente enclausurada. “Eu não dizia o que se passava. Só a família e os amigos mais chegados é que sabiam da doença”, contou acrescentando que tudo passou a ser muito difícil para a sua carreira. Deixou de fazer concertos e de aparecer nos programas de televisão. “Ligavam ao meu pai a dizer que queremos cá a Rebeca em Outubro. ‘Ela não pode, está ocupada. Então e em Novembro? Também está ocupada…’ Já eram mentiras a mais e nós não somos pessoas assim…”, recordou.
Outra pessoa que teve um papel importante na sua recuperação foi a apresentadora Cristina Ferreira. “Vamos tirar-te da gaiola e de repente abriu-me as portas para falar da doença”, contou a cantora, que apareceu sem cabelo na capa da revista Cristina, assumindo que estava doente, atitude que teve um grande impacto. Até então, a caldense não tinha tido a noção de como era importante falar sobre a doença, para si e para outras pessoas que estão a passar pelo mesmo.
Começou a receber cartas de gente de todo o mundo, sublinhando a sua atitude e partilhando a forma como encara o cancro.
O seu último trabalho “Irei Vencer” foi gravado enquanto Rebeca ainda fazia quimioterapia. “É um tema muito forte, feito de propósito para mim sem contudo abordar directamente da doença”, rematou.
Todos iguais perante a doença
“Uma doente oncológica nunca na vida vai ter sossego”, contou Rebeca, acrescentando que é natural ter receio. “Há uma espécie de nuvem negra atrás de mim…”, disse, acrescentando que é necessário continuar, aprendendo a viver assim, com algumas limitações. “Sofro de dores articulares dado que ainda estou a fazer imunoterapia”, especificou a cantora, que vai continuar tratamentos até Dezembro.
Actualmente Rebeca deixou de pensar, como a maioria, de que “somos imortais e que estas doenças só acontecem aos outros. Não é verdade, perante o cancro, somos todos iguais”.
Um dos momentos marcantes desta fase em que a cantora já terminou os tratamentos foi no seu concerto nas Tasquinhas, em Agosto passado quando, a meio da actuação, resolveu tirar a cabeleira loura perante milhares de pessoas.
“A minha vida é um livro aberto e a cabeleira fazia-me imenso calor e por isso resolvi tirá-la em pleno concerto”, recordou a cantora, sem problemas de assumir que os tratamentos fizeram com que deixasse de ter o seu longo cabelo natural.
No palco estava também a cabeleireira e sua amiga Ana Saramago, que rapidamente a auxiliou a arranjar o cabelo, agora curto, assumindo o seu novo look, associado à recuperação da doença.
Continua, no entanto, a receber mensagens de doentes de todo o mundo com fotografias “das pessoas com perucas bem bonitas”, referiu explicando que muitas, como a cantora, ficaram carecas, sem pestanas nem sobrancelhas.
“Temos que nos maquilhar para nos sentirmos um pouco melhor”, disse Rebeca que ao longo do seu percurso tem ajudado outras pessoas doentes. “Espero poder continuar a ajudar”, rematou.