Recordar a Secla que, se existisse, teria 70 anos

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Gazeta das Caldas
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A fábrica Secla foi fundada nas Caldas em 1947. Se esta não tivesse encerrado em 2008, teria celebrado em 2017 o seu 70º aniversário. Assinalar esta data acabou por ser o mote para Gazeta das Caldas relembrar aquela unidade fabril que foi uma das mais importantes nas Caldas e a nível nacional, dado o seu carácter exportador, chegando a comercializar para o estrangeiro quase toda a sua produção.
A empresa que chegou a ter perto de mil funcionários nos anos 50 do século passado, promovia modalidades desportivas e até tinha médico de forma permanente.
A procura pelas suas peças, funcionais e decorativas, foi sempre crescendo e a Secla chegou a ter três fábricas nas Caldas. No entanto, a globalização e a concorrência asiática fizeram com que a empresa terminasse em 2008, como muitas outras naquele período de crise económica mundial.
A Gazeta das Caldas propõe uma viagem, contada por cinco testemunhos, a esta empresa que teve um impacto social e económico determinantes na cidade e na região.

Gazeta das CaldasAntónio Cardoso: “Foi uma verdadeira escola de vida”

António Cardoso entrou para a Secla em Março de 1959. Tinha concluído o curso de cerâmica na Escola Industrial e Comercial e um dos seus professores tinha sido Pinto Ribeiro, um dos fundadores da Secla. “Acabei o curso em 1955 e fui trabalhar com o meu avô, José Alves Cunha, que tinha uma fábrica no Beco do Borralho”, disse António Cardoso à Gazeta das Caldas .
Entretanto, Pinto Ribeiro, antes de gerir os destinos da Secla, tinha alguns clientes estrangeiros que queriam adquirir cerâmica tradicional das Caldas. “E ele adquiria-a na oficina do meu avô”, diz António Cardoso. Para continuar a comprar louça de forma regular às oficinas caldenses, Pinto Ribeiro chegou inclusivamente a fundar uma empresa, designada Volcar, em 1946. Esta durou meses, tendo, no ano seguinte dado lugar à Sociedade de Exportação e Cerâmica Limitada (SECLA). O objectivo era o de colmatar a grande procura de cerâmica, sobretudo por estrangeiros e que já não era satisfeita pelas pequenas oficinas familiares.
Em 1959 Pinto Ribeiro convida António Cardoso para ir trabalhar para a Secla. O jovem aceita e vai para a unidade industrial, tendo começado a trabalhar no laboratório. Mas o seu avô fica desgostoso porque via nele um continuador do seu ofício. “Na realidade aquelas unidades familiares não tinham futuro. Imagine uma fábrica a fazer fumo atrás da Rua das Montras! Não podia ser…”, disse António Cardoso que chegou mais tarde a director da Secla.

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António Cardoso, junto ao que resta da fábrica onde trabalhou durante 13 anos
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Quando Cardoso entrou para a empresa havia duas pessoas que dirigiam a fábrica: Pinto Ribeiro e Ponte e Sousa (que detinha a maioria do capital). O primeiro “era a pessoa mais importante naquela fábrica. Ele foi o meu mestre, o melhor patrão que eu tive até hoje!”, disse. Além de lidar com os clientes estrangeiros, Pinto Ribeiro foi o grande responsável por implementar iniciativas de cariz social. Criou um clube de voleibol, implementou aulas de ginástica, promoveu a criação de uma cantina (onde eram vendidos bens de primeira necessidade a preços sociais) e até de uma creche onde as mães que trabalhavam na fábrica podiam deixar os filhos. Nesse tempo, nos anos 50 do século passado, a Secla tinha médico e enfermeira.
“Era uma pessoa desempoeirada e muito viajada”, disse António Cardoso sobre Pinto Ribeiro, acrescentando que este frequentou Belas Artes e que era um designer nato que chegou a produzir várias peças na fábrica. “Por vezes tínhamos que lhe travar o ímpeto dado que as peças de Pinto Ribeiro eram muito artísticas, logo nada fáceis para a produção!”.
Quando António Cardoso entrou para a unidade fabril, a directora artística Hansi Stael já tinha adoecido e deixara a fábrica. Esteve sim com Ferreira da Silva e Hernâni Lopes, que anteriormente já tinha sido seu professor de Desenho.
“O segredo da Secla foi a inclusão de funcionários que vieram da fábrica de Sacavém”, contou à Gazeta, explicando que estes funcionários estavam em áreas chave como na modelação, nas madres e nas pastas.
António Cardoso assistiu ao desenvolvimento do Estúdio Secla por onde passaram vários artistas trazidos por Pinto Ribeiro. Foi o caso de Câmara Leme, José Aurélio, António Quadros, Santa Bárbara, Júlio Pomar, Miriam Câmara Leme, Maria Antónia Paramos, entre outros. “Sempre ouvi Pinto Ribeiro a dizer que a vinda dos artistas dava prestígio à fábrica”, disse.
A seguir ao 25 de Abril, houve um período em que o escudo desvalorizou tornando os produtos portugueses mais baratos para os estrangeiros que os compravam. “Foi isso que deu ânimo para fazer a Secla 2”, referiu António Cardoso, explicando que a nova unidade se dedicava a produzir peças exclusivamente para a exportação.
A primeira aposta julgava-se que era na louça de mesa, mas depois começaram a surgir encomendas de vasos pedidos por clientes da Holanda e da Alemanha. “Chegámos a fazer 150 mil vasos por semana”, disse o responsável, explicando que “só fazíamos aquilo que estava vendido! Não fabricávamos nada para o monte”.
A Secla chegou a produzir para grandes armazéns como a Marks and Spencer. “Em cada cinco pessoas desta região, uma trabalhava lá ou tinha lá um parente”, afirmou António Cardoso, acrescentando que toda a gente comentava que aquela unidade fabril não podia fechar. “Eram tantas as empresas que prestavam serviços à Secla….”.
Só que na verdade a fábrica não aguentou. António Cardoso ainda identificou outro problema: tinha uma estrutura de gestão muito pesada. “Não havia nenhuma fábrica de cerâmica em Portugal com uma administração tão grande”, disse o ex-funcionário. Os custos fixos eram demasiado elevados e desequilibravam as contas.
Questionado sobre se a Secla teria hoje viabilidade, António Cardoso considera que sim, dado que existem “outras a funcionar actualmente com características idênticas”. Hoje o mercado da cerâmica em Portugal está a crescer com a larga maioria das empresas do sector a dar resposta a encomendas.

“A Secla sempre pagou acima da média”

Raimundo Santos, 57 anos, é natural de Vila Nova de Alvorninha. Quando terminou o 7º ano do liceu, ainda nos Pavilhões do Parque, no final dos anos 70, entrou para a Secla como servente na secção de pintura.
Dava apoio aos pintores, transportando as peças em chacota em carros para que estes profissionais as pudessem decorar e depois trazê-las de novo, após pintadas, para a vidração. Esteve naquele serviço dois anos até que, em 1981, com o aparecimento dos computadores fizeram um concurso interno e como Raimundo Santos tinha o 7º ano do liceu, rapidamente transitou para a secção de pessoal.
O primeiro trabalho foi como apontador. Verificava os relógios de ponto, fazia as estatísticas de faltas e de absentismo e ajudava quem trabalhava na secção de pessoal. Fez o curso de operador de terminais e depois de operador de computador e foi subindo de posto – de apontador para escriturário e mais tarde chefe de serviço – sempre ligado ao sector do pessoal.
“A Secla foi uma verdadeira escola em todos os aspectos”, disse Raimundo Santos. Ali formaram-se os melhores técnicos – como Zé Carlos e António Cardoso – e quando a Universidade de Aveiro iniciou os cursos de engenheiros cerâmicos, “muitos estagiaram na Secla para aprender os aspectos técnicos”, referiu o ex-funcionário, acrescentando que foram muitos os alunos das escolas da região que realizaram naquela unidade industrial os seus estágios profissionais.
“A Secla sempre pagou acima da média e havia regalias”, disse o funcionário dos Recursos Humanos, explicando que, por exemplo, sempre pagaram complementos de reforma e outros relacionados com a baixa médica. Estes benefícios constataram-se desde 1976, altura em que o contrato colectivo de trabalho foi negociado. A fábrica caldense sempre teve “uma mística diferente”. Raimundo Santos explicou que a administração foi “aberta” e, em relação ao aspecto sindical, “tínhamos delegados muito activos e com capacidade negocial”.

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A equipa de voleibol da Secla. Em cima Raimundo, Chico Brito, António Gil, e Tavares, em baixo, Alberto Filipe, Nelson, Susano e Queiróz
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Raimundo Santos laborou 29 anos nos Recursos Humanos da empresa

 

 

A segunda fábrica em 1982

Nos anos 90 surge a necessidade de modernizar a fábrica. A Secla 1 trabalhava em dois pisos: o fabrico da pasta era feito no rés do chão e posteriormente o enchimento da calda e o acabamento das peças era feito no piso superior. “Era uma estrutura que foi crescendo para cima e para os lados e a administração sentiu necessidade de criar uma nova unidade”, contou Raimundo Santos.
Em 1982, com a construção da Secla 2, junto ao cemitério há um acréscimo de pessoal. “No máximo houve 914 funcionários. Depois havia mais 10 menos 10… mas desse número efectivamente não passámos”, disse Raimundo Santos que laborou 29 anos nos Recursos Humanos até sair da empresa caldense.
Nesta unidade trabalhava-se com uma pasta feldespática (mais resistente) que se destinava à produção de vasos para os clientes na Holanda e Inglaterra.
“Nessa altura entrava e saía muita gente pois havia trabalho em muito lado. Num mês entravam 40 e saía igual número”, disse Raimundo Santos, acrescentando que havia pessoal que rodava pois viviam-se dias favoráveis na construção de obras públicas recordando, por exemplo, a concessão das autoestradas da região “que pagava bem”. E havia gente para quem trabalhar nas estradas ou numa fábrica era igual.

Terceira unidade só para grandes clientes

A Secla 3 foi inaugurada em Maio de 1994 na Zona Industrial. A sua construção deveu-se ao aparecimento de grandes clientes, muitos americanos, “que queriam peças de qualidade e que valorizavam muito a pintura à mão”, contou o funcionário.
Aquela unidade industrial foi construída tendo como meta atingir um milhão de peças por mês. “Tínhamos dois fornos contínuos que trabalhavam em permanência”, disse Raimundo Santos, explicando que estes só eram desligados para manutenção.
Nos primeiros anos desta unidade, os clientes internacionais valorizavam peças decoradas e pintadas à mão. Só que os gostos mudam e vários clientes internacionais começam a preferir peças massificadas, produzidas no Oriente. “O princípio do fim começa em 2000”, disse Raimundo Santos, explicando que clientes como a Ikea – que consumiam entre 50% a 60% da produção da Secla – iniciam a extensão dos seus negócios à China. Por terem melhores condições no Oriente “começam a fazer pressão para baixarmos os preços”. O problema é que o forno tinha que trabalhar “e não tínhamos outro cliente que pedisse aquela quantidade…”, disse Raimundo Santos.
Em 2003 surgiu a necessidade de baixar custos e a administração decidiu encerrar a Secla 2. “Conseguiu-se concentrar todo o processo produtivo na Secla 3 em 2004”, disse Raimundo Santos, que foi encarregue de fazer um estudo e de indemnizar os funcionários que já não tinham trabalho na fábrica e que eram cerca de 200. O processo foi facilitado dado que eram então permitidas reformas antecipadas aos 55 anos. “Caso a caso foi tudo analisado e ninguém ficou abandonado”, disse o então funcionário, explicando que a unidade da Zona Industrial ficou então com 300 funcionários durante os últimos quatro anos, até 2008.
A Ikea acabou por sair em 2006, levando ao encerramento desta unidade. Foi uma altura em que nas Caldas apenas se manteve a loja e alguns serviços administrativos. Dois anos depois, foi mesmo necessário fechar….
“A desistência dos grandes clientes que se viraram para o Oriente fez com que nas Caldas e em Alcobaça, onde trabalhavam 5000 pessoas, passassem a laborar apenas mil”, sintetizou Raimundo Santos sobre o que aconteceu no sector da cerâmica nos dois concelhos vizinhos. Ainda hoje, costuma reflectir se em relação à fábrica caldense foram tomadas as melhores decisões de gestão. “Se tivessem sido tomadas outras resoluções, se calhar a fábrica ainda hoje poderia existir”. O que não há dúvidas é da importância que a Secla teve na sua vida: “Foi lá que conheci a minha mulher e enquanto lá trabalhava que nasceram os meus filhos. Foi para mim uma verdadeira escola de vida”, rematou.

“Tive excelentes mestres e trabalhei
com muitos bons profissionais na cerâmica”, contou Alice Gesteiro

Alice Gesteiro, a actual presidente da Junta do Nadadouro, teve o seu primeiro emprego na Secla. “Estive sempre na área comercial e mercado externo”, lembrou a autarca à Gazeta das Caldas, acrescentando que trabalhou naquela sociedade entre 1977 a 1984. A partir deste último ano, Alice Gesteiro trabalhou noutras empresas, mas sempre ligadas à cerâmica como a A. Lemos Lda. (Agência de Exportação de Cerâmica), Faianças Subtil e Cartexport. As três empresas funcionavam na Zona Industrial.
Alice Gesteiro acabou por voltar à Secla em 1993 e só saiu quando a fábrica encerrou, em Junho de 2008.
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Alice Gesteiro no seu posto de trabalho na empresa e no mostruário, acompanhada pelo director comercial, Carlos Costa

 

A agora autarca esteve sempre ligada à área comercial e ao mercado externo e passou por todas as tarefas, desde assistente até responsável pelo departamento dos clientes. “Tive excelentes mestres e trabalhei com muitos bons profissionais na cerâmica”, contou.
“A Secla foi uma escola, uma família e desde o início vesti facilmente a camisola”, disse. Na sua opinião, a cerâmica é uma área “muito interessante” e naquela unidade industrial era possível ver nascer um projeto e acompanhar todo o seu desenvolvimento. Apesar de ela só estar ligada à última parte do processo – a comercialização do produto – na Secla assistia à modelação das peças, à execução das amostras, à escolha das cores e das decorações, num longo caminho até chegar à encomenda e à sua entrega. Também apreciava ver as peças nas lojas dos seus clientes. Conta hoje que foram “desafios sempre muito interessantes que me deixam saudades” porque “foi ali que cresci profissionalmente, mas também em termos pessoais”.
As amizades ficaram para sempre e “quando nos encontramos lembramos sempre os bons momentos que ali passámos”, disse.

Ana Pessoa de Carvalho – uma ligação emotiva à Secla

“Estou ligada à Secla de uma forma mais afectiva do que propriamente como conhecedora”, disse Ana Pessoa de Carvalho, a filha de Fernando Ponte e Sousa, um dos fundadores da unidade fabril caldense.
Era uma jovem com 16 ou 17 anos quando o seu pai se começou a interessar pela cerâmica e pela vida nas Caldas da Rainha. Vinham de Lisboa e a jovem passou a acompanhá-lo no Verão, tendo tomado contacto com a vida na cidade termal, a sua praça e os jogos de ténis no Parque.
“Desde pequena que ficávamos no Hotel Rosa. Ainda me lembro do cheiro das maçãs na sala de jantar e dos cinco escudos que o pai dava para comprar miniaturas de peças de vidro na praça”, lembrou Ana Pessoa de Carvalho, acrescentando que o pai jogava ténis e pescava com regularidade, chegando a passar de barco da Lagoa para o mar.
Nos anos 50, Ponte e Sousa interessou-se pelo futebol das Caldas e, sob a sua direcção, a equipa caldense alcançou a primeira divisão.
“O meu pai tinha muita curiosidade por tudo o que era novo: fotografia, filmes, escultura”, contou a filha dando a conhecer que Ponte e Sousa chegou a fazer algumas peças de cerâmica de teor regional. Recordou também que ele tinha “um grande carisma” e que se aplicava em tudo o que fazia.
O sócio fundador da Secla era ainda, nas palavras da filha, um bon vivant e um bom amigo. Nas Caldas, Ponte e Sousa tinha “grandes companheiros” como Faustino da Gama e Costa e Silva e “gostava imenso de fazer partidas”, recordou. Era também solidário tendo, durante a Segunda Guerra, apoiado famílias de refugiados que vieram para as Caldas. Envolveu-se também em várias campanhas para a aquisição de equipamentos como uma ambulância para os Bombeiros.

Filha e mulher de administradores

Da fábrica, Ana Pessoa de Carvalho recorda-se de Ferreira da Silva e de Herculano Elias e ainda da directora artística, Hansi Stael. “Lembro-me de acompanhar o meu pai ao atelier dela”, contou, recordando como a artista húngara gostava de usar os temas da região para decorar as peças. São exemplo disso a pinturas das mulheres da Nazaré em grandes pratos também produzidos naquela fábrica caldense.
Mais tarde, a filha de Ponte e Sousa casa com Pedro Pessoa de Carvalho. “A certa altura o meu pai pediu-lhe ajuda para vir trabalhar na Secla, após o 25 de Abril”, disse Ana Pessoa de Carvalho, explicando que o seu marido passa na época a integrar a gestão da Secla. À medida que o marido ganha importância na administração da fábrica, o pai Ponte e Sousa vai, aos poucos, afastando-se da gestão da empresa.

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Ana Pessoa de Carvalho recordou como a Secla fez parte da sua vida

“A Secla passou a ser importantíssima para o meu marido”, disse Ana Pessoa de Carvalho, acrescentando que quando ele começou a trabalhar havia 600 empregados. Segundo explicou, o seu marido, Pedro Pessoa de Carvalho “tentava perceber toda a gente, sabia gerir conflitos e sempre teve a capacidade de lidar com situações da crise”. Foi sob a sua direcção que foi feita a segunda unidade industrial, em 1982. Foi nessa altura que nas duas unidades havia muito perto das mil pessoas a trabalhar. “Quase toda a gente tinha um familiar naquela fábrica”, afirmou.
Já em finais dos anos 80 começaram a aparecer as primeiras dificuldades com o aparecimento de peças copiadas no Oriente e a gestão a ficar cada dia mais complicada ao ponto de ter sido necessária a intervenção do Instituto de Participação do Estado (IPE). O marido de Ana Pessoa de Carvalho “tinha imensa esperança que viessem pessoas com capacidade de gestão, mas tal não aconteceu”, disse. O grupo Aleluia em 1987 ficou com 51% da empresa, mas a concorrência asiática impediu a progressão da Secla.
“Quando as coisas começaram a correr mal ainda tentei separar algumas peças para um futuro museu. Recordo-me que havia obras que mereciam futuramente ser dadas a conhecer”, disse Ana Pessoa de Carvalho. Na sua opinião, a Secla “talvez tivesse crescido demais… Foi um desgosto quando acabou”, disse, referindo-se ao ano de 2008.
Quando veio morar para as Caldas nos anos 70 com os seus 10 filhos, foi convidada pelo bispo de Lisboa, D. António Marcelino a dar aulas de Religião e Moral nas escolas secundárias das Caldas.
Um dos seus filhos, Paulo Pessoa de Carvalho, hoje empresário, também trabalhou na Secla, tendo passado pelo departamento de pessoal, logística e mais tarde pela área comercial.

Para Gama Diniz trabalhar na Secla
“era uma maravilha”

Alberto Gama Diniz tem 79 anos e é ceramista, para além de pintor que se afirmou na região da Marinha Grande. Nasceu em Lisboa e veio para as Caldas da Rainha aos 18 anos para trabalhar na Secla.
Trabalhar naquela fábrica “era uma maravilha”, recordou Gama Diniz que viveu nas Caldas entre 1956 e 1960.
Entre as suas memórias está presente uma história de quando uma vez pediu a Ferreira da Silva, que era então o chefe da secção de pintura, que o deixasse pintar os pratos grandes,onde os pintores imitavam os desenhos da Hansi Stael.
Gama Diniz esforçou-se ao máximo, tendo a decoração da peça saído na perfeição. O resultado é que acabou por ser um tanto inesperado… Ferreira da Silva informou-o que não poderia continuar a trabalhar naquela tarefa: “Não podia ficar pois os pintores de primeira diziam que eu lhes tirava o trabalho… Na base proibiram-me de trabalhar!”, recorda.
Gama Diniz gostava de pintar os motivos da Secla, criados por Hansi Stael. “Ela era uma senhora com alguma idade e eu ia a casa dela para aprender a pintar”, contou. Fazia-o fora das horas de trabalho para apurar as técnicas de pintura. “Era um prazer falar com ela sobre arte e pintura”, contou Gama Diniz, que acrescentou que foi criado num reformatório, sem qualquer formação artística. Mais tarde a artista húngara ficou doente e o pintor deixou de lá ir.
Gama Diniz afirmou que a Secla foi uma verdadeira escola. “O Ferreira da Silva era um homem impecável, mas já o Herculano Elias era diferente, mais reservado”. Quando Gama Diniz começou a trabalhar, Ferreira da Silva classificou-o como “um rapazinho com habilidade”. Dizia-o com ternura. Para o pintor, o homem que então era o encarregado geral da unidade industrial “tinha uma capacidade extraordinária de entender os outros”.
“Tecnicamente, o Ferreira da Silva era irrepreensível. Era um mestre a mexer no barro. Ele, a partir de cacos, fazia peças”, referiu, tendo sublinhado o facto de Ferreira da Silva ter acumulado experiência noutras fábricas como a Cerâmica Bombarralense e a Olaria de Alcobaça e de mais tarde ter conseguido ganhar uma bolsa, da Gulbenkian e ido para Paris em 1968.

Da cerâmica para a vidro

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O artista, que vive na Marinha Grande, continua a fazer projectos de cerâmica para Peniche

Em relação à administração da Secla, Gama Diniz acha que
a maioria das actividades da fábrica “tinham a alma de Pinto Ribeiro… Ele sabia que as coisas estavam a mudar…”. Diz que este “era uma boa pessoa e um bom patrão” e que esse espírito de mudança também era notório em Ferreira da Silva e na Madame Stael. O pintor lembrou ainda que na fábrica caldense se fomentava a prática desportiva e inclusivamente havia equipas organizadas entre os trabalhadores.
Durante os quatro anos em que o pintor de cerâmica viveu nas Caldas, de 1956 a 1960, fez também parte do Conjunto Cénico Caldense. As Caldas era então “um meio pequeno com pouca vivência e as pessoas de teatro eram queridas de uns e odiadas por outros”, contou.
Em 1960 Gama Diniz quis sair da fábrica caldense. Ainda houve negociações com Pinto Ribeiro para que este ficasse, mas Gama Diniz já tinha a decisão tomada: tinha arranjado novo emprego, a ganhar mais dinheiro e “dei com os pés à Secla”. Reconhece que era teimoso e hoje afirma que lamenta algumas tomadas de decisão relativas à sua vida profissional. Na década de 60 passou a trabalhar como decorador artístico na indústria de cerâmica em empresas da região de Alcobaça e Valado dos Frades.
“Quando tentei voltar para a Secla em 1966 queriam que eu fosse ganhar o mesmo que ganhava quando saí de lá”, contou Gama Diniz, que não aceitou aquelas condições.
Segundo o pintor cerâmico, a “Secla foi um manancial de progresso da cerâmica”, e conta ainda que alguns elementos chave que saíram levaram o know-how para outras paragens onde instalaram outras unidades fabris.
Gama Diniz hoje continua a dedicar-se à pintura cerâmica e tem desenvolvido trabalhos em várias localidades.
“A pintura, essa está sempre lá, nunca fui modelador a não ser na Secla, onde fiz pequenas coisas”, recordou o autor que ainda fez alguma cerâmica em Barcelos, em 1985.
A partir de 1971 Gama Diniz iniciou a sua colaboração como designer na indústria vidreira na Marinha Grande, dedicando-se à criação artística na área do vidro. “É sem dúvida um trabalho apaixonante… Aquilo para mim encantava-me…”, contou o autor que foi desenhador e criador de modelos na J. Ferreira Cristovão.
“A minha passagem pela Secla foi rica, maravilhosa e plena. A minha tentativa de retorno já não correu tão bem…”, disse o artista que expõe desde os anos 60 por todo o país e que tem trabalhos em vários museus e colecções particulares. 

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