Não é um monumento aparatoso, mas tem uma importância significativa na reconstituição do nosso passado. Trata-se do castro de Santa Catarina, que agrupa vestígios de três eras e que é considerado um sítio arqueológico de elevado valor.
Há 12 anos iniciaram-se escavações que pouco depois pararam, mantendo enterrado um património valioso e com potencial turístico-cultural.
Agora pode ser que venha a beneficiar da existência de uma parceria entre a Câmara e o Instituto Politécnico de Tomar para fazer a Carta Arqueológica do concelho.
Não é um castelo monumental com torres e ameias, mas o castro de Santa Catarina é um dos mais antigos vestígios de ocupação humana da nossa região. É uma zona a 230 metros de altitude que foi ocupada em três diferentes períodos da História – Neolítico, Bronze Final e II Idade do Ferro.
No início deste milénio foi alvo de escavações, mas nunca chegou a ser classificado.
Sendo uma zona alta – a mais alta do concelho das Caldas -, era um local privilegiado para a habitação e defesa. Com uma ribeira (de Santa Catarina) a passar por baixo do monte, o acesso a água doce e alimento não seriam problema. Por outro lado, o mar – que hoje se vê no horizonte -, há muitos séculos chegava bem mais perto do povoado.
ESCAVAÇÕES FORAM HÁ 12 ANOS
Em 2004 e 2005 decorreram duas campanhas de escavações no Castro, ambas financiadas pela Câmara (40 mil euros mais 30 mil para compra dos terrenos) e lideradas pela arqueóloga Susana Henriques, que escreveu no seu relatório, datado de 2006, que o Castro se encontrava “em mau estado de conservação, contudo, a nível de espólio são bem visíveis as diferentes ocupações e a importância do sítio ao longo dos tempos”.
A arqueóloga realçava “uma ocupação intensiva do monte”, notando que “até agora não foi possível verificar os intervalos de tempo em que foi abandonado o sítio e o porquê destes abandonos”.

Entre as várias questões que surgiram com os trabalhos estava a inexistência de muralhas. “Temos um povoado em que os habitantes não tinham preocupações a nível de criar um sistema defensivo artificial. Porquê? Contrariamente às realidades que se apresentam por toda a região em que os povoados apresentam muralhas, porque é que esta preocupação não está presente no povoado do castelo?”, lê-se.
Susana Henriques alertava que a existência de uma pedreira perto do local, os continuados trabalhos de lavoura e o plantio de eucaliptos teriam alterado e destruído os contextos arqueológicos.
“Para melhor compreender a história deste local é necessária uma investigação continuada. Até agora os resultados têm sido surpreendentes para uma região que em termos arqueológicos tinha sido posta de lado e sem dúvida tem muito mais para oferecer”, escreveu então.
Contactada pela Gazeta das Caldas para esclarecer algumas questões sobre o castro, a arqueóloga não respondeu.
CLASSIFICAÇÃO NUNCA CONCRETIZADA
Jorge Mangorrinha, à data vereador com o pelouro do Património da Câmara das Caldas, dizia em 2005 ao Diário de Notícias que “no local poderá ser criado um centro interpretativo” e que os achados “devem ficar na freguesia onde deverá nascer um núcleo museológico”.
O então autarca referia que uma maior divulgação iria atrair turistas e permitiria a continuação dos estudos e das próprias escavações.
Mas nada disso aconteceu. Nem sequer o processo de classificação do Castro como Imóvel de Interesse Municipal, que foi iniciado em 1992, foi concluído.
Depois de trocas de cartas e documentos, de visitas ao local, avanços e recuos, mudanças nas leis e extinções e criações de instituições estatais, em 2005 o IPPAR decide que “o estado de conhecimento e conservação do sítio em vias de classificação não permite concluir que represente um valor patrimonial de âmbito nacional, podendo, contudo, entender-se como um elemento de cultura de valor histórico-arqueológico, testemunho da ocupação proto-histórica e pré-romana do concelho das Caldas”.
No mesmo parecer lê-se que “nada obsta a que futuramente, com a eventual continuação dos trabalhos de investigação científica e o desenvolvimento do conhecimento do sítio, se possa vir de novo a equacionar e estudar a eventual atribuição de uma categoria de classificação de valor nacional”.
E assim ficou. Não foi considerado de interesse nacional, nem se deu seguimento ao processo para o classificar como imóvel de interesse municipal. Entretanto veio a crise, que atirou o assunto para mais fundo da lista de prioridades.
Agora, a Câmara parece ter subido o Castro na tal lista. Isto porque há uma referência a este achado no ponto 1.3 do Plano Estratégico, onde se lê que “a existência de diversos sítios arqueológicos pelo concelho como o Castro de Santa Catarina localizado na zona mais elevada do município ou de outros elementos descobertos aquando das operações de regeneração urbana da cidade das Caldas da Rainha permitem reconstituir um passado mais antigo, anterior à fundação das Termas da Rainha Dona Leonor”.
No documento que guia o futuro do concelho define-se que “este tipo de património poderá beneficiar de um trabalho mais articulado com a região, aproveitando as sinergias já desenroladas no âmbito de outros estudos e valorização de sítios arqueológicos de maior visibilidade”.
UM ACHADO DIVIDIDO POR DOIS CONCELHOS
Mas há outro problema com o Castro. É que com a revisão dos limites dos concelhos, o terreno – que pertence à Câmara das Caldas, que o adquiriu a José Fernandes Fragoso – ficou dividido pela linha fronteiriça entre os municípios de Caldas e Alcobaça.
Em Abril de 2017 Gazeta das Caldas deu conta da apresentação do projecto CARACA, que se traduz na realização de uma Carta Arqueológica com todos os achados do concelho. Este será o resultado de uma parceria entre o Instituto Politécnico de Tomar e a Câmara, que financia os 100 mil euros que custa o projecto de quatro anos.
Ricardo Lopes, técnico caldense do IPT que está a trabalhar no projecto, esclareceu na sessão de apresentação que as duas Câmaras ficaram de conversar sobre o assunto, mas a resposta do arqueológo de Alcobaça nunca chegou ao município caldense.
Nessa altura, Ricardo Lopes dizia que “vamos tentar fazer algo” para solucionar o problema, notando que não devem ser as fronteiras geográficas a limitar este processo, até porque se descobriram “muitas coisas interessantes e há muita zona que não foi escavada na altura”.
Questionado pela Gazeta das Caldas, Hugo Oliveira, vice-presidente da Câmara das Caldas, realçou que, uma vez que o Castro está dividido no PDM, “a intervenção tem de ser articulada”.
O autarca revelou que depois da falta de resposta dos técnicos, já pediu “para agendar uma reunião” com a Câmara vizinha e disse que antes de fazer qualquer coisa, “primeiro vamos tratar da questão administrativa”.
Depois pretende perceber se há interesse do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) em fazer trabalho com os alunos naquele achado. A partir do momento em que a questão administrativa esteja resolvida, admite equacionar novo processo de classificação. “Quero que o IPT nos diga se é preciso classificar ou qual é a melhor forma de garantir a segurança”, afirmou.
PARQUE DE MERENDAS E PERCURSO DE MANUTENÇÃO?
Em Julho de 2015, Rui Rocha, presidente de Junta de Santa Catarina (entretanto reeleito), revelou à Gazeta das Caldas que tinha “um grande objectivo que é a intenção de criar um parque de merendas e um percurso de manutenção no ponto mais alto da freguesia, a 230 metros de altitude, com vista para o mar. É no Cabeço do Castelo onde está o Castro de Santa Catarina, que já foi intervencionado com algumas escavações. É um projecto que estamos a levar muito a sério, mas que ainda está na fase das condicionantes do terreno, visto que grande parte deste está em REN e RAN”.
O autarca confirmou à Gazeta das Caldas que mantém essa intenção, apesar de o processo estar ainda em fase embrionária. Sobre essa ideia, Hugo Oliveira não excluiu a possibilidade de a concretizar, mas salientou que “é preciso perceber o que é preciso salvaguardar numa área de protecção para não criar facilidade de acesso ao espaço, que hoje também é possível, mas seria criar mais acessibilidade para depois até, de alguma forma, estragar”.
Moeda romana entre os achados
No Castro de Santa Catarina foi identificado um denário romano, que aponta para a interacção deste povoado com o Império de Roma. Também da Idade do Ferro há cerâmicas, contas de colar, pregos, moedas e vidros.
Do Bronze Final os vestígios passam pela cerâmica, taças carenas e uma argola em bronze, bem como uma estrutura pétrea muito destruída e restos de piso.
Os achados mais antigos remetem para o Neolítico e passam por uma lareira, com presença de carvões e elementos em barro de cabana. Ao redor foram encontrados núcleos e lamelas em sílex, que remetem para uma indústria lítica.
Escavações arqueológicas em Eburobrittium aguardam protocolo com proprietária do terreno

O sítio arqueológico de Eburobrittium, situada junto a Óbidos, encontra-se em estado de abandono, com o espaço a necessitar de uma intervenção, que tarda devido à inexistência de um protocolo entre a Câmara de Óbidos e Associação Nacional de Farmácias, que é a dona do terreno.
As ruínas da cidade romana de Eburobrittium, que terá sido construída no tempo de Augusto, provavelmente no último decénio do século I a.C. e sobreviveu até à segunda metade do século V d.C., foi descoberta em 1994 aquando das obras para a construção das estradas IP6 e IC1.
Desde 2013 que a cidade romana é classificada como Sítio de Interesse Público.
A Câmara de Óbidos enviou em 2014 uma proposta de protocolo à Associação Nacional de Farmácia (dona do terreno), para que possa intervir no local e elaborar uma candidatura a fundos comunitários. O presidente da Câmara, Humberto Marques, diz que a Associação Nacional de Farmácias sempre lhes disse que “não iriam criar obstáculos” e que na última conversa que tiveram, há cerca de quatro semanas, percebeu que estaria para breve essa formalização.
O autarca refere que a celebração do protocolo permitirá à autarquia preservar as escavações arqueológicas, mas também poder candidatar aquele património a fundos comunitários na sequência das reprogramações que possam existir. A candidatura prevê a ampliação das escavações arqueológicas e a obtenção de equipamento que permita a preservação do património que já está a descoberto para não estar à chuva. Com um valor de cerca de 350 mil euros, esta candidatura permitirá também um maior conforto nas visitas ao local.
Por outro lado, a autarquia aguarda a resposta da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) para o pedido de acreditação da arqueóloga da autarquia, Dina Matias, para poder coordenar a escavação arqueológica. “Beleza Moreira era o coordenador da escavação e quem tinha a acreditação por parte da DGPC. Quando saiu foi preciso acreditar novo técnico e estamos à espera dessa resposta”, explicou o autarca.
Gazeta das Caldas contactou a ANF, mas não obteve resposta em tempo útil.
Os trabalhos arqueológicos na cidade romana de Eburobrittium que se realizavam todos os verões, estão parados desde 2006, altura em que caducou um protocolo entre a autarquia e a Associação Nacional de Farmácias ao abrigo do qual esta última financiava o projecto.