Houve pelo menos 16 cidadãos da Serra do Bouro que combateram na Primeira Guerra Mundial. Todos conseguiram sobreviver e voltar a casa, alguns com condecorações, outros feridos e houve até quem se fizesse passar por louco de modo a voltar a casa. A historiadora Joana Beato Ribeiro investigou estas 16 personagens, que apresentou à freguesia no dia 11 de Novembro, data em que se celebrava o centenário da assinatura do Armistício daquele conflito. A sala estava cheia, com familiares dos combatentes e curiosos que, no final, elogiaram a iniciativa.

Sabia que houve, pelo menos, 16 cidadãos da Serra do Bouro que combateram na I Grande Guerra, alguns na batalha de La Lys? E sabia que todos estes homens regressaram a casa? A historiadora Joana Beato Ribeiro deu a conhecer esta parte da História àquela localidade, numa sessão que contou com sala cheia e que se realizou no dia em que passaram 100 anos da assinatura do Armistício que pôs termo ao conflito.
A jovem investigou as cadernetas militares destes homens e contou algumas histórias curiosas como, por exemplo, que no boletim de Joaquim Pereira Jacinto, do RI5 e dos Sapadores Mineiros, está uma punição de dez dias porque notou que um camarada faltava ao recolher e tentou responder por ele. Na situação oposta esteve José Ezequiel Júnior, que foi punido por faltar à formatura de recolher.
Nenhum destes 16 homens era militar de carreira. Eram civis que foram recrutados em tempos de guerra, como todos (ou a maioria) dos homens entre os 20 e os 45 anos. A maioria das tropas nacionais não conhecia as armas que enfrentaram, como por exemplo os gases asfixiantes. “Uma grande parte das tropas do corpo expedicionário não fez instrução em Portugal para usar máscaras de gás», salientou a investigadora.
Ainda assim, havia relatórios britânicos que elogiavam os nossos soldados, mas referiam que os sargentos não comandavam bem. Os portugueses foram criticados, por exemplo, por não usar meias, quando alguns daqueles homens nunca tinham sequer usado botas.
Ao contrário da ideia de que Portugal não participou logo na guerra, a historiadora esclareceu que mal estalou o conflito o país enviou tropas para Angola e Moçambique.
Em comum estes 16 homens têm o facto de pertencerem ao Corpo Expedicionário Português (CEP) e de terem nascido entre 1885 e 1890 na Serra do Bouro. Curiosamente, na altura em que foram para a guerra, a freguesia incluía Serra do Bouro, Foz do Arelho e Nadadouro, mas quando nasceram o Nadadouro fazia parte da freguesia de S. Pedro de Óbidos.
Em comum têm ainda o facto de todos terem sido praças, mas cada um tem a sua história e Joana Ribeiro falou de todos.
Albino da Costa Capitaz, que foi dos Sapadores de Caminhos de Ferro e que foi punido com quatro dias por negligenciar o seu serviço, foi o primeiro.
Este foi condecorado com a cruz de guerra 4ª classe. Teve um louvor “pela muita coragem que revelou no dia 9 de Abril”, em La Lys, em que reparou avarias provocadas pelos intensos bombardeamentos na base de Le Gorgue. Além disso, na sua ficha consta que foi responsável pela guarda de alguns prisioneiros alemães.
Os irmãos Albino e Eduardo Horta (que teriam mais dois irmãos, José e António) também foram à guerra.
Albino foi da artilharia, primeiro da de costa e depois da pesada. “Provavelmente seriam bem constituídos, fortes e resistentes, para conseguirem manusear as peças de artilharia, que eram pesadas”, referiu.
O irmão, Eduardo Horta, tem a particularidade de ter integrado o corpo de artilharia pesada independente (independente do CEP porque respondia directamente a ordens francesas). Um dia foi apanhado a jogar às cartas e respondeu mal ao seu sargento, o que lhe valeu uma punição.
Francisco Casimiro, conhecido como Joaquim da Ana Rita, foi feito prisioneiro na sequência da batalha de La Lys, tendo sido preso num campo na Alemanha.
António Fragoso, da infantaria, baixou várias vezes à ambulância por ter sido ferido e foi considerado incapaz de todo o serviço. Outro caso médico foi o de José Martins, conhecido como “Zé Bonito”. Pertencia ao RI5 e foi julgado incapaz, tendo regressado a Portugal num navio-hospital britânico.
Aqui, conta-nos Francisco Antunes a partir da plateia, que José Bonito colocava a comida nos bolsos dos médicos e respondia a todas as perguntas com a expressão “se calhar”.
À Gazeta das Caldas, Francisco Antunes contou ainda que um dia um colega se dirigiu ao Zé Bonito a dizer: “Olha o Se Calhar” e este respondeu: “Se calhar, calhou, eu vim embora e você ainda lá ficou!”.
Francisco Antunes, da Serra do Bouro, também se lembra de António Inácio, que trabalhou para o seu pai. Pertenceu aos Sapadores Mineiros e depois aos Sapadores de Caminhos de Ferro. Este foi punido por estar em baixo de forma e duvidar dos superiores. Foi para a guerra enamorado com uma moça do Chão da Parada, mas quando regressou ela havia casado com outro.
Júlio Jerónimo, da artilharia de costa, recebeu uma licença de 45 dias, “o que para um praça era extraordinário”, realçou Joana Ribeiro. Finda a licença, Júlio desertou, tal como aconteceu com muitos militares, sobretudo oficiais, que receberam licenças para vir a terras lusas.
Quem também recebeu uma licença, mas de dez dias, foi Carlos Luís, da artilharia de costa e da artilharia a pé. Foi ferido em combate duas vezes, e, por causa disso, foi autorizado a utilizar uma medalha comemorativa da guerra. Este regressou no mesmo barco que o médico Fernando Silva Correia, pelo que passou na costa oestina, havendo uma fotografia tirada pelo médico à passagem pelas Berlengas.
A historiadora notou que houve muitos casos de militares que só regressaram muitos meses depois de ter sido assinado o armistício, o que levou a que vários morressem ainda nos países onde haviam combatido. “Felizmente, da Serra do Bouro regressaram todos”, referiu Joana Ribeiro.
E os combatentes do Ultramar?
No final, o sargento Mário Rocha, militar de artilharia no activo que mora na Serra do Bouro, salientou a questão do Milagre de Tancos, onde estes homens receberam formação. Um local que passados 100 anos está associado a questões menos positivas. Este militar salientou que apesar das várias punições, estes militares não eram muito indisciplinados.
Mário Rocha lançou ainda o repto para que se faça um trabalho semelhante relativamente à participação de pessoas da Serra do Bouro na Guerra do Ultramar e mostrou-se disponível para colaborar no mesmo.
Jorge Varela, presidente da União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro, referiu que passou um século dos gaseamentos da Primeira Guerra e continuam a haver gaseamentos de civis na Síria. “Em 100 anos não aprendemos nada?”, questionou.
Tinta Ferreira, presidente da Câmara, referiu que há nove caldenses que faleceram na I Grande Guerra, um conflito que o autarca considerou “estúpido, porque a única coisa em jogo foi o poder, o território”. Na segunda há a questão ideológica da luta contra o nazismo. “Imaginem o que seria o mundo hoje se o bloco nazi tivesse ganho a II Grande Guerra”, acrescentou.
O edil disse ainda que “é fantástico que uma celebração deste tipo, que está a ocorrer nas grandes capitais europeias, também se realize na Serra do Bouro” e revelou que há mais freguesias do concelho interessadas em pesquisas semelhantes.