Três antigos administradores do Centro Hospitalar das Caldas tomam posição sobre o futuro do termalismo

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Pondo de parte antigas divergências que em tempos os separaram, Mário Gonçalves, Jorge Varanda e Vasco Trancoso, começaram a trocar mails entre si e assinam juntos um documento de reacção ao estudo do ISCTE, recentemente apresentado, sobre o futuro do termalismo caldense.
Na carta aberta à comunidade caldense, que também foi enviada ao ministro da Saúde, bem como a outras autoridades, estes anteriores responsáveis pelo então Centro Hospitalar das Caldas da Rainha vêm defender a unidade do património do Hospital Termal, insurgindo-se contra a atribuição de uma parte à Câmara Municipal.
O documento, que publicamos na íntegra, propõe que os pavilhões do parque sejam recuperados para um hotel termal e não para um edifício multi-usos, e defende um investimento na modernização do complexo termal, entre outras afirmações críticas em relação às propostas apresentadas.
Gazeta das Caldas pediu um comentário ao coordenador do referido estudo que está na origem desta polémica, que também publicamos na íntegra.
O actual presidente do Conselho de Administração do CHON, Carlos Sá, não quis comentar.

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“Os administradores do Hospital sentiam-se administradores do concelho.

O presidente da Câmara das Caldas, Fernando Costa, considera que a carta aberta tem propostas ou preocupações importantes, pelo que merece ficar como anexo ao estudo realizado pelo ISCTE.
Relativamente à utilização dos Pavilhões do Parque como hotel termal ou clínica termal, o edil reconhece que era bom que assim fosse, se houver quem o faça, tendo em conta os custos associados a essa solução. “Uma ideia genial, mas difícil de executar”, diz Fernando Costa.
O autarca considera ainda que os autores do documento “não são capazes” de ter uma análise independente dos cargos que exerceram no Centro Hospitalar.

“Os administradores do Hospital sentiam-se administradores do concelho. Neste documento transparece o receio de que a Câmara não seja capaz de administrar o Parque e a Mata”, disse à Gazeta das Caldas.

 

CARTA ABERTA À COMUNIDADE CALDENSE

Na qualidade de anteriores dirigentes do Hospital Termal Rainha D. Leonor (integrado no respectivo Centro Hospitalar), vivemos com total dedicação e interesse, durante muitos anos e em épocas diferentes, a vida de tão relevante Instituição. Esse facto impele-nos, neste momento e em face das circunstâncias, a definirmos em conjunto uma mesma posição em defesa e em favor do Hospital Termal Rainha D. Leonor. Por caminhos diferentes sempre fomos fiéis ao Hospital, ao seu significado e valor. Isso nos une.
Para nós é claro que o problema actual do Hospital Termal Rainha D. Leonor não está, nem no seu potencial económico e de Saúde, nem no seu património. Há uma situação financeira deficitária nos Hospitais que integram o Centro Hospitalar Oeste Norte, tal como existe na generalidade dos Hospitais do SNS. No caso deste Centro Hospitalar, a situação poderá, eventualmente, ser mais grave do que na média dos restantes, mas a natureza do problema é a mesma.

Hospital Termal deve atingir o ponto de auto-suficiência económico-financeira

Relativizemos as coisas: a despesa dos Hospitais do SNS foi em 2010 de cerca de 4.800 milhões de euros. Pela sua parte, o que o Hospital Termal precisará para não depender do Orçamento Geral do Estado e atingir o ponto de auto-suficiência económico-financeira, é de gerar o correspondente a cerca de 1 milhão de euros de receitas próprias, verba capaz de suportar todos os seus serviços e património. Para tanto, apenas necessita de recuperar 5000 dos cerca de 9000 aquistas que chegou a tratar, quando era em Portugal a segunda estância termal mais procurada. Não há, aliás, nenhum outro Hospital no SNS com a possibilidade de se tornar auto-suficiente como este e de ao mesmo tempo, dar um contributo positivo para as contas do SNS e das contas externas do país.
A acção preventiva e terapêutica da Água Mineral Natural das Caldas da Rainha, singular a nível mundial pela sua composição química, constitui, neste contexto, o alicerce que dá fundamento a todas as diligências que hão-de permitir recriar a capacidade atractiva da estância termal, conforme a experiência clínica tem demonstrado desde sempre, de forma inequívoca. São os Doentes com problemas das vias respiratórias e com queixas do foro reumatismal, com largo impacto social, os que mais recorrem ao Hospital Termal, provenientes de quase todo o País.

Aproveitamento do Hospital Termal constitui um imperativo nacional

A valorização do Hospital Termal através do aproveitamento optimizado das suas potencialidades, constitui um imperativo nacional. O Ministério da Saúde deve colocar o Hospital Termal no âmbito da sua estratégia, tendo em vista a economia de recursos financeiros e a saúde da população. Bastará ter em devida conta os estudos que confirmam a eficácia dos tratamentos efectuados no Hospital, geradores de substanciais poupanças no consumo de medicamentos, predominantemente importados. Só por incompreensão é que não se aproveita um meio terapêutico acessível, nacional, capaz de ajudar a manter a saúde dos Doentes, reduzindo o recurso a medicamentos. Ao jeito popular diremos que, no conjunto dos gastos da Saúde, o valor do Hospital Termal é pouco, mas quem o desaproveita é louco.
Esclarecido este ponto crucial ao entendimento das coisas, restam dois outros: o da modernização do complexo termal, através de uma iniciativa inovadora capaz de relançar o termalismo caldense e a questão específica do património do Hospital Termal.

Modernização do complexo termal

Quanto ao primeiro, tudo indica que estejamos a viver um momento propício a um tal investimento, tendo em conta, por um lado, a necessidade de Portugal criar riqueza susceptível de o ajudar a sair da situação difícil e complexa em que se encontra e por outro, a aproximação de 2013, ano em que se materializará a livre circulação de Doentes no espaço Europeu. Também por isso, se exige que sejamos competitivos no domínio dos tratamentos hidrológicos para manutenção da Saúde. Uma Estância Termal como a das Caldas da Rainha, com o enorme valor e potencial que encerra, é algo que, seguramente, atrairá qualificados investidores, interessados em assumirem tal iniciativa para captação de aquistas tanto de Portugal como de outros Países.
Para tal, nada melhor do que a recuperação dos Pavilhões do Parque e do designado Clube de Recreio/Casa da Cultura, não como um pavilhão multi-usos como agora prosaicamente se propõe, mas como Hotel Termal com equipamentos próprios de uma unidade especializada em hotelaria e eventuais recursos especializados em Hidroterapia. Um Hotel Termal corresponde ao objectivo de promover a qualificação e o aumento da frequência da Estância Termal, dada a sua condição de estabelecimento residencial, que recebe hóspedes em permanência variável, realidade que se enquadra nas exigências impostas pela mobilidade, pelos padrões de procura e de utilização, em função das necessidades da população considerada.

Contra “uma invasão urbanística” do Parque

Parece-nos de afastar, a tal propósito, a ocupação maciça do espaço da Parada, tal como agora se propõe, com mais de uma centena de alojamentos, a qual apresenta o risco de se transformar numa operação de natureza turístico-imobiliária e não especificamente de índole termal, para além de configurar “uma invasão urbanística”, descaracterizando a especificidade do Parque das Caldas da Rainha. Seria sempre preferível ocupar uma faixa urbanizável do antigo pinhal de Santo Isidoro, sem sobrecarregar um espaço que todos concordarão, por certo, que se mantenha verde na sua principal finalidade.
Compete-nos ainda chamar a atenção para a necessidade de assegurar a qualificação clínica da actividade de um futuro Hotel Termal, objecto de concessão, a partir da equipa médica de especialistas do Hospital Termal, dimensionada de acordo com as necessidades e a procura que vierem a registar-se no futuro, pela sua fidelidade aos princípios e métodos da Hidrologia Médica.
Potenciais investidores sempre os houve no passado, sendo imperativo que sejam consultados e se manifestem no presente. Na sua escolha, haverá que ter em consideração, entre outros aspectos, as garantias que assegurem o êxito da iniciativa, as suas credenciais na matéria e a qualidade do projecto arquitectónico de recuperação dos Pavilhões e de algum eventual complemento construtivo na zona da Parada, sem a dimensão e carácter maciço do que agora se propõe. A sua escolha deverá assentar num processo transparente, aberto a investidores nacionais e internacionais, de forma a conhecer-se o destino dado a elementos tão valiosos do património local e nacional.

A transferência do património hospitalar para a Câmara Municipal é uma falsa questão e a pior das soluções

Quanto ao património: a sua transferência para a Câmara Municipal é uma falsa questão e a pior das soluções, nas circunstâncias em que Portugal se encontra. Porquê?
Porque o dinheiro que alimenta a Câmara provém exactamente da mesma fonte de onde vem o dinheiro que alimenta em geral os Hospitais – o Orçamento Geral do Estado – e neste momento nenhuma entidade pública nada em dinheiro em Portugal. Ora, esse património tanto sobrecarrega de um lado, como do outro. A única forma de não sobrecarregar a despesa pública é a de gerar receitas próprias, provenientes dos tratamentos termais e de outras que se entender por bem. Essa é a única solução.
O património (com relevo para o Parque, Mata, Igrejas e Museu) forma um todo com o Hospital, uma unidade, de um ponto de vista das finalidades do seu uso e da sua História. As instituições com este carácter, não podem ser amputadas de uma parte da sua identidade a não ser que se pretenda consumar a sua destruição definitiva. Fazê-lo é como se nos tirassem uma parte da nossa personalidade. Por isso, o património deve continuar com a mesma lógica integradora com que se formou, para que o Hospital cumpra o potencial que encerra e seja conformado aos fins últimos de saúde para que foi criado.

Invocar a legalidade e a legitimidade

Há ainda dois aspectos a ter em conta, um de legalidade e outro de legitimidade: a legalidade impede a actual administração do CHON e a Câmara de mudarem o estatuto do património que por lei está afecto ao Hospital. Os actos de gestão são pautados pela Lei e não pela vontade individual dos responsáveis. De legitimidade, porque se trata de um legado da Rainha D. Leonor, acrescido de outros que o complementaram e ainda do que resultou da sua administração posterior, sendo que a vontade do legatário deve ser respeitada. Não se pode ceder aquilo que foi destinado expressamente ao Hospital e às suas finalidades superiores, pois o respeito dessa vontade é um dos valores da nossa ética social.
A relação com a Câmara Municipal é, no entanto, de todo desejável que assente em protocolos por todos aceites e apoiados, sendo que o passado e o futuro do Hospital Termal e da cidade apresentam uma ligação única e não comparável a nenhuma outra a nível nacional. Se todos nos entendermos as coisas avançam e o bem comum sai satisfeito.
Estaremos sempre do lado positivo da resolução dos problemas e dispomo-nos a contribuir com o nosso conhecimento e experiência para concretizar um projecto que todos possamos acarinhar, com fidelidade ao espírito de lugar e intenção fundadora e aos interesses de desenvolvimento local e nacional que, neste momento, nos devem mobilizar.

Mário Gonçalves (ex Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha)

Jorge Varanda (ex Administrador Delegado do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha)

Vasco Trancoso (ex Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha)

NR – Os subtítulos dão da responsabilidade da Redacção.

COMENTÁRIO DO AUTOR DO ESTUDO

Por Encomenda da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, o ISCTE – IUL realizou um Estudo sobre a Avaliação Gestionária do Património do Hospital Termal. O Estudo foi entregue e discutido, por duas vezes, em sessão da Assembleia Municipal. Fomos o Coordenador do Estudo e por ele “demos a cara”. Esta fase terminou.
Face ao conteúdo da Carta Aberta à Comunidade Caldense e a título pessoal, procuramos esclarecer alguns pontos da Carta.
Os Autores da Carta não mencionam o Estudo. Quando referem o seu conteúdo, não o fazem de maneira da maneira mais objectiva.

– Se Assim For … Excelente

Os Autores consideram que
·    “cerca de 1 milhão de euros de receitas próprias” permitem ao Hospital Termal atingir “o ponto de auto-suficiência económico-financeira” e ser “capaz de suportar todos os seus serviços e património”, deixando de depender do Orçamento Geral do Estado,
·    o Ministério da Saúde aceita “os estudos que confirmam a eficácia dos tratamentos efectuados no Hospital, geradores de substanciais poupanças no consumo de medicamentos, predominantemente importados”
·    “tudo indica que estejamos a viver um momento propício a um tal investimento”
Se assim for, excelente. O Estudo terá sofrido de enorme erro de avaliação. Gostaríamos imenso de ter cometido este erro.
Se assim não for, os Autores têm de assumir a responsabilidade de continuarem a alimentar a ilusão, que contribuiu para dezenas de anos perdidos na valorização do Património do Hospital Termal.

– Inaceitável
Sobre o Empreendimento Multi Usos, elemento crucial do Projecto Integrado proposto, os Autores escrevem:
·    “a recuperação dos Pavilhões do Parque e do designado Clube de Recreio/Casa da Cultura, não como um pavilhão multi-usos como agora prosaicamente se propõe”.
Esta formulação não é intelectualmente honesta. Esperamos que os Autores a retirem.

– A Proposta de Hotel Termal e as Alternativas do Estudo

Os Autores propõem a conversão dos Pavilhões do Parque em
·    “Hotel Termal com equipamentos próprios de uma unidade especializada em hotelaria e eventuais recursos especializados em Hidroterapia. Um Hotel Termal corresponde ao objectivo de promover a qualificação e o aumento da frequência da Estância Termal, dada a sua condição de estabelecimento residencial”.
Os Autores omitem três factos
·    como financiar a proposta de conversão dos Pavilhões em Hotel Termal e a viabilidade deste,
·    o Estudo dar prioridade à procura de uma conversão dos Pavilhões que se auto financie e, só na ausência desta solução, propõe o Empreendimentos Multi Usos.
·    o que os Autores designam de “operação turístico imobiliária” é um nvo estabelecimento que possa atrair nova Procura por estadias nas Caldas da Rainha e, pela venda dos direitos de utilização das unidades de alojamento, gerar a mais valia, que permite financiar a reutilização dos Pavilhões – esta modalidade de financiamento foi sempre clara.
Os Autores têm a obrigação de esclarecer qual a fonte de financiamento para a conversão da ruína dos Pavilhões em Hospital Termal. Sem isso, repetimos a frase sobre o alimentar a ilusão.

– Outra vez inaceitável
Os Autores
·    qualificam a Edificação Nova do Empreendimento Multi Usos em “operação turístico imobiliária e não especificamente de índole termal”, e “invasão urbanística, descaracterizando a especificidade do Parque”.
As expressões “turístico imobiliária” e “invasão urbanística” fazem parte do vocabulário utilizado para denegrir qualquer proposta que assim seja qualificada. Regra geral, impedem a sua discussão calma e objectiva. Lamentamos que os Autores desçam a este nível.
Os “usos” do Empreendimento Multiusos estarão de acordo com a nova Procura. Não pensamos que esta seja a do Termalismo Tradicional. Pode ser uma inovação na utilização da Água Mineral Natural que estará para este Termalismo como o Starbuck está para o tradicional café de saco. Ou, como em Bath, pode ser estabelecimento hidroterápico a utilizar água da torneira.

– Sobre a Unidade do Património

Os autores
·    consideram Hospital, Mata, Igrejas e Museu como um todo, “uma unidade, de um ponto de vista das finalidades do seu uso e a sua História.”,
·    têm de admitir opinião diferente: não quebramos este todo, antes o valorizamos, com a proposta de “Integrar Parque e Mata na Cidade, com valorização pela gestão municipal” e um “Regime de Protecção Total”,
·    não devem ofender quem elaborou o Estudo, quando associam esta proposta a que se “pretenda consumar a sua [da referida unidade] destruição definitiva”,
·    deturpam o Estudo, quando referem “mudarem o estatuto do património que por lei está afecto ao Hospital” – está em causa uma concessão, como a que os Autores pretendem para o investidor no Hotel Termal,
·    devem esclarecer a que “lei” se referem e qual é o regime legal do “legado da Rainha D. Leonor” – não recebemos informação sobre estes dois pontos, antes recebemos várias informações sobre não terem fundamento legal ou outro.

Sérgio Palma Brito

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