José António Cerejo diz que numa altura em que a desinformação e as falsas notícias invadem o nosso quotidiano, o papel dos jornalistas deveria ser absolutamente fundamental para a Democracia. É que, apesar de todas as pressões e dos maus profissionais (que os há em todas as profissões), esta é uma actividade feita com regras, sujeita a uma ética e a um código deontológico e escrutinada internamente e pelo próprio público.
O conhecido jornalista de investigação, a quem já foram atribuídos vários prémios de jornalismo, falou nas Caldas da Rainha na semana passada, na sessão 21 às 21.
“Nas redes sociais vemos constantemente coisas que não sabemos de onde vêm. Grande parte dos sites noticiosos e dos blogues não sabemos quem os faz, não citam fontes, e no entanto as pessoas divulgam e partilham os seus conteúdos de forma acrítica. Por isso, a imprensa tradicional é a mais credível e compete aos leitores fazerem as suas escolhas”.
Foi com este alerta que começou a intervenção de José António Cerejo, convidado a falar sobre o tema “Para que serve o Jornalismo na era da Internet”. O orador considera que a função do jornalista está desacreditada porque as pessoas têm a falsa sensação de que estão a ser bem informadas só por andarem a correr pelas redes sociais. Ora isso é um perigo, não só para o jornalismo, como também para a própria Democracia, que não deve prescindir de uma informação credível e feita com regras.
José António Cerejo explicou por que motivo, apesar de tudo, se deve confiar mais no trabalho dos jornalistas do que na informação veiculada na Internet. É porque estes profissionais têm uma ética e uma deontologia própria e são submetidos a permanente escrutínio, tanto interno como externo. O escrutínio interno passa pelo crivo das chefias, dos editores e dos outros jornalistas. O externo é feito pelos próprios leitores, mas também por entidades como os tribunais, a Entidade Reguladora da Comunicação Social e o Conselho Deontológico dos Jornalistas.
Razões que o levam a acreditar que o trabalho resultante dos jornalistas é sempre mais credível e mais próximo da verdade do que os conteúdos das redes sociais.
“É claro que o facto de as notícias estarem publicadas nunca foi garantia de que sejam realmente verdadeiras, mas há mais garantia de que elas estão mais próximas da verdade na imprensa tradicional do que num blogue que não sabemos de onde vem”.
O jornalista falou depois num círculo vicioso que tende a degradar a qualidade da informação. À medida que as pessoas consomem mais o lixo da Internet e se julgam bem informadas, os jornais vendem menos e as empresas de comunicação social começam a cortar em despesas que asseguram a qualidade do jornal. Começam pelos revisores e depois vão aos jornalistas e poupam nos trabalhos de investigação, depois vão aos salários e às contratações e segue-se a precarização da profissão. Tudo isso reduz a qualidade do trabalho final destes profissionais, cada vez mais incapazes de competir com as falsas notícias e deturpações que circulam na Internet.
“A ideia de que todas as pessoas podem ser jornalistas e publicar na rede o que lhes apetece é um mito. O jornalista não está sozinho na produção de notícias. Está sujeito a uma cadeia, trabalha com regras, ouve o contraditório e o seu trabalho é obviamente mais credível”.
Instado a comentar – durante o período de debate – se as pressões dos grupos económicos que detêm os órgãos de comunicação social não ajudam igualmente a desacreditar o jornalismo, José António Cerejo reconheceu que isso pode estar a acontecer e é um perigo real. Mas, mesmo assim, é sempre preferível ler notícias feitas por profissionais que obedecem a um conjunto de regras do que a profusão de conteúdos falsos e deturpados que se vêem nas redes sociais. E acrescentou que também compete aos jornalistas e aos seus representantes, como os conselhos de redacção, resistirem e servirem de contrapeso a eventuais pressões das administrações.
No caso do Público, jornal onde trabalhou 28 anos e que pertence ao grupo Sonae, José António Cerejo diz que durante esse tempo só viu Belmiro de Azevedo (o patrão daquele grupo económico) duas vezes na redacção e que nunca sentiu qualquer recado ou pressão por parte da empresa dona do jornal. “Esta é a minha experiência, mas também é o que me têm dito os directores do jornal que eu conheci”, contou.
AS PRESSÕES SOBRE OS JORNALISTAS
Tendo presente um seu trabalho que comprometia a imagem do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, e que foi publicado a poucas semanas das eleições autárquicas, o jornalista trouxe ao debate a questão do timing para publicação de notícias durante o período eleitoral que possam ser negativas para os candidatos.
Em sua opinião, não deve existir um “defeso eleitoral” ou um período de nojo para a publicação deste tipo de notícias quando se está nas vésperas de eleições. “O trabalho deve sair quando estiver terminado, quando a história estiver completa e se tenham ouvido todas as partes”, disse. Mas alertou: “nada justifica que os jornalistas guardem os resultados do seu trabalho na gaveta para não prejudicar o resultado eleitoral, assim como não se justifica que o guardem para o publicar quando der jeito à sua própria agenda”.
Do público veio a pergunta sobre se o jornalista já tinha sido ameaçado e como funcionavam as pressões na sua profissão, ao que José António Cerejo respondeu contando algumas histórias que lhe aconteceram e que ele próprio desvalorizou. Mais grave, disse, são as pressões sobre os próprias empresas de comunicação social quando sofrem acções judiciais com pedidos de indemnização gigantescos que obrigam a constituir reservas na sua contabilidade, penalizando assim os resultados líquidos. E isso leva a que, mesmo inconscientemente, se pense duas vezes antes de voltar a escrever sobre determinada pessoa ou empresa.
Mas quanto aos eventuais perigos da profissão de jornalista, o grande repórter diz que “ser condutor de camiões também é uma profissão perigosa”.